AS
RELIGIÕES A SERVIÇO DA PAZ
A volta do religioso é constatado por todos os
observadores. A sociedade superou a fase crítica da indiferença e resistência
ao espírito religioso. Isto, no entanto, não quer dizer que as religiões, mesmo
a religião cristã e católica esteja aumentando numericamente. O que de fato
acontece é uma volta ao espírito religioso de cunho mais individual, conforme
as opções de cada grupo ou indivíduo. Pergunta-se, este retorno do religioso
ajuda a consolidar a paz entre as pessoas e das pessoas para com toda a
criação?
Lamentavelmente deve-se responder que não é bem isso que
se vê no cotidiano. O mundo de hoje apresenta um quadro relacional cada vez
mais carente de paz. Os conflitos entre os poderosos e ricos desta terra por um
lado e os fracos e pobres do outro, trazem como consequência imediata enorme
falta de paz. Cada vez mais o direito de vida digna é negado a indivíduos, a
famílias, a grupos e a povos inteiros. Isso causa violências, revoltas e mais
guerras, e a paz vai pelos ares.
Basta olhar as manchetes dos jornais para nos
escandalizar com notícias de roubos, corrupção, violências, mortes, assaltos e,
ultimamente vemos crescer a vergonhosa vingança e perseguição, geralmente
infundada e injusta. Assiste-se, estupefato, a ascensão de quem promete
construir muros, quando na verdade o mundo precisa de mais pontes. Aliás, todas
estas coisas são injustas e, ao invés de contribuir com a ordem e a harmonia,
cada vez criam mais desavenças e frustações.
Os gritos e apelos de milhões de seres humanos são
abafados e, pequenos grupos defendem seus interesses particulares. Enquanto
famílias inteiras são deslocadas de suas terras e de seus países, os grupos
dominadores conduzem seus negócios longe desses miseráveis, sempre na escuridão
ou escondendo a verdade. Prometem solucionar os problemas que tanto sofrimento
trazem, porém, mantendo as massas alienadas, acarretam cada vez mais dor e
morte pelo mundo afora. É triste saber que os alienados (provavelmente sem
culpa, pois a mídia os cega e não deixa ver a verdade) aplaudem e elegem seus
próprios “açougueiros”!
Paz
Diante deste quadro macabro, pintado com cores fortes
retratando sangue derramado pelas vítimas da ganância, inveja e maldade,
pergunta-se sobre a paz. O que vem a ser paz neste mundo onde há tanta carência
dela?
Paz, com certeza, não é aquela que os ricos e poderosos
desejam, a “paz dos cemitérios”. Esta é o calar a boca dos pobres para que não
perturbem. Dá-se lhes uma migalha para que sejam bonzinhos. Não, isso não pode
ser paz.
A paz, tão almejada pelo ser humano, pode ser resumida na
palavra “harmonia”, ou então, estar de bem com Deus, com o próximo e com tudo o
que nos circunda. Mas isto deve ser melhor explicado. Esta harmonia é algo
duradouro, realização plena para cada pessoa e para humanidade toda. O Papa
Francisco lembra que na paz “tudo está relacionado, e todos nós, seres humanos,
caminhamos juntos como irmãos e irmãs em uma peregrinação maravilhosa,
entrelaçados pelo amor que Deus tem a cada uma das suas criaturas e que nos une
também, com terna afeição, ao irmão sol, à irmã lua, ao irmão rio e à mãe
terra” (Ludato Si, n. 92).
A paz, é então um dom que se alcança porque se crê, não
no poder do dinheiro, dos ricos e poderosos deste mundo que só sabem explorar,
destruir e matar, mas na realidade divina e sagrada que ultrapassa todos esses
falsos valores. A paz, alcançada pela fé nessa realidade sagrada, é
verdadeiramente paz porque torna o ser humano livre das amarras e de seus
próprios impulsos animalescos. Somente homens livres podem experimentar paz e
transmiti-la. A fé faz viver. Quem não tem paz, não vive!
