VIVER
A PÁSCOA
Se viver a quaresma é abrir-se à misericórdia divina,
viver a páscoa é experimentar a misericórdia divina. A propósito, a Campanha da
Fraternidade nos lembra que é no serviço que a vocação cristã se realiza.
Jesus, o Filho do Homem, veio para servir e não para ser servido; esse serviço
lhe custou a morte na cruz, mas o levou à ressurreição. Enquanto estava a
serviço dos irmãos, podemos dizer que estava continuamente se abrindo à
misericórdia do Pai: deixou que o Pai amasse misericordiosamente a nós por ele.
Ao ressuscitar ele compartilha com os seus a misericórdia de Deus e lhes
oferece a paz. Paz que é a sua, pois agora já é o Vencedor. A misericórdia do
Pai o envolveu infinita e plenamente.
O papa Francisco, na Exortação Apostólica A Alegria do
Evangelho, diz: “A nossa tristeza infinita só se cura com um amor infinito”
(265). Talvez seja difícil entender uma “tristeza infinita”, mas ela é própria
do ser humano pecador. Todos nós, como criaturas, somos limitados, e em
conseqüência das limitações, sujeitos a errar. Pecamos. Fechamo-nos ao amor de
Deus, nosso Criador. Em nossa finitude somos vencidos pela tristeza. Quem
poderá nos libertar? Quem poderá nos salvar? Somente um amor infinito. Além de
tudo que se pode pensar, almejar ou realizar. E este amor infinito nos é
apresentado pela vida, paixão e morte de Jesus Cristo. E, na quaresma somos
convidados a percorrer este caminho com ele, abrindo-nos à misericórdia de
Deus. No entanto, somente pela fé na Ressurreição daquele que foi crucificado,
Jesus de Nazaré, é que podemos fazer a experiência desse amor infinito que é
derramado sobre nós.
A
pedagogia de Jesus vale para a Igreja
Jesus, várias vezes durante sua vida mortal, convidou os
discípulos a se abrirem ao amor de Deus sem reservas. Mas a dificuldade para
crer com todo coração os deixou muito aquém dessa experiência. Ele, lavando os
pés de seus amigos, deu-lhes o exemplo, mas eles ainda não podiam entender.
Foi, porém, quando o Ressuscitado aparece no meio deles – confusos e medrosos
-, ao invés de lhes censurar a covardia por terem-no abandonado na hora da
perseguição, os saúda com o “A paz esteja convosco” (Jo 20,19), que os faz
“experimentar” o amor infinito, que somente pode ser o amor de Deus. De agora
em diante, também o ser humano pode participar responsavelmente do amor que
cura a tristeza infinita do mundo pecador. É Páscoa de Jesus; é Páscoa dos
cristãos.
Como a Igreja a partir da Campanha da Fraternidade, vai
experimentar o amor infinito de Deus? Somente quando se deixar renovar, quando
assumir corajosamente que, como seu Mestre, ela precisa servir, pois não está
neste mundo para ser servida. É justamente isso que o Papa Francisco nos diz
quando insiste na “Igreja em saída”. Necessita-se urgentemente de conversão da
mentalidade do “tirar proveito” de tudo. Também nos membros da Igreja existe
esta tentação: acham que a sociedade deve servir à Igreja, quando é justamente
o contrário. Infelizmente ainda há pessoas que sonham em se aproveitar de
privilégios que adquirem ao “subir os degraus do altar”.
Se no mundo, cada vez mais atacado pelo mal, pela
corrupção, pela violência, pela pobreza, existem milhares de caídos, a Igreja
deve se sentir cada vez mais desafiada para amar e servir a este mundo
concreto. O seu serviço não pode ser em vista do proselitismo, mas gratuito.
Aliás, como nos lembrava o Papa Bento XVI, “a Igreja não faz proselitismo. Ela
cresce muito mais por ‘atração’: como
Cristo ‘atrai todos a si’ com a força do seu amor (...), ela cumpre a sua obra
conformando-se em espírito e concretamente com a caridade do seu Senhor”
(Homilia de abertura da Conferência de Aparecida).
“Experimentar”
também hoje
Sendo assim, quem sabe a Igreja, a partir da experiência
pascal, ajudada pelos apelos da Campanha da Fraternidade em servir à sociedade
como seu Senhor serviu os discípulos, descubra novamente a ver as multidões que
se debatem com as injustiças e com as desgraças do mundo globalizado “como
ovelhas sem pastor”: pessoas sem guias para descobrir o caminho, sem profetas
para ouvir a voz de Deus. Quem sabe, a Igreja tenha coragem para revisar diante
do Senhor Ressuscitado a maneira de olhar para essas multidões que estão
abandonando silenciosamente a Igreja, talvez porque não podem ouvir nela a
verdadeira Boa Nova ou porque os discursos cheios de filosofia, de economia e
outros tantos, já não lhe dizem mais nada. Quem sabe, a Igreja deixe de
decepcionar pessoas simples que já não veem mais nela a compaixão de Jesus.
Crentes que não sabem a quem recorrer nem que caminhos seguir para encontrar-se
com um Deus mais humano do que aquele que percebem nos hierarcas. Quem sabe, na
experiência pascal o rosto desta Igreja mudará, conforme o desejo de Cristo e
do Papa Francisco. Ela aprenda a agir com mais compaixão; esquecer-se de seus
próprios discursos e pôr-se a ouvir o sofrimento das pessoas. A Páscoa de Jesus
– sua Paz - tem força para transformar nossos corações e renovar nossas
comunidades. Voltemos à experiência pascal.
Pe. Mário F.
Glaab
WWW.marioglaab.blogspot.com