DIANTE
DA CRUZ DE CRISTO – PIEDOSOS E ÍMPIOS
A Igreja cristã não se cansa, e nem deve se cansar, de
anunciar que Cristo Jesus Ressuscitou. Este é o anúncio que os apóstolos, desde
o início, deram e testemunharam com tanta convicção que imediatamente muitos
quiseram ser do grupo deles. Por meio desta pregação o Espírito tocava os
corações das pessoas de boa vontade, fazendo com que buscassem conhecer quem
era Jesus, e como viviam seus discípulos.
Porém, logo surgiram dificuldades. Alguns acentuavam
demais só este aspecto que levava a desvios com consequências negativas. Encantavam-se
tanto com a ressurreição que esqueciam o que antecedeu a ela: a vida, a paixão
e a morte na cruz. Coube então aos pregadores cristãos insistir que era o
Crucificado que agora estava vivo. Aliás, os evangelhos insistem neste aspecto:
“Sou eu mesmo” (cf. Lc 24,39). A crucificação era vergonhosa e não encantava.
Porém esperar o retorno do Ressuscitado que haveria de levar consigo os que o
aguardavam, atraia bem mais. Mas assumir a caminhada de Jesus até a cruz, para
então chegar à ressurreição, era outra história.
Durante os séculos afora, a Igreja sempre se preocupou em
anunciar Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado e ressuscitado. Contudo, isso
nem sempre foi tão claro assim. A tentação de ficar somente com o Cristo
ressuscitado acompanhou a história até os nossos dias. Também hoje existe esta
dificuldade e às vezes até se caracteriza como heresia.
Cristãos
sem cruz
Ninguém gosta de sofrer. Jesus também não gostou. No
entanto, não é possível fugir da dura realidade que todo ser humano enfrenta.
Mais cedo ou mais tarde, a dor e o sofrimento aparecem na vida de cada um. É
bem tentador pedir Àquele que venceu a dor e a morte que afaste de nós toda
experiência de sofrimento. Mas, sabe-se que isso não acontece assim. Muitas
vezes é preciso aceitar a cruz, e mesmo assim, tocar adiante e confiar.
Hoje a imagem da cruz se tornou mais um objeto
ornamental: enfeita nossas casas, igrejas, cemitérios, e até nossos peitos. A
cruz ocupa destaque entre os símbolos religiosos cristãos. Todavia, isto não
quer dizer que ela é assumida conscientemente e testemunhada com os
compromissos que ela simboliza. Parece que cada vez mais, apesar dos muitos
sinais da cruz, existe um cristianismo de cristãos sem cruz.
Mas, é possível uma Igreja do Ressuscitado sem o
Crucificado? A vida, e o próprio Jesus, ensinam que não. Não dá para se
desvencilhar da cruz e ser discípulo somente do Cristo ressuscitado.
Igreja
e Cristo crucificado
A partir do Cristo crucificado é que se torna claro o que
é uma igreja cristã e o que ela não é. Sabendo do que levou Jesus à cruz,
sabe-se por qual caminho a Igreja necessita ir para ser verdadeira. Assim como
para Jesus não teve outra via, também para a Igreja não há outro caminho. O
Cristo foi fiel ao projeto do Pai até o fim. Confiou mesmo quando se sentiu
abandonado por todos. Assim igualmente a Igreja precisa confiar e, esperar que
o Pai a receba junto com o Filho, vencedor da morte.
Contemplando Jesus na cruz, vemos que Ele – a Palavra
feito carne – se cala por amor aos homens para que os homens possam falar (se
decidir). Vemos aí também a missão da Igreja, que diante do mundo, muitas vezes
precisa se calar. Jesus, com sua cruz nos abriu à esperança da salvação; por
isso, nós é que devemos nos decidir a favor ou contra. Ele se calou, está
morto; e os mortos não falam. Nós, sentindo-nos confrontados com Ele,
precisamos dar a nossa palavra e falar. Também a Igreja deve se calar – morrer
– muitas vezes, para que os pecadores, os ímpios, possam falar.
Aí se percebe como o desvio para uma igreja só do
Ressuscitado (que esquece o Crucificado) é alienante. Quem é desse grupo,
julga-se piedoso, e até se eleva a uma realidade superior dos demais. Contudo,
quem se julga salvo, não carrega sua cruz, nem confia na salvação que há de vir
de Deus.
Diz um grande teólogo de nossos dias: “O conhecimento da
cruz gera um conflito de interesses entre o Deus que se fez homem e o homem que
quer ser deus” (Moltmann). Supera-se este conflito quando o homem deixa de
querer ser deus e aceita na cruz de Jesus a condição do verdadeiro homem. Este
homem que fala no silêncio de seu amor; não com o orgulho de suas conquistas. E
continua o mesmo teólogo: “É difícil falar de Deus (de sua cruz) entre os
piedosos, mas entre os ímpios nos sentimos livres para falar sobre ele”.
Na cruz de Cristo Deus se faz um com todo ser humano, mesmo
com o maior ímpio. Seu amor engloba a todos. Contudo, somente aquele que se
reconhece pecador, pode compreender um pouco do que é a cruz de Jesus. Passando
por ela, ele pode esperar compartilhar com Ele a Ressurreição.
Pe. Mário Fernando Glaab