PACTO
DAS CATACUMBAS (5)
O quinto item do pacto das catacumbas diz: “Recusamos ser chamados, oralmente ou por
escrito, com nomes e títulos que signifiquem a grandeza e o poder (Eminência,
Excelência, Monsenhor...). Preferimos ser chamados com o nome evangélico de
Padre. Cf. Mt 20,25-28; 23,6-11; Jo 13,12-15.” Os textos bíblicos que os
bispos citaram para justificar a sua recusa e preferir o nome de “Padre” são os
seguintes: “Jesus, porém, chamou-os e disse: ‘Sabeis que os chefes das nações
as dominam e os grandes fazem sentir seu poder. Entre vós não deverá ser assim.
Quem quiser ser o maior entre vós seja aquele que vos serve, e quem quiser ser
o primeiro entre vós, seja vosso escravo. Pois o Filho do Homem não veio para
ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos’”; “Gostam do
lugar de honra nos banquetes e dos primeiros assentos nas sinagogas, de serem
chamados de ‘rabi’, pois um só é vosso Mestre e todos vós sois irmãos. Não
chameis a ninguém na terra de ‘pai’, pois um só é vosso pai, aquele que está
nos céus. Não deixeis que vos chamem de ‘guia’, pois um só é vosso Guia, o
Cristo. Pelo contrário, o maior dentre vós deve ser aquele que vos serve.”;
“Vós me chamais de Mestre e Senhor; e dizeis bem, porque sou. Se eu, o Senhor e
Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros.
Dei-vos o exemplo, para que façais assim como eu fiz para vós”.
Parece que, entre todos os itens do pacto das catacumbas,
esse foi o que menos consequências teve. Praticamente ninguém recusou aos nomes
e títulos de honra que por séculos se apoderaram dos discípulos do Senhor que
são os pastores do povo, mesmo que estão entre irmãos.
Recusamos
Recusamos é expressão forte. Diz bem mais que renunciar.
Fala de uma ação determinada e ativa: não aceitamos! Talvez por ser tão clara e
direta, foi a proposta que mais dificuldades encontrou para se colocar em
prática. Renunciar a bens, a aparências luxuosas exige bastante coragem, também
para não se deixar levar pelo carinho que os fieis demonstram a seus bispos,
padres e líderes religiosos. Dizia alguém com grande sinceridade: “é tão
agradável ser bajulado pelo povo!” Os nomes e os títulos vêm como porta de
entrada, em seguida vêm as palmas, os louvores e os presentes; e mais outro
exclama: “e o vigário gosta!” Não há dúvida que o povo se aproveita desta
tática, pois é bem mais fácil “domesticar” o pastor com agrados que com
exigências comprometedoras. Também os líderes do povo que pensam em tirar
alguma vantagem individual não se cansam de fazer discursos eloquentes
ressaltando qualidades dos religiosos, não economizam elogios com os mais insignes
títulos. Isto faz dos representantes do povo pessoas inteligentes e bondosas.
Pelas palavras de Jesus, citadas pelos bispos, pode se
ver bem que estas atitudes são próprias dos que dominam sobre os outros, dos
que têm intenções obscuras e interesseiras. Nunca deveriam ser as de um bispo,
padre ou líder religioso – do seguidor do Mestre que veio para servir, para
lavar os pés de seus discípulos. Porém, não dá para esconder como infelizmente esses
títulos são procurados pelas autoridades religiosas e usados por eles mesmos em
seu favor. Basta ver os discursos pronunciados por eles e entre eles. Os
documentos emanados das cúrias ou das secretarias são verdadeiros autoelogios.
É bastante hilariante a história do “excelentíssimo e reverendíssimo senhor
bispo” que sempre rezava durante a missa por “este indigno servo”, mas quando
ficou sabendo que um de seus padres também usava a mesma expressão o proibiu
severamente de fazê-lo outras vezes. Por que será?
Nomes
e títulos
O nome identifica a pessoa. É tão bom ser chamado pelo
nome! Manter limpo o nome é a maior honra para o seu portador e para a sua
família. Título, no entanto, é um acréscimo ao nome. Ele pode ter sido
conquistado com esforço e dedicação, mas igualmente pode ter sido adquirido por
outros meios, às vezes, espúrios. Nomes e títulos que signifiquem grandeza e
poder não combinam com os seguidores do Mestre que lavou os pés de seus amigos.
