sábado, 29 de dezembro de 2018

Pela nossa família à Família Divina


SAGRADA FAMÍLIA: MISTÉRIO TRINITÁRIO

            Nada mais misterioso e mais revelador do que a Sagrada Família, a família de Jesus, Maria e José. Tão misterioso que mal podemos pensar ou dizer algo sobre ela: são muito poucas as palavras que os evangelistas usam para falar dela. Porém, por outro lado, por trás do mistério, eles nos apresentam o rosto do maior mistério, o da Santíssima Trindade, que se comunica para toda a humanidade em “linguagem” humana familiar.

Maria, a serva do Senhor
            As coisas que sabemos desta mulher são tão poucas que não é possível reconstituir sua história. São apenas algumas informações vagas. Nada sobre sua família, seu dia-a-dia, seus costumes, seu relacionamento com os vizinhos... Tudo o que sabemos está relacionado à sua missão.
            Os evangelistas se referem a ela como aquela que Deus escolheu para a missão de ser sua mãe. Por trás dessa missão a mostram como a “serva do Senhor”, e assim o próprio Espírito Santo pode vir sobre ela para cobri-la com sua sombra. Ela, dessa forma, torna-se a manifestação (presença) do Espírito que impulsiona toda a humanidade e toda a criação para o mistério de Deus Amor e Salvador. Nela, e por ela para toda a humanidade, o Espírito mora para sempre neste mundo. Ele gera continuamente o Filho Salvador em Maria. Maria, na condição de serva, é a mais perfeita manifestação do mistério do Espírito Santo, o Doador de Vida.
            Num determinado momento da história de Maria tudo passou a girar ao redor dela, pois, na verdade ela é portadora de duas pessoas divinas: do Filho – como seu Filho – e do Espírito, que dentro dela estão dando forma à sua humanidade. Ela é bendita entre todas as mulheres (cf. Lc 1,42), sendo assim, o templo mais sagrado que jamais existiu neste mundo.

Jesus, o Filho de Deus e de Maria
            Jesus é membro da Família de Nazaré. Ele é Filho de Maria e de José; esta é sua família humana, ao ponto de José lhe dar o nome. Mas é o Filho do Pai Eterno.
            Nada mais misterioso, esplendoroso e revelador: Deus, comunicação de seu amor, na companhia de um pai e uma mãe tão humildes e simples como José e Maria. Ele é o Verbo Eterno de Deus, a comunicação de sua Glória Eterna. É na Família de Nazaré que Deus fixa sua morada para sempre com a humanidade de todos os tempos. Ele é o Filho de Deus, o Filho de Maria, membro da Sagrada Família.

José, receptáculo do Pai
            Sabemos pouco da história de Maria, sabemos bem menos da história de José. Praticamente nada. Somente sabemos algo dele em função da Esposa e do Filho. Era homem justo, trabalhador, protetor; que nunca falou, apenas agiu. Desapareceu diante da ação do Filho. No entanto, cumpriu sua missão: estar presente através de sua Esposa e de seu Filho. Ele entendeu sua missão por meio do sonho, que é a linguagem do mistério mais profundo em nós.
            É neste homem que o Pai Eterno, mistério mais profundo de amor para com toda a criação, encontra um receptáculo adequado para estar também na família humana. O Pai é providente e sempre trabalha: foi assim que Jesus o revelou. Proteger e trabalhar é a missão de todo o pai. José tinha uma similaridade com o Pai celeste; tinha tudo para ser o seu receptáculo. Assim o Pai também veio morar entre nós para sempre em José e em todos os pais que, como ele, estão abertos à ação divina, cada um conforme sua missão.
            Na Família de Nazaré, o Pai, o Filho e o Espírito Santo se fazem presentes, e, a partir dela, igualmente em todas as famílias de todos os tempos. Isto, à medida em que elas se dispõem a acolher o Espírito como servos, o Verbo como testemunhas e mensageiros da verdade, e o Pai como trabalhadores e protetores da vida e da natureza criada pela Trindade Santa.

