quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Vaticano II hoje (5)

PACTO DAS CATACUMBAS (PONTO 4)

            No quarto item do pacto das catacumbas os bispos assim se expressam: “Cada vez que for possível, confiaremos a gestão financeira e material em nossa diocese a uma comissão de leigos competentes e cônscios do seu papel apostólico, em mira a sermos menos administradores do que pastores e apóstolos. Cf. Mt 10,8; At 6,1-7”. Os textos bíblicos citados dizem o seguinte: “Curai doentes, ressuscitai mortos, purificai leprosos, expulsai demônios. De graça recebestes, de graça deveis dar!” e, “Naqueles dias, o número dos discípulos tinha aumentado, e os fiéis de língua grega começaram a queixar-se dos fiéis de língua hebraica. Os de língua grega diziam que suas viúvas eram deixadas de lado no atendimento diário. Então os Doze apóstolos reuniram a multidão dos discípulos e disseram: ‘Não está certo que nós abandonemos a pregação da palavra de Deus para servirmos às mesas. Portanto, irmãos, escolhei entre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria, para que lhes confiemos essa tarefa. Deste modo, nós poderemos dedicar-nos inteiramente à oração e ao serviço da Palavra’. A proposta agradou a toda a multidão. Escolheram então Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo; e também Filipe, Prócoro, Nicanor, Tímon, Pármenas e Nicolau de Antioquia, um prosélito. Eles foram apresentados aos apóstolos, que oraram e impuseram as mãos sobre eles. Entretanto, a palavra de Deus crescia, e o número dos discípulos se multiplicava consideravelmente em Jerusalém. Também um grande grupo de sacerdotes judeus aderiu à fé”.

Cada vez que for possível
            “Cada vez que for possível...” é uma proposta humilde. Tem consciência de que a administração das dioceses é muito complexa. Para transparência e funcionalidade, não poucas vezes, é necessário acompanhamento direto do bispo, como último responsável. Mas confiar a gestão financeira e material a leigos preparados para a tarefa pode ser um grande salto na busca da vivência mais comprometedora do pastoreio, próprio do bispo. A gestão financeira, quer queira, quer não, envolve demais o pregador da Palavra em negócios; e os negócios sempre têm sua característica própria, o “tirar vantagem”: é a circulação do dinheiro que exige habilidade para a perspicácia lucrativa. O “deveis dar de graça” não se encaixa nos negócios. Os negócios não são da linguagem gratuita, pois eles sempre visam vantagens. “Fazer um bom negócio” significa levar boa vantagem. Mas os bispos, quanto mais se conformarem com o Divino Mestre, não podem visar esses “bons negócios”. Não há dúvida de que ao confiar a gestão financeira e material a leigos preparados, os bispos estão cada vez mais cônscios de que eles, como “outros Cristos” devem estar em primeiro lugar onde estão os pobres, uma vez que se pode afirmar, baseado no Evangelho, de que onde estão os pobres aí está Cristo. A segunda parte, que é tarefa primeira dos bispos, a de levar a Igreja onde está Cristo, depende da liberdade que cada um tem com relação aos bens. O desapego facilita o aproximar de Cristo entre os pobres, mas as preocupações com a gestão financeira obstacula, e grandemente, estar com Cristo e com os pobres. Infelizmente, a Igreja – na pessoa de seus bispos -, estava e está frequentemente mais perto do palácio de Herodes do que da gruta de Belém. A Igreja precisa redescobrir constantemente onde está o seu lugar na sociedade. A proposta é muito boa.

