sexta-feira, 26 de agosto de 2022

O lugar do cristão na história humana

 

O Reino de Deus na História Humana

 

            Parece que em nossos dias, cada vez mais, desaparece a necessidade de Deus. Deus ficou distante da vida e da história das pessoas. Elas estão muito preocupadas com tantas coisas, e não sobra mais espaço para Deus. Quando muito, Deus é visto pelas costas, isto é, como se já tivesse passado; ser algo do passado. Claro que, em momentos de grandes dificuldades, apela-se para este Deus do passado, o Deus das tradições e, pensa-se que talvez agora ele possa intervir, uma vez que há necessidade premente de se resolver determinado problema. É o grito de socorro na hora do apuro. Lembranças daquilo que os pais ou avós diziam, e que volta somente no momento de provação.

            Diante disso, como deve ser a atitude do cristão que quer ser autêntico? Ver Deus pelas costas, tem algum sentido? Penso que sim. Porém, podemos distinguir duas maneiras de ver Deus pelas costas. Uma é justamente esta que muitas pessoas praticam, colocando-o no passado, como uma peça que está no museu, mas que, conforme o momento, pode servir para solucionar casos complicados. Todavia, as preocupações diárias deixam Deus para outra hora. Não têm tempo a perder com ele. Mas a outra maneira de ver Deus pelas costas é frontalmente oposta. É a dos que o veem na frente. Ele vai à frente da humanidade que está caminhando entre desafios, fracassos e sucessos. Ele avança, e convida os seres humanos a segui-lo. Estes últimos nunca deixam de vê-lo, mesmo que, às vezes, gostariam de ver sua face, e não somente as costas. Porém, as costas dele dão impulso para que não se acomodem diante das muitas distrações que o mundo continuamente apresenta. Não dispensam as atividades do cotidiano, mas fazem-nas com um sentido diferente. Cada uma delas os ajuda a avançar em direção daquele que está adiante.

Jesus fala para este mundo

            Será que Jesus de Nazaré também ainda tem algo para dizer a este nosso mundo? Jesus, em sua época, enfrentou uma situação que parecia estar tranquila: havia a Lei que dava a segurança religiosa para quem queria ser fiel. Ao menos os líderes religiosos de seu tempo ensinavam isso. Jesus veio com nova proposta, vista por muitos com desconfiança; e até provocou reação, perseguição e condenação. Que fez Jesus? Ele falou sobre Deus Pai Misericordioso para com todos quando muitos achavam que não precisavam de um Deus assim. Já sabiam o que era preciso observar: a Lei. Jesus colocou Deus na frente e não no passado. Foi anunciando e vivendo este Deus “na frente” até as últimas consequências. Ele o seguiu com sua maneira de agir, e convidou a quem o ouvia, a fazer o mesmo. Dessa forma, ele trouxe, mesmo que não percebido pelos distraídos, uma realidade nova do alto, a presença do Reino de Deus na história concreta de um mundo tão dividido e tão cheio de pecados.

            Assim também hoje, Jesus, por meio dos cristãos, continua a falar de Deus Pai Misericordioso para um mundo que acha não necessitar dele. Cada cristão e cada cristã têm a incumbência de dizer às pessoas entretidas com as suas preocupações que nesta história humana concreta de hoje, Deus está à frente. Ele, em Jesus de Nazaré, o Cristo, tem um projeto de vida, e de vida em abundância para todos. Isto pode (e deve) provocar reações dos que estão apegados aos seus confortos, aos seus comodismos, assim como Jesus sofreu reações. Alguns serão perseguidos e até condenados. Contudo, é assim que se mostra a presença do Reino de Deus também em nossa história humana de hoje. Jesus presente por meio dos que o seguem verdadeiramente, não somente com palavras, mas com sua maneira prática de viver.

Testemunho cristão

            Jesus de Nazaré não provou com documentos sua filiação divina e nem a presença do Reino de Deus nele. Ele o mostrou, para quem tinha olhos para ver, com a sua praxe, com o seu jeito de ser e de agir. Ele estava no meio de seu povo, principalmente entre os que eram excluídos por aqueles que achavam não precisar do Reino. Viveu na história de seu povo sofrido, despertando esperança ao apontar para a bondade de Deus. Assim ele “provou” em sua vida que o Reino de Deus estava aí, próximo dos que mais precisavam dele.

            Em nossos dias não pode ser diferente. Existem tantos que, à margem da sociedade e da história, anseiam por esperança, anseiam por vida. Para estes, como para todo o mundo, o cristão deve “provar” a proximidade do Reino de Deus, reino de justiça, de perdão, de vida e de paz. O cristão de hoje igualmente não carrega documentos probatórios deste Reino, mas não deixa de mostrar continuamente Deus na frente, como Jesus o fez. Ele sabe muito bem que não pode fugir da realidade: está envolto por limitações, pecados e desafios, porém, não se dá por vencido. Tem consciência de que esta história concreta tem uma finalidade: seguir, como Jesus – passando pela morte para chegar à Ressurreição -, buscando e experimentando o Reino de Deus cada dia. O cristão está na história, sim; mas olha sempre para frente onde Deus o precede.

Jesus, o Reino e o Cristão

            Jesus se identifica como Filho do Pai diante do Reino. Quer dizer, nós o podemos identificar por estar anunciando e vivendo o Reino de Deus. A sua palavra e sua ação revelam quem ele é. A saída de si em vista do Reino, o identifica Jesus como pessoa, o Cristo. Igualmente o cristão é identificado por sair de si em vista do Reino. Não é possível ser cristão sem estar em saída. Ser cristão fechado em si mesmo, isolado dos irmãos de todas as situações do mundo, não existe. É falso. Imaginar um cristão encapsulado na sua piedade sem compromisso com a história de seu povo, é grave engano, é ilusão.

            Que cada cristão tenha coragem de seguir a Cristo Jesus e, no seu seguimento, atualizar suas palavras e seus gestos de misericórdia e piedade, testemunhando um Deus que está à frente, sempre de novo para um mundo que pensa não precisar dele. Alimentar a esperança no Novo Céu e na Nova Terra que descem do alto.

Pe. Mário Fernando Glaab