Nossas Famílias
            Tendo a Sagrada Família como modelo, nossas famílias devem se tornar cada vez mais manifestação da presença do Deus Uno e Trino. Elas também precisam mostrar que são santas e sagradas. Diz o Papa Francisco "a grande missão da família é dar lugar a Jesus que vem, acolhê-lo na família, na pessoa dos filhos, do marido, da esposa, dos avós. Jesus está ali. Acolhê-lo ali, para que cresça e espiritualmente naquela família”.
            Quanto mais os membros de nossas famílias tiverem consciência de seu lugar na família, tanto mais as Pessoas Divinas podem se manifestar neles. No serviço, na disposição alegre e amorosa, o Espírito Santo; no trabalho silencioso e providente, o Pai Eterno; e, na doação generosa, no testemunho e no respeito à verdade, o Filho – Verbo de Deus.
            Saibamos respeitar e valorizar nossas famílias, e com certeza, haveremos de nos encontrar com algo mais profundo: o mistério do próprio Deus conosco.
Pe. Mário Fernando Glaab

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Ave Maria - A oração que mais fazemos


ALEGRA-TE, CHEIA DE GRAÇA

            A oração que nós mais dirigimos à Mãe de Deus se inicia com as palavras: “Alegra-te, cheia de graça; o Senhor é convosco”. Esta oração nós repetimos muitas vezes em nosso costume de rezar. Ela está baseada nas palavras do anjo Gabriel quando traz o anúncio a Maria, segundo o evangelista Lucas (Lc 1,28). Sobre Maria, o texto diz que ficou perturbada, pensando no significado daquela saudação. Nós queremos com ela refletir sobre o que podemos entender quando pronunciamos estas palavras.

Alegra-te
            Quando se trata dos preparativos e da vinda de Jesus, os mensageiros sempre falam de alegria. Assim disseram a Zacarias “ficarás alegre e feliz“ (Lc 1,14), e aos pastores “eu vos anuncio uma grande alegria” (Lc 2,10). É importante notar que desde o princípio o Mensageiro deixa claro para Maria que se trata de uma “alegria”. Mais tarde, ela canta o seu hino que mostra a felicidade do seu sim a Deus (Lc 1,46-47). Nós somos convidados a nos alegrar com Maria, agora no Advento, e sempre quando fazemos esta prece. Sempre de novo, ao rezar e ao expressar nossa devoção à Mãe de Jesus, nós nos colocamos diante do Senhor que vem. Ele é o motivo da alegria de Maria, e o há de sê-lo igualmente para nós.

Cheia de graça
            O Anjo não saúda Maria com o seu nome, mas dirige-se a ela usando o termo “Agraciada”, ou cheia de graça. A ninguém é dado este título na Sagrada Escritura, a não ser somente a Maria, “a Serva do Senhor” (Lc 1,38). Só ela merece ser chamada assim. Eis a razão da alegria que somente ela experimenta. Mas de onde vem o “agraciada”, e que sentido tem? Deus te agraciou. Este é o sentido último.
            Também Isabel deixa transparecer este sentido ao dizer que Maria é “Bendita” (Lc 1,42). Deus a abençoou. Pelo Anjo e por Isabel podemos ver que Deus agraciou e abençoou Maria e, a graça e a bênção são a identidade dela. Maria agradece e atribui tudo ao Senhor, mas este agiu de maneira muito particular nela.
Serviço amoroso por e para Deus
            O Novo Testamento fala somente mais uma vez em outra passagem sobre “agraciados”. Na carta aos Efésios encontra-se: “... para o louvor de sua graça gloriosa, com que nos agraciou no seu bem-amado” (Ef 1,6). São João Crisóstomo explica que Deus não nos libertou somente de nossos pecados, porém também nos tornou capazes para o amor. Deus capacitou e ornou nossas vidas para o amor serviçal. Nós podemos conformar nossa vontade com a de Deus.
            O que a carta aos Efésios diz se aplica a todos os que em seu Filho Jesus Cristo Deus escolheu como filhos seus. Todos eles foram, por pura graça, assim eleitos. Podem viver na graça. Maria é, no entanto, simples e diretamente saudada pelo Mensageiro de Deus como “a Cheia de Graça”. Ela toma consciência de que antes de todos os demais, foi ela a assim enriquecida por Deus para a sua vocação que é única também. Ela é sempre a serva do Senhor e isto atrai sobre si o olhar amoroso de Deus. Maria atribui tudo a Deus, seu Salvador.
            Nosso louvor a Deus se presta ao reconhecer as maravilhas realizadas em Maria. A Igreja, em sua longa tradição teológica, nos ensina que Maria é a Imaculada Conceição; aquela que sempre está sem pecado e totalmente à disposição do amor de Deus, por ser a Serva.