Quem é grande entre os discípulos de Jesus de Nazaré? Tudo tem sua lógica a
partir da missão própria da Igreja. Ela, como Cristo, está aí para que todos
tenham vida, e vida em abundância. Mas quem busca títulos de honra para si
dentro da Igreja inverte as coisas. Busca vida para si; os outros são
esquecidos. Bento XVI insistia para que a Igreja entendesse o sentido de sua
existência, e dizia: “A igreja não está ali para ela mesma, mas para a
humanidade”. Podemos auferir que se ela está para a humanidade, sempre precisa
sair de si mesma, pensar nos outros, servir ao mundo a Boa Nova de Deus. Os
pastores da Igreja necessitam serem fortes para vencer o perigo da tentação de
se dobrar sobre seus próprios interesses, seu passado de glórias, seus títulos
acadêmicos, sobre suas posições hierárquicas. Os títulos de grandeza não
atingem o coração do homem e da mulher de hoje. Não basta pregar com toda pompa
sermões do altar. Os pastores precisam aprender a escutar, acolher, curar as
feridas dos que sofrem. Somente assim a Igreja vai ter uma mensagem para o
mundo e para toda a humanidade. Os títulos dizem absolutamente nada para quem
se sente privado de tudo, principalmente do acesso ao que é mais importante, à
vida.
Luz
na escuridão
Um teólogo espanhol (Xabier Pikaza) conta que ficou
impressionado quando esteve em São Paulo a conversar com um clérigo sábio e de
grande experiência sobre as questões da Igreja hoje, e este clérigo, que ele
não prefere nomear, lhe afirmou seriamente: “Não contamos (no Brasil) com bispos
que saibam levantar o Evangelho diante de políticos e donos da vida e a sorte
dos pobres; faltam-nos bispos que possam ou queiram expor com sua vida a
mensagem de Jesus e abrir caminhos para a Igreja... Contamos apenas com
funcionários submissos a um sistema de poder sagrado”. Até onde essa
constatação é verdadeira, não se sabe; mas que é, no mínimo, preocupante, isso
não se pode negar. Porém, quando o teólogo continuou e quis saber como então os
bispos deveriam ser, ouviu a resposta: “Como aqueles que vieram imediatamente
depois do Concílio Vaticano II! Homens como Paulo E. Arns e tantos outros,
ministros da Palavra, criadores de comunidade, encarnados no povo...”. Como
aqueles que levaram a sério o pacto das catacumbas.
O teólogo espanhol desenvolve sua reflexão sobre a
necessidade que a Igreja tem de possuir bispos de verdade que vão à frente do
rebanho, promovendo a igualdade cristã, a fraternidade, abertos a todos,
curando e libertando; tendo como pano de fundo a figura de Dom Paulo Arns. Vê,
no entanto, com olhos e coração esperançosos, uma luz em meio à escuridão: o
Papa Francisco. Escreve: “talvez Jorge Mário Bergoglio possa ser o novo Arns”. (Artigo
publicado pela Newsletter do Instituto
Humanitas Unisinos – 13/08/13).
Não resta dúvida que o Papa Francisco está dando a
mensagem evangélica a quem tem olhos para ver e coração para perceber. Somente
o Papa para chamar a atenção dos bispos quanto à ambição. Segundo Francisco, os
bispos devem ser pastores próximos das pessoas, pais e irmãos, que sejam
mansos, pacientes e misericordiosos. Devem amar a pobreza interior como
liberdade no Senhor e também a pobreza exterior como simplicidade e austeridade
de vida e não devem ter “uma psicologia de ‘Príncipes’” – que não sejam
ambiciosos!
O exemplo de Francisco é impressionante. Ser for acolhido
por um bom número de bispos, padres, líderes e povo em geral, poderá provocar
uma primavera para toda a Igreja. E, quem sabe, o Evangelho poderá produzir
muitos frutos de justiça, de vida e de fraternidade em e com toda a humanidade.
Que os bispos, monsenhores, padres e líderes religiosos deixem seus títulos de
lado e sejam todos irmãos, mesmo que uns, dentro da família cristã, têm a
missão do pastoreio ou da paternidade espiritual. Que haja respeito, mas
igualmente dignidade e humildade entre todos.
Pe. Mário
Fernando Glaab
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