OBRIGAÇÃO
E PROIBIÇÃO
Uma
pregação desatualizada
Não há como esconder: nos dias de hoje o cristianismo, e
mais concretamente nossa Igreja, está enfrentando uma enorme crise. As nossas
celebrações são cada vez menos frequentadas. Nossos discurso e ensinamentos não
estão encontrando a resposta que no passado encontravam. O interesse, especialmente
dos mais jovens, se tornou outro. Com exceção de algumas pregações de cunho
mais carismático, a grande maioria não atinge mais o povo em geral. Cada igreja
se deve contentar com aquelas poucas pessoas que ainda se fazem presentes.
Não tenho condições para analisar as causas deste fato.
No entanto, pretendo fazer apenas uma pequena reflexão a partir de minha
própria experiência e de algumas leituras que faço sobre o assunto.
Novos
tempos, novas mentalidades
Se a sociedade, até alguns anos passados, aceitava uma
apresentação da religião como uma obrigação, e consequentemente com o poder de
proibir; hoje isto não funciona mais. Os pais e educadores diziam “você deve”,
ou “você não pode fazer isto, é proibido”. Os mais jovens aceitavam sem
questionar ou se opor. Porém, atualmente isso não é mais aceito.
Hoje, cada vez mais as gerações jovens se opõem às
obrigações e às proibições. Há uma mentalidade muito difundida de que a
liberdade consiste em não aceitar o que os mais velhos dizem. Ser livre – dizem
– é decidir tudo por si, “experimentar” tudo; mesmo que existam instruções
contrárias, alertando do perigo que se esconde por trás destas experiências
desconhecidas. Diante do “você deve” dizem “não quero”, e diante do “proibido”,
“sou livre, vou fazer”.
As religiões, no nosso caso, a fé cristã, não escapam
desta nova maneira de ver as coisas. Já não se acata a mais insistência com as
pessoas com o “você deve” ou com o “você não deve”. A fundamentação há de ser
outra, partindo de outros princípios. Uma simples argumentação lógica não tem
mais a força que tinha no passado. No contexto em que a sociedade se encontra,
cada vez mais favorecendo o individualismo, os jovens precisam experimentar,
pois explicações têm pouca força. No entanto, as experiências mal escolhidas,
não poucas vezes, os levam para os desvios e para os vícios que, depois são
muito difíceis de se corrigir.
Jesus,
o Homem livre
É muito interessante notar como a pregação do Evangelho
sempre apresenta a liberdade como o grande valor a ser descoberto em Jesus de
Nazaré. Porém, com o passar do tempo, este valor ficou na sombra. A pregação se
concentrava em ensinar o que se pode e o não se pode, chegando a se tornar
moralismo doentio. Jesus, na verdade, é o homem mais livre que conhecemos. Ele
sempre optou livremente em fazer a vontade do Pai ao ponto de afirmar que “o
meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou” (Jo 4,34) e nunca se
desviou deste propósito. Mesmo que isto lhe custasse a entrega total de sua
vida. Ele morreu na cruz como consequência de seu amor sem limites livremente
assumido, diante do Pai e diante da humanidade.
Nunca ninguém conseguiu desviá-lo de sua missão assumida
na encarnação. Veio para anunciar a todos a boa notícia de que Deus quer a
liberdade total de todo o ser humano. Foram muitas as tentações que ele
enfrentou, tanto dos inimigos quanto dos próprios amigos. Todavia, nada
afastava Jesus de seu projeto, nada era capaz de suscitar-lhe a ira e passar
para o ataque, a não ser a exclusão ou a desvalorização de qualquer homem ou
mulher. Certamente o momento mais duro foi quando na cruz o insultam
desafiando-o para que descesse da cruz. Ele não se deixa vencer, mas entrega o seu
espírito (cf. Lc 32,46).
O
outro lado
É mais do que
necessário, em nossos tempos, redescobrir em toda a sua pureza, o valor
inestimável da verdadeira liberdade. Aquilo que a maioria dos jovens procura,
mas não encontra, provavelmente seja isto. Eles não conseguem vê-la nestas
maneiras como ela ainda é apresentada. São levados por um imediatismo
alienante. Infelizmente a mídia tem grande culpa nisso. Bombardeia o tempo todo
sobre as gerações mais jovens, oferecendo prazeres momentâneos, colocando
ideias falsas, provocando revoltas...
É preciso redescobrir a beleza do amor verdadeiro; e,
junto com ela, a liberdade que lhe é própria. Jesus precisa ser redescoberto.
Mais do que isto: necessita ser seguido, “experimentado” na prática da doação.
Isto pode enlevar as pessoas também hoje, quando na sinceridade são amadas e
compreendidas. Quando são levadas a tocar de perto o ensinamento e a prática de
Jesus de Nazaré; este Jesus, que na Eucaristia se faz o alimento para todos
aqueles que, neste mundo transtornado pela incredulidade, o desejam seguir. Com
pesar constata-se que há inversão das coisas quando se prega que se deve, por
obrigação, participar da Eucaristia, uma vez que não há algo mais absurdo do
que falar em obrigação de participar no dom supremo de Cristo no rito
sacramental. Esta inversão é perversão, pois assim o dom da alegria da
liberdade se converte em carga, que os jovens não aceitam mais. O que acontece
é que se perde a experiência original, gratificante e motriz, para ficar
somente com o peso das obras e com a obrigação da lei.
Nada é obrigação para quem ama; tudo é proibido para quem
odeia.
E quero concluir com uma citação de um teólogo que admiro
muito: “De nós, cristãos, se exige demonstrar que o Reino dos céus se realiza
quando – e somente quando -, já na terra, também os crentes se esforçam para
conseguir que a justiça, a liberdade e a fraternidade reinem entre os homens:
entre todos os homens e, portanto, antes de mais nada, entre os marginalizados,
os oprimidos e os que sofrem” (Queiruga, Creio
em Deus Pai, p. 200), como fez Jesus de Nazaré.
Pe. Mário Fernando
Glaab.