O Senhor é convosco
            Essa afirmação não é única de Maria, mas é dita a outros que têm uma missão a desempenhar. Assim a Moisés (Ex 3,12), a Jeremias (Jr 1,8.19), e outros. Mas a saudação do Anjo a Maria é pessoal – diretamente a ela e em vista dela -, para estabelecer uma relação entre Deus e Maria em vista da alegria de seu coração.
            Ao rezar tantas vezes “cheia de graça”, queremos, nós, maravilhados e alegres estar conscientes de estar falando desta relação toda singular entre Deus e sua Serva. Que esta oração e reflexão nos façam um pouco mais servos, graciosos e alegres. Maria, cheia de graça, rogai por nós!
Pe. Mário Fernando Glaab

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Natal Cristão


O NATAL E OS POBRES

            Existem dois natais. Um é o natal que se comemora com festas, presentes, com enfeites e até com abusos de toda sorte; que é fruto do consumismo exagerado. Outro é o Natal cristão que se volta para o Menino que nos foi dado: o mistério da Encarnação do Verbo de Deus na pessoa de Jesus de Nazaré, e que é celebrado na fé, na esperança, e principalmente no amor.

Natal pagão
            O natal criado pelo consumismo é o natal pagão. Não tem nada, ou ao menos, muito pouco, de haver com o Natal cristão. Ele valoriza o prazer, o ter e o consumo exagerado. Por isso, não tem escrúpulos em descartar tudo o que impede de alcançar estas coisas. Quem não pode competir, é excluído. Os pobres e os sofredores são “apagados” das imagens desse natal, pois as luzes o fazem brilhar como se fosse de um outro mundo, um mundo de fantasia.
            Este mundo que celebra o seu natal é tão perverso que, para não estragar o seu esplendor, incentiva as pessoas a se desculparem – desencargo de consciência -, fazendo alguma obra de caridade em prol dos miseráveis. Se o pobre tiver uma cesta básica no natal ele não estraga o brilho da rica ceia dos abastados pagãos. Durante o resto do ano não lhes interessa saber se ele tem algo para matar a sua fome; o importante é que ele não perturbe a festa do natal do consumo e da festa. Eles precisam comemorar.
            A figura que mais caracteriza este natal pagão é o Papai Noel com seu saco enorme, sortido de ricos presentes, trazendo alegria para as crianças e para os adultos. Jesus, quando aparece, não é o pobre que nasceu em Belém, mas uma criança envolta em luzes, em um romantismo que nem de longe lembra o acontecimento do nascimento entre os animais por não haver lugar na hospedaria.