Confiar a leigos
            Aí podemos aludir à outra questão: qual a importância dos leigos nas dioceses, nas paróquias e nas comunidades em geral? Confiar a leigos competentes e cônscios do seu papel apostólico a gestão financeira de uma diocese ou comunidade exige, antes de tudo, desprendimento. Elogiar os leigos quando são generosos é fácil, e pode ser uma boa tática para conservá-los sempre assim; mas confiar a administração a eles, isso já é outra coisa. Além do desprendimento, isso exige confiança e humildade. Alguns insistem em afirmar que são poucos os leigos competentes e, que por isso, é melhor que as coisas fiquem como estão; não convém correr o risco. Mas, entre os clérigos todos são competentes e confiáveis?! Entre os próprios apóstolos estava um que roubava da bolsa comum! Todavia, mesmo assim Jesus não lhe tirou a bolsa. Os leigos não são súditos ou meros servidores dos pastores, mas seus irmãos.

Ser menos administradores
            “Ser menos administradores do que pastores e apóstolos”. Esta é a questão. Os bispos que assinaram o pacto não tinham ilusões. Sabiam muito bem que a sua função de líderes religiosos os envolvia também no administrar bens da Igreja, e até bens pessoais. Contudo, queriam se dispor a ser, como o Divino Mestre, antes de tudo, pastores e apóstolos. Como pastores, ir ao encontro de povo para cuidar dele; e como apóstolos, dar ao povo o testemunho de que Deus está entre nós. Nessa tarefa queriam estar livres das amarras dos bens materiais. Jesus chama insensato quem confia nos bens (cf. Lc 12,20) e se esquece de que são para todos. Para ser mais pastor e apóstolo do que administrador, o discípulo de Cristo deve descobrir sempre mais que é na partilha e na confiança fraterna que as coisas funcionam, e que do contrário, o mundo fica sempre na mentalidade do tirar proveito. Os ricos vão açambarcando cada vez mais bens e os pobres vão afundando cada vez mais na miséria. Não existe outra saída, pois o administrador é, antes de tudo, aquele que se preocupa com os bens; os pobres, para o administrador, quando não incomodam, são deixados para mais tarde, porém quando incomodam, aí necessitam de controle e de “um jeitinho”, que não passa de manipulação.

A proposta hoje
            Olhando para os 50 anos que sucederam ao pacto das catacumbas podemos ver que muitos bispos, padres e líderes religiosos optaram por Cristo pobre e se desvencilharam de amarras administrativas. Não é possível, no entanto, esconder o outro lado da moeda: mormente nos últimos anos, cresce assustadoramente a busca de bens e de status entre os pastores. Para vergonha geral, quando alguém dá informações sobre determinada diocese ou paróquia, uma das primeiras considerações que faz, trata de sua situação financeira, diz-se, por exemplo, “é boa, pois tem estabilidade financeira”, ou, “é complicada, pois é pobre”. Podiam-se elencar inúmeros casos de dissabores causados por preocupações exageradas de líderes religiosos por serem “bons administradores” primeiramente, e, depois, quando sobra tempo, um pouco pastores. Pastores, para exigir a observância das leis canônicas áridas e impessoais.
            Provavelmente o sinal mais eloquente da necessidade de renovar a proposta do item 4 do pacto é a insistência do Papa Francisco para que os bispos sejam amantes tanto da pobreza interior como da pobreza exterior, sejam amantes da simplicidade e da austeridade de vida, que não tenham “psicologia de príncipes”, mas liberdade no Senhor. As palavras e os gestos de Francisco são um verdadeiro sopro do Espírito para os nossos dias, e não poucos bispos, padres e líderes estão incomodados. Mas, quem sabe, terão a coragem de acolher em tudo isso, a mensagem atual da Boa Notícia de Jesus de Nazaré que continua a clamar: “grande será a vossa recompensa no céu” (Lc 6, 23). Mesmo sabendo que na mentalidade do mundo quem não é bom administrador não conta, Jesus de Nazaré deixa claro que esse mundo é injusto; e que, os que não interessam a ninguém são os que mais interessam a Deus. Os que são marginalizados ou excluídos são os que ocupam um lugar privilegiado no coração de Deus; os que não têm quem os defenda têm a Deus como Pai. Os pastores devem estar onde estão as ovelhas.
Pe. Mário Fernando Glaab

WWW.marioglaab.blogspot.com.br

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