quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Quaresma e Páscoa hoje.

 

O GRITO DOS CONDENADOS

 

            São tantos os gritos dos condenados que muitas vezes não os ouvimos mais. Eles acompanham a história da humanidade desde o início, e também hoje não deixam de ecoar por todos os lados. Há, no entanto, um grito que é sempre atual: o grito daquele que por fazer somente o bem a todos foi culpado pela maldade de toda a humanidade: o grito de Jesus de Nazaré.

 

Pai, afaste..., mas...

            Os cristãos sabem muito bem quando e porque Jesus deu este grito. Porém nem sempre veem nele a profundidade da tragédia. Lá estava todo sofrimento humano concentrado; lá estava igualmente toda confiança no amor a Deus, e a esperança de que o bem venceria sobre o mal.

            Jesus, como qualquer ser humano, grita diante da dor da condenação. Ele vê toda sua ação misericordiosa, todo seu anúncio do Reino de Deus sendo frustrado. Ele, inocente, condenado à morte ignominiosa, a mais terrível e vergonhosa: abandonado por todos, inclusive por Deus. Pai, afaste isso de mim, mas que não seja feita a minha vontade. É muito difícil captar a profundidade dessa oração do Homem de Nazaré. Ela vai além de qualquer explicação lógica, ou de qualquer compreensão humana.

            A resposta a esta oração vem somente no domingo da Ressurreição que, no entanto, só pode ser aceita na fé. Ele vive e é o Senhor. Ele bebeu o cálice dos condenados até as últimas consequências, sofreu com todos os condenados, e agora é o Vencedor.

 

Ele me entende

            Mesmo que se quer abafar o grito de tantos condenados, seus gritos continuam a perturbar nossos ouvidos. São os gritos dos famintos, dos doentes, dos viciados, das crianças abandonadas, dos idosos desamparados, dos injustiçados; enfim, de todos os pobres e sofredores. Existe também hoje todo um movimento condenatório: jogar a culpa sobre as vítimas. Elas são culpadas; pois são todos vagabundos, comunistas, ladrões, pior ainda, são diferentes! Os juízes são os bons (!).

            Não é possível entender o que se passa quando se usa somente a lógica humana. As vítimas sabem muito bem que os seus algozes nunca os entenderão. Eles têm as suas justificativas. Os que assistem suas tragédias, na maioria, ficam alheios. Mas, alguém os entende. Olhando para o Crucificado, todos os condenados de todos os tempos e lugares, vítimas de qualquer sentença, podem dizer, sem medo de errar: “Ele me entende!”.  Que seja assim, para que a esperança não morra no coração de ninguém, mesmo que seja o pior condenado.

            Porém, fica igualmente um forte apelo para que nós, como espectadores e membros da comunidade humana, tenhamos o olhar compreensivo. Não cedamos às campanhas de ódio disseminadas em nossa sociedade, mas saibamos ouvir o grito dos condenados, vendo neles o grito do Homem de Nazaré hoje e aqui. Não esqueçamos nunca que para o cristão, Jesus é o Senhor, e mais ninguém. Seu ensinamento é “amai-vos”, não “armai-vos”. Em consequência disso, a cruz (sofrimento, condenação) e a tragédia humana estão entrelaçados para sempre. Sejamos coerentes.

Pe. Mário Fernando Glaab.