Natal Cristão
            O Natal que os cristãos comemoram é bem outra coisa. Ele traz para a nossa realidade e nosso tempo o mistério do Deus Encarnado na pessoa de Jesus de Nazaré. A história daquele casal que não é acolhido em Belém e que deita o recém-nascido em uma manjedoura é celebrada na fé, na esperança e, principalmente no amor-gratidão. Gratidão a Deus, porém traduzido no compromisso para com todos os não-acolhidos de hoje. Natal Cristão sem compromisso não existe. Ele até faz festa, dá presentes e enfeita a casa; mas não fica nisso. Ele transforma interior e externamente as pessoas. Isto porque o Natal de Jesus não fica no passado, mas é hoje. É hoje que no cristão Deus se volta para os desvalidos da história dando-lhes vida; e, esta vida passa pelos cristãos. Os cristãos são hoje os feitores do Natal.
            Para o cristão o Natal de Jesus é muito mais do que uma recordação do que aconteceu há dois mil anos lá em Belém. É a comemoração do mistério da Encarnação de Deus na história e na geografia da humanidade. Isto somente é possível para quem tem fé, pois ultrapassa longe a lógica dos sábios e dos poderosos deste mundo. O Natal aponta para a manifestação mundial da bondade de Deus. Quem sabe ler além das imagens do presépio pode contemplar o rosto de um Deus que se mostra bondoso com o mundo todo. Se naquele Menino está Deus (Ele é Deus), então o mundo é amado por Ele, pois Ele está aí, no mundo da maneira mais humilde possível. Ninguém é afastado dele. Mas, mais ainda, este que nasceu no Natal, aceitou ser rejeitado, condenado e crucificado! O cristão, já no Natal, entrevê a morte por amor deste que nos foi dado. Na entrega total de Jesus, Deus abrange tudo, e manifesta assim, a sua Verdade, a sua Beleza e a sua Majestade. O amor de Deus é verdadeiro (o Natal não é teatro), é belo (é coerente e sincero), e é serviço para todos.

Jesus e os pobres
            Não é possível celebrar o Natal sem levar em conta os pobres. Alguém diz, todos somos pobres! É verdade, mas existem os que são pobres de modo diferente, do jeito de Jesus.
            Se Deus em Jesus se fez pobre e viveu entre os pobres de todos os tipos, como podemos nós não falar dos pobres e dos excluídos ao falar do Natal? Mas, afinal, quem são os pobres? Alguém que muito refletiu sua fé em Jesus de Nazaré e conviveu sempre com os pobres assim explica: “Pobres são aqueles para os quais a vida é uma carga pesada, pois não podem viver com um mínimo de dignidade” (Pagola), justamente para os quais veio o Deus Encarnado. Resumindo, os pobres são os que morrem antes do fim da vida! Portanto, é impossível não levar em conta tantos irmãos que são pobres ao comemorar o Natal Cristão.
            Até pode ser possível falar de Cristo, de um Cristo desencarnado, glorioso que reina na nos altos céus, sem se referir aos pobres, mas tratar de seu nascimento, sua vida e morte na história de um povo sem levar em conta estes últimos, simplesmente é inaceitável. Falar de Cristo, o Senhor lá do céu, aquele que cuida sempre de mim e resolve todos os meus problemas, é fácil; mas falar com seriedade do Homem-Deus, Jesus de Nazaré é, no mínimo, comprometedor. Jesus certamente resolverá minhas situações mais complicadas, mas, à medida em que me faço seu seguidor, ele me faz sair de mim mesmo e ir ao encontro do outro, do necessitado. Isto me liberta; isto me renova e me realiza como ser humano. Não é a fuga do problema que resolve, mas o enfrentá-lo. É a cruz abraçada e carregada que leva à ressurreição. Jesus de Nazaré foi crucificado não por ter feito mal a alguém, mas pelo contrário, por ter feito o bem àqueles que os ricos, os poderosos e os religiosos da época julgavam culpados de sua triste sorte.
            Se quisermos colaborar para que o mundo seja um pouco mais humano deveremos forçosamente deixar que o Natal Cristão seja um encontro com Jesus, o Deus Pobre, e, a partir dele descobrir a presença salvadora do amor de Deus lá onde estão os últimos de todos. Sem Jesus, poderemos continuar falando de Cristo e festejando o natal pagão, mas nunca introduziremos no mundo o potencial humanizador de Jesus de Nazaré, que é o Deus Conosco, o Salvador do mundo.
            Sejamos cristãos de verdade: testemunhemos que o Natal é cada dia e em cada lugar, mas especialmente lá onde as pessoas são mais odiadas, excluídas, perseguidas e mortas. Lá está o Filho de Deus Encarnado, Crucificado e Ressuscitado; lá deve estar também o verdadeiro cristão.
Pe. Mário Fernando Glaab.