ESPERANÇA
EM TEMPOS DE INDIFERENÇA
Estamos em tempos de indiferença. Fala-se até da
“globalização da indiferença”. Cada um tem seus interesses particulares e se
fecha egoisticamente em seu pequeno mundo. Isto afeta a fé, a religião, a ética
a política, enfim, toda a vida. Ainda é possível falar da esperança cristã
nesta situação?
Esperança,
fé e amor
Não se pode viver a esperança cristã, uma das virtudes teologais,
sem fé. Ou ainda vale dizer: ela não é demonstrável, não se pode provar, como
um mais um é dois. Ela vai além das experiências puramente empíricas. Também as
pessoas com esperança são atingidas pela onda da indiferença, do “salve-se quem
puder”. Ninguém vive fora do mundo. Mas, como então viver a esperança?
Isto somente será possível à medida em que se fundamente
a vida na fé. Fé em Deus que antecipa, em sua promessa amorosa, aquilo que de
fato ainda não se possui. Assim a esperança vai além do que se pode provar.
Isto lhe é dado pela fé. Mas, como esta esperança vivida na fé pode ser compartilhada
num mundo tão fortemente golpeado pelo egoísmo, pelo indiferentismo? O único
caminho é juntar à esperança e à fé a terceira virtude teologal, o amor. No
amor a Deus e no amor concreto ao próximo, como a toda a criação, a esperança se
torna certeza e, é possível ser compartilhada com os demais, com toda a criação.
No amor tudo é antecipado: Aquilo que se espera já se faz presente; mesmo que
de forma imperfeita. Não há dúvida de que o amor ultrapassa as barreiras do
egoísmo, mesmo que as pessoas ainda sofrem as consequências das inúmeras formas
em que ele se apresenta.
Por outro lado existe, no entanto, a necessidade da boa
vontade nas pessoas que hão de interpretar os sinais de esperança no mundo da
indiferença. Sem a boa vontade, nada se consegue. Poder-se-ia até dizer que
somente lá onde há um mínimo de boa vontade a fé, o amor, e a esperança são
revelados, são experienciados. O mundo não consegue ver esta realidade, mas ela
é revelada aos pequenos e simples; aos puros de coração.
A partir de Jesus, que amou até o fim, sabe-se que o amor
abraça a cruz; e que a cruz leva ao julgamento. Diante dela, da cruz, todos
deverão se decidir: a favor ou contra, aceitá-la ou rejeitá-la. À medida em que
se foge da cruz cai-se no egoísmo; à medida em que se assume a cruz (de Jesus)
liberta-se para o amor, e consequentemente à esperança verdadeiramente cristã.
Espera-se o que ainda não se possui, não das próprias forças, mas do Deus que
ressuscitou Jesus de entre os mortos.
Religião,
ética e política
Mesmo que a tentação de se fechar diante dos desafios do
mundo pós-moderno seja grande para qualquer religião, o cristianismo não pode
deixar de assumir sua função profética de denúncia e de anúncio. Hoje, mais do
que nunca, o Evangelho deve ser Boa Notícia para este mundo do indiferentismo.
Anunciar o Evangelho é missão da Igreja de Cristo.
O Evangelho ilumina igualmente a ética dos povos, assim
como sua política. Ética e política, valores hoje tão deformados em nossa
sociedade, precisam ser permeadas da luz evangélica. Caso contrário, a
globalização e a mercantilização da sociedade devorarão a dignidade e a vida de
todos. Ética se baseia nas leis justas e na ordem para qualquer civilização;
política busca o bem comum de todos. Sem o tempero da fé, da esperança e do amor,
que a religião fornece para a sociedade, tanto a ética como a política se
perderão nos labirintos do egoísmo. Assim como estas virtudes ultrapassam os
limites próprios deste mundo, levam para o além sem deixar de estar neste
mundo; também a missão da Igreja recobre as duas dimensões, a religiosa e a
temporal. Sua missão é sempre evangelizadora: é evangelicamente que a Igreja
faz política. Não faz política politicamente. É por razões evangélicas e éticas
que a Igreja intervém quando a sociedade pisoteia os pobres, os pequenos, os
miseráveis. Por isso ela condena qualquer corrupção, abuso do poder, injustiça
ou mentira.
Novo
começo
Olhar para o mundo sem fé, sem esperança e sem amor é
assustador. Confiar nos poderosos, nos sábios e nos ricos leva certamente ao
abismo, ao fim de tudo. Porém, existem sinais de outra realidade: existem
tantas pessoas que na simplicidade, na pobreza, na insignificância, e até no
medo, ainda confiam e lutam por um mundo melhor, mais justo, mais fraterno e
solidário. Pessoas que deixam o Evangelho regar a secura de suas vidas. Existem
pessoas que não fazem alarido mas que vão ao encontro dos caídos à beira do
caminho; existem os que não perguntam sobre o que levou a cair, não perguntam
sobre o passado do caído; somente estendem a mão para ajudar a levantar.
Existem aqueles que confiam em Deus e por isso agem.
O Papa Francisco – grande sinal de Deus para o mundo –
convida a humanidade toda para um novo começo mediante uma radical conversão
ecológica, isto é, mudar a maneira de ver as coisas, todas as coisas. Não mais
com olhar interesseiro, não mais fundado na vontade de
poder-dominação-conquista, própria do mundo egoísta e corrompido, mas no
cuidado responsável por tudo o que existe e que vive.
Que nunca nos faltem a fé, a esperança e o amor; e que
possamos colaborar para que a humanidade recomece uma nova história. História
onde tem lugar para todos. Que as religiões, a ética e a política sejam para o
bem de todos os povos, hoje e sempre.
Pe. Mário Fernando Glaab.