quarta-feira, 1 de junho de 2016

Reflexão - Silêncio

O SILÊNCIO DE DEUS E O NOSSO SILÊNCIO

            Alguém perguntou ao grande teólogo Hans Urs von Balthasar, já nos últimos anos de sua vida, depois de ter se dedicado por toda a sua longa vida na busca de dizer algo sobre Jesus Cristo, após ter escrito volumosas obras, ter proferido muitas conferências, refletido e rezado bastante, quem é Jesus Cristo para o senhor? O cristólogo teria parado, pensado por alguns instantes, e respondido assim: “Jesus Cristo é a Palavra de Deus que, por amor aos humanos, se calou.” Não nos é fácil interpretar uma definição tão curta, mas ao mesmo tempo tão rica e concentrada. Tentaremos alguns passos.

Jesus, a Palavra de Deus
            Jesus é a Palavra de Deus encarnada. Não precisamos insistir nisso, pois todos sabemos que o evangelista São João, já no início de sua obra, escreve: “E a Palavra se fez carne e veio morar entre nós” (1,14), introduzindo o seu Evangelho, apresentando Jesus Cristo. Os outros evangelistas – os sinóticos -, mesmo não afirmando como João, também falam de Jesus como aquele que revela o Pai; isto é, com suas palavras e gestos, mostra quem é Deus. Tudo o que Ele diz e faz é comunicação de Deus. Portanto, Ele é a verdadeira Palavra reveladora do Pai.
            A partir disso podemos dizer que a missão de Jesus é “falar” do Pai, sempre. O “trabalho” de Jesus é esta comunicação, e Ele não pode parar, pois estaria negando sua missão. Assim vemos que Jesus não se cansa de ensinar e de agir, realizando a obra de Deus. É o Reino presente e atuante no mundo. No entanto, a Palavra pede resposta, solicita uma outra palavra. Provoca uma palavra humana – a nossa palavra.
            Nós, os humanos, nem sempre damos a devida resposta para a Palavra de Deus; algumas vezes nos calamos. Às nossas respostas Deus continua a falar em Jesus, porém, às vezes também Eles se cala, faz silêncio. Jesus calado – morto na cruz – continua a falar, mas pelo silêncio. Provavelmente seja este o sentido que Balthasar descobriu em Jesus “calado por amor”. A Palavra que fala no silêncio e com amor para que o ser humano possa falar, e o faz com muita paciência. O ser humano, por vezes, o deixa esperar neste seu silêncio por muito tempo, outras vezes nunca responde.

Deus não respondeu
            O silêncio de Deus também é resposta, e sempre resposta amorosa. Quando Jesus estava pregado na cruz os passantes o desafiaram: “Se és o Filho de Deus, desce da cruz!” (Mt 27,40), mas ele não desceu. O Pai se calou; Jesus se calou! Por que Deus não respondeu ao seu Filho Jesus que estava sendo desafiado, e que lhe gritou “Por que me abandonaste?” (Mt 27,46)?
            Nada mais sério que o silêncio do Pai. Diante dos gritos, das blasfêmias e dos insultos do povo, somente Deus pode ficar calado. Este silêncio de Deus foi compreendido por Jesus como o sinal máximo de amor do Pai para com Ele e para com a sua obra: dar a vida pelo mundo. Deus não respondeu a Jesus, nem aos gritos da multidão, para que o ser humano pudesse se decidir e dar a sua resposta. Jesus deu sua resposta: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46); em seu nome e em nome de seus discípulos. No silêncio Deus amou até o fim o Filho e toda a humanidade. Agora, cada um de nós pode responder ao silêncio de Deus, seguindo e exemplo do Mestre Jesus. Quando Deus se cala em Jesus Cristo, é o exato momento de nossa resposta.

Silêncio perturbador
            O silêncio, no entanto, é perturbador. O silêncio de Deus nem sempre é silêncio bem-vindo, pois nós não queremos responder ao silêncio. Pois nossa resposta nos compromete. É mais confortável que Ele fale e que nós permaneçamos calados. Preferimos um Deus falador, alguém que denuncie a injustiça, que diga o que nós queremos ouvir e legitime o que nós queremos fazer. Quando Ele faz isso, nós estamos isentos de reponsabilidade; se Ele denuncia a injustiça, nós não o precisamos fazer. Assim, Ele nos justifica diante do mundo. No entanto, é muito mais desafiador responder e nos comprometer: Ele calado e nós falando!
            O silêncio de Deus chega a ser desconcertante, perturbador e demolidor de nossos planos, esperanças e esquemas. Permanece um terrível desafio para nós. Mas não deixa de ser “palavra de amor”, uma vez que nos quer envolver – contar conosco para que assumamos com Ele a luta contra o mal, contra o ódio e contra tudo o que faz sofrer, o que elimina a vida.
            Nos momentos mais terríveis de sofrimento e de morte, quando não ouvimos a voz de Deus vindo em nosso auxílio, sem dúvida, Ele está calado em nossa dor; e mais ainda, na dor do irmão que necessita de amor maior e compreensão da humanidade.
            Não esqueçamos que o desconcertante silêncio divino, além de nos deixar falar, também nos convida a atos de silêncio, convida-nos ao silêncio humano, quando somente o amor pode ser ouvido. Participar do sagrado silêncio de Deus pode se tornar experiência de amor verdadeiro que dispensa palavras.
            Aprender a participar do silêncio de Deus seja talvez o mais árduo desafio para nós, contudo nos conduz ao amor mais humano, à prática mais verdadeira da caridade. Tenhamos coragem de nos aproximar do silêncio de Deus para, por nossa vez, aprendermos a calar, e darmos nossa pequena resposta somente com amor.

Pe. Mário Fernando Glaab

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