O
SILÊNCIO DE DEUS E O NOSSO SILÊNCIO
Alguém perguntou ao grande teólogo Hans Urs von
Balthasar, já nos últimos anos de sua vida, depois de ter se dedicado por toda
a sua longa vida na busca de dizer algo sobre Jesus Cristo, após ter escrito
volumosas obras, ter proferido muitas conferências, refletido e rezado bastante,
quem é Jesus Cristo para o senhor? O cristólogo teria parado, pensado por
alguns instantes, e respondido assim: “Jesus Cristo é a Palavra de Deus que,
por amor aos humanos, se calou.” Não nos é fácil interpretar uma definição tão
curta, mas ao mesmo tempo tão rica e concentrada. Tentaremos alguns passos.
Jesus,
a Palavra de Deus
Jesus é a
Palavra de Deus encarnada. Não
precisamos insistir nisso, pois todos sabemos que o evangelista São João, já no
início de sua obra, escreve: “E a Palavra se fez carne e veio morar entre nós”
(1,14), introduzindo o seu Evangelho, apresentando Jesus Cristo. Os outros
evangelistas – os sinóticos -, mesmo não afirmando como João, também falam de
Jesus como aquele que revela o Pai; isto é, com suas palavras e gestos, mostra
quem é Deus. Tudo o que Ele diz e faz é comunicação de Deus. Portanto, Ele é a
verdadeira Palavra reveladora do Pai.
A partir disso podemos dizer que a missão de Jesus é
“falar” do Pai, sempre. O “trabalho” de Jesus é esta comunicação, e Ele não
pode parar, pois estaria negando sua missão. Assim vemos que Jesus não se cansa
de ensinar e de agir, realizando a obra de Deus. É o Reino presente e atuante
no mundo. No entanto, a Palavra pede resposta, solicita uma outra palavra.
Provoca uma palavra humana – a nossa palavra.
Nós, os humanos, nem sempre damos a devida resposta para
a Palavra de Deus; algumas vezes nos calamos. Às nossas respostas Deus continua
a falar em Jesus, porém, às vezes também Eles se cala, faz silêncio. Jesus
calado – morto na cruz – continua a falar, mas pelo silêncio. Provavelmente
seja este o sentido que Balthasar descobriu em Jesus “calado por amor”. A Palavra
que fala no silêncio e com amor para que o ser humano possa falar, e o faz com
muita paciência. O ser humano, por vezes, o deixa esperar neste seu silêncio
por muito tempo, outras vezes nunca responde.
Deus
não respondeu
O silêncio de Deus também é resposta, e sempre resposta
amorosa. Quando Jesus estava pregado na cruz os passantes o desafiaram: “Se és
o Filho de Deus, desce da cruz!” (Mt 27,40), mas ele não desceu. O Pai se calou;
Jesus se calou! Por que Deus não respondeu ao seu Filho Jesus que estava sendo
desafiado, e que lhe gritou “Por que me abandonaste?” (Mt 27,46)?
Nada mais sério que o silêncio do Pai. Diante dos gritos,
das blasfêmias e dos insultos do povo, somente Deus pode ficar calado. Este
silêncio de Deus foi compreendido por Jesus como o sinal máximo de amor do Pai
para com Ele e para com a sua obra: dar a vida pelo mundo. Deus não respondeu a
Jesus, nem aos gritos da multidão, para que o ser humano pudesse se decidir e dar
a sua resposta. Jesus deu sua resposta: “Pai, em tuas mãos entrego o meu
espírito” (Lc 23,46); em seu nome e em nome de seus discípulos. No silêncio
Deus amou até o fim o Filho e toda a humanidade. Agora, cada um de nós pode
responder ao silêncio de Deus, seguindo e exemplo do Mestre Jesus. Quando Deus
se cala em Jesus Cristo, é o exato momento de nossa resposta.
Silêncio
perturbador
O silêncio, no entanto, é perturbador. O silêncio de Deus
nem sempre é silêncio bem-vindo, pois nós não queremos responder ao silêncio.
Pois nossa resposta nos compromete. É mais confortável que Ele fale e que nós
permaneçamos calados. Preferimos um Deus falador, alguém que denuncie a
injustiça, que diga o que nós queremos ouvir e legitime o que nós queremos
fazer. Quando Ele faz isso, nós estamos isentos de reponsabilidade; se Ele
denuncia a injustiça, nós não o precisamos fazer. Assim, Ele nos justifica
diante do mundo. No entanto, é muito mais desafiador responder e nos
comprometer: Ele calado e nós falando!
O silêncio de Deus chega a ser desconcertante,
perturbador e demolidor de nossos planos, esperanças e esquemas. Permanece um
terrível desafio para nós. Mas não deixa de ser “palavra de amor”, uma vez que
nos quer envolver – contar conosco para que assumamos com Ele a luta contra o
mal, contra o ódio e contra tudo o que faz sofrer, o que elimina a vida.
Nos momentos mais terríveis de sofrimento e de morte,
quando não ouvimos a voz de Deus vindo em nosso auxílio, sem dúvida, Ele está
calado em nossa dor; e mais ainda, na dor do irmão que necessita de amor maior
e compreensão da humanidade.
Não esqueçamos que o desconcertante silêncio divino, além
de nos deixar falar, também nos convida a atos de silêncio, convida-nos ao
silêncio humano, quando somente o amor pode ser ouvido. Participar do sagrado
silêncio de Deus pode se tornar experiência de amor verdadeiro que dispensa
palavras.
Aprender a participar do silêncio de Deus seja talvez o
mais árduo desafio para nós, contudo nos conduz ao amor mais humano, à prática
mais verdadeira da caridade. Tenhamos coragem de nos aproximar do silêncio de
Deus para, por nossa vez, aprendermos a calar, e darmos nossa pequena resposta
somente com amor.
Pe. Mário
Fernando Glaab
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