sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Jesus, os pobres, e nós...

FELIZES OS POBRES!
Pe. Mário Fernando Glaab
            “Felizes vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus!” – é assim que Jesus, segundo Lucas (Lc 6,20), se dirige para os presos, cegos, oprimidos, famintos, desolados, aborrecidos, difamados, perseguidos, marginalizados, coxos, leprosos, surdos e até mortos; àqueles que para a ideologia hegemônica - a dos dominantes - são a escória, os dejetos e a imundície da sociedade. Estes são os que recebem a boa notícia e que são convidados a ser seus discípulos. Jesus quer com eles instaurar o Reino de Deus. E, por outro lado, conforme o mesmo evangelista, Jesus é duro contra os ricos e a riqueza, “mas, ai de vós, ricos, porque já tendes vossa consolação!” (Lc 6,24).
            Sempre houve entre os cristãos uma tentação espiritualizadora em relação a Jesus e à sua mensagem, levando tudo para um relacionamento individual com Deus – distante das questões concretas que produzem os pobres. Hoje, a mesma tentação é mais forte ainda. Para uma sociedade que coloca sua confiança na riqueza, no sucesso, na fama, os pobres não são felizes. Nem sequer servem para tornar felizes os ricos. Quando muito, são usados para produzir riquezas, riquezas que caiem sempre no tesouro dos mesmos ricos. Uma vez que não se prestam mais para render lucros, os pobres são descartados e excluídos. Eles incomodam muitos, comovem outros, mas a maioria se faz indiferente diante da dor, do clamor e da morte deles. Permanecem indiferentes quando os pobres não os incomodam. Quando estão no seu devido lugar: excluídos do convívio social e até do religioso. Os indiferentes não gostam nem dos que falam dos pobres! Mesmo entre “bons fiéis” de nossas comunidades existem aqueles que não querem nem ouvir falar da Igreja comprometida que faz “opção preferencial pelos pobres”. Acham que esta Igreja já é coisa do passado e que foi sob a influência de partidos políticos de esquerda que ela fez seu discurso em favor dos que só perturbam a ordem estabelecida. Descalabros de governantes que se dizem de esquerda são usados para justificar seus argumentos. Nesse triste contexto pululam, tanto na Igreja Católica quanto nas diversas denominações evangélicas, movimentos e tendências pentecostais que exaltam a teologia da prosperidade. Pseudoteologia que inverte as palavras de Jesus: “felizes vós, os ricos, porque vosso é reino dos homens!”. Os pobres, bem ao contrário do que Jesus de Nazaré disse e fez, são vistos para ela como desgraça, são os possuídos dos espíritos maus. Necessitam ser exorcizados. E optar pelos ricos – ser rico – é ser abençoado! Que evangelho é esse, e que reino é esse?
            Jesus, ao acentuar “vós, os pobres”, dá conotação bem concreta à situação. Elimina por completo ideais abstratos, mas se dirige àquelas pessoas que estão aí, diante dele, com suas carências e com seus anseios de justiça e de vida. “Vosso é o Reino de Deus”, pois não tendes riquezas para nelas confiar. Por trás dessas palavras e das ameaças que Jesus faz aos ricos dá para entender que a riqueza é, quase sempre, uma armadilha mortal para a pessoa humana, uma vez que, frequentemente a envolve num processo de desumanização. A riqueza promete estabilidade, reforça a autossuficiência e se torna causa de muitas injustiças. Os ricos, até onde podem, desfrutam dos pobres, mas não os amam.
            Para Jesus, segundo Lucas, os pobres são seus discípulos, pois são eles que escutam a Boa Notícia: “vosso é o Reino de Deus”. É com eles que o Mestre se identifica, com eles irá contar. São Pedro e São João, Apóstolos de Jesus, quando interpelados pelo coxo de nascença, declaram sua absoluta pobreza ao afirmar que não possuíam nem ouro nem prata, mas somente a Palavra do Senhor que revigora e reanima os cansados (cf. At 3,6). É a pobreza, a fome, a aflição, o ódio e o exílio que caracterizam a situação concreta e existencial dos discípulos de Jesus de Nazaré, e são estes os que Ele declara felizes. Jesus mostra-se muito duro com os ricos e a riqueza (Lc 6,24). Mas esta ameaça é para que os ricos tomem consciência do perigo das riquezas, para que se libertem da idolatria do ter e do poder – causa de tantas injustiças -, e comunguem com a vida e o ser dos pobres. Alguém dizia: “O mundo vai virar um paraíso no dia em que os ricos desejarem passar fome” (Padre Alfredinho).
            Hoje, apesar da crescente consciência ecumênica, há, no entanto, verdadeiro espírito de competição entre igrejas e igrejas. Vergonhosamente até na mesma Igreja Católica existem concorrências entre movimentos, pastorais e comunidades. Não é difícil encontrar os que se julgam melhores que os outros, os que se preocupam em aumentar o seu grupo; outros ainda querem, por todos os meios, estancar a saída dos fiéis para outras denominações, e para isso fazem planos, procuram estratégias para convencer as pessoas a ficar. As promessas de curas, de soluções miraculosas, de prosperidade, de bênçãos e de realizações fazem parte do dia-a-dia. Onde estão os verdadeiros profetas que como Jesus tem coragem de dizer para os desvalidos e injustiçados de nossas ruas e bairro, “felizes vós!”? Pena que cada vez mais líderes religiosos se preocupam com o respeito às regras da comunidade, com os ritos e com quem pode ou não pode participar da reunião ou receber os sacramentos; deixando no esquecimento total os empobrecidos e excluídos. Isso faz lembrar os falsos pastores que já no tempo do profeta Ezequiel “apascentavam a si mesmos e devoravam as ovelhas” (Ez 34,8-10).
            Se Jesus de Nazaré, segundo Lucas, se encontra com os pobres e com eles se compromete, está bem consciente de que sua notícia é boa para eles, mas é péssima para os ricos, para os opressores e violentadores dos pobres. Ele não se conforma com o que causa pobreza, com o que faz sofrer, com o que exclui e com o que mata. Ele não vai contra os ricos, mas contra o sistema ao qual os ricos prestam culto e com o qual se comprometem, o sistema da injustiça. Jesus tinha os pés no chão, mas o coração nos céus; por isso diz “vós, os pobres” e “vosso é o Reino de Deus”.
            A partir de Jesus e de seu movimento, todos os discípulos e todas as igrejas cristãs são desafiados a envolver-se, apaixonar-se, compadecer-se pelo povo sofrido e revelar um grande esforço de transformação. Todos, iluminados pelas palavras e gestos de Jesus, devem colaborar para desmistificar o senso comum que idolatra a riqueza e o poder – também o poder religioso. Os líderes religiosos e todas as pessoas de boa vontade hão de se esforçar para que não haja mais separação entre puro e impuro, entre santo e pecador, entre sagrado e profano, pois “ninguém deve chamar de impuro aquilo que Deus criou” (At 10,15). Ninguém é melhor que ninguém! Pois quem se julga bom é orgulhoso, e o orgulho é causa de todos os males.
            Que cada um de nós, inspirado pela relação de Jesus com os pobres, junto com ele e com os pobres, colabore na construção de uma Igreja e de uma sociedade onde todos podem experimentar a alegria da presença do Reino de Deus; e isso, concretamente aqui e agora.
(Baseado no artigo de Frei Gilvander Luís Moreira, Os pobres na obra de Lucas (Lc e At) E em nós?, publicado pelo IHU da Unisinos, 06/02/13).
www.marioglaab.blogspot.com.br

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