As
religiões
Todas as religiões, enquanto tais, no seu ímpeto de
estabelecer relações com o Transcendente, com o sagrado, estão, em última
análise, procurando a tão desejada harmonia entre o Criador e a criatura: a
paz. Cada tradição religiosa concebe esta paz do seu jeito. O cristão,
continuando a experiência da religião judaica, a vê como Reino de Deus, da
justiça, da fraternidade e da vida em abundância. É próprio de cada religião
partir da realidade das relações entre os humanos, lá onde se sonha com um
mundo melhor, mas onde também se enfrenta o mundo mau, desumano e destruidor da
vida. A função da religião é ultrapassar esta realidade transitória para
“entrar” em nova realidade. As revelações que se alcança nas religiões
pretendem responder às questões dos humanos e, que assim os elevam para o nível
superior da relação harmoniosa. Os limites são transpostos, não pelas próprias
capacidades, mas com as que vêm do alto.
Fé é comum a todas as religiões. Ninguém pode se
considerar religioso sem fé, justamente porque a religião o conduz a outra
realidade onde há “encontro” com Deus que renova as relações em direção da paz.
Podem haver muitas crenças distintas entre as diversas religiões, mas a fé não
pode faltar em nenhuma. A fé é fundamental enquanto as crenças e a maneira de
expressar a crenças são muito diferentes e superficiais. Às vezes, quando se dá
muita importância para as inúmeras crenças, surgem conflitos que muito
empobrecem a busca da paz.
A paz não é propriedade desta ou daquela religião; ela é
antes, buscada por cada uma. E, à medida que uma religião ajuda seu fiel a crer
na realidade divina ou sagrada, renuncia a tudo que é transitório; e se torna
mediação útil entre o crente e a realidade da paz. O relacionamento com essa
realidade é a paz, ou ao menos, o início da verdadeira paz. O fiel não alcança
a paz porque pertence a uma determinada religião, mas porque crê na realidade
transcendente, divina, sagrada, da qual a religião é mediação. A paz, é então,
mais que sossego; é um estado de espírito, uma forma espiritual de crer e de
viver harmoniosamente.
Mesmo que frequentemente as religiões se tornaram
culpadas por ambiguidades e até por sofrimentos, frutos de mecanismos
violentos; isto não tira seu valor intrínseco na busca da paz para todos. O que
acontece, nestes casos, é que se esquece a fé fundamental e se coloca em seu
lugar crenças e costumes que dividem e fanatizam. Nenhuma religião pode incitar
seus fiéis à violência. E como diz um teólogo de nossos dias: “(Nas religiões)
a reocupação em vencer não deve prevalecer em relação ao convencer, e o
convencer não pode ser condição para conviver pacificamente” (Elias Wolff,
coordenador do Núcleo ecumênico e Inter-religioso da PUCPR).
Conclusão
A paz é anseio universal. Porém, alguns a procuram
egoisticamente só para si ou para o seu pequeno grupo. Ignoram os demais e, por
isso, usam meios, os mais deploráveis, quais são a exploração, o roubo, a
corrupção e múltiplas formas de violência. Enganam-se, pois a paz não consiste
nestas coisas. Mesmo que todas as religiões sejam intermediárias entre seus
fiéis e a realidade sagrada, alguns as usam com intenções falsas: aproveitam-se
delas para, mais uma vez extravasar sua ganância egoísta. Alienam os mais
fracos, dando-lhes a ideia de que observando certos costumes e escondendo-se
atrás de determinadas crenças, são possuidores e promotores da paz.
Todavia, as religiões contribuem para a paz na humanidade
quando ensinam a ser com o outro, ensinam a conviver social e espiritualmente
com o outro, a buscar com o outro, dialogar com o outro. Talvez este seja o
primeiro passo no rumo da paz duradoura, com a qual todos sonhamos; e que Jesus
Cristo anunciou e proclamou. É preciso ter coragem para converter, não somente
a nós mesmos individualmente, mas também as nossas religiões.
Pe. Mário
Fernando Glaab
www.marioglaab.blogspot.com.br