segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Religiões a serviço da paz

AS RELIGIÕES A SERVIÇO DA PAZ

            A volta do religioso é constatado por todos os observadores. A sociedade superou a fase crítica da indiferença e resistência ao espírito religioso. Isto, no entanto, não quer dizer que as religiões, mesmo a religião cristã e católica esteja aumentando numericamente. O que de fato acontece é uma volta ao espírito religioso de cunho mais individual, conforme as opções de cada grupo ou indivíduo. Pergunta-se, este retorno do religioso ajuda a consolidar a paz entre as pessoas e das pessoas para com toda a criação?
            Lamentavelmente deve-se responder que não é bem isso que se vê no cotidiano. O mundo de hoje apresenta um quadro relacional cada vez mais carente de paz. Os conflitos entre os poderosos e ricos desta terra por um lado e os fracos e pobres do outro, trazem como consequência imediata enorme falta de paz. Cada vez mais o direito de vida digna é negado a indivíduos, a famílias, a grupos e a povos inteiros. Isso causa violências, revoltas e mais guerras, e a paz vai pelos ares.
            Basta olhar as manchetes dos jornais para nos escandalizar com notícias de roubos, corrupção, violências, mortes, assaltos e, ultimamente vemos crescer a vergonhosa vingança e perseguição, geralmente infundada e injusta. Assiste-se, estupefato, a ascensão de quem promete construir muros, quando na verdade o mundo precisa de mais pontes. Aliás, todas estas coisas são injustas e, ao invés de contribuir com a ordem e a harmonia, cada vez criam mais desavenças e frustações.
            Os gritos e apelos de milhões de seres humanos são abafados e, pequenos grupos defendem seus interesses particulares. Enquanto famílias inteiras são deslocadas de suas terras e de seus países, os grupos dominadores conduzem seus negócios longe desses miseráveis, sempre na escuridão ou escondendo a verdade. Prometem solucionar os problemas que tanto sofrimento trazem, porém, mantendo as massas alienadas, acarretam cada vez mais dor e morte pelo mundo afora. É triste saber que os alienados (provavelmente sem culpa, pois a mídia os cega e não deixa ver a verdade) aplaudem e elegem seus próprios “açougueiros”!

Paz
            Diante deste quadro macabro, pintado com cores fortes retratando sangue derramado pelas vítimas da ganância, inveja e maldade, pergunta-se sobre a paz. O que vem a ser paz neste mundo onde há tanta carência dela?
            Paz, com certeza, não é aquela que os ricos e poderosos desejam, a “paz dos cemitérios”. Esta é o calar a boca dos pobres para que não perturbem. Dá-se lhes uma migalha para que sejam bonzinhos. Não, isso não pode ser paz.
            A paz, tão almejada pelo ser humano, pode ser resumida na palavra “harmonia”, ou então, estar de bem com Deus, com o próximo e com tudo o que nos circunda. Mas isto deve ser melhor explicado. Esta harmonia é algo duradouro, realização plena para cada pessoa e para humanidade toda. O Papa Francisco lembra que na paz “tudo está relacionado, e todos nós, seres humanos, caminhamos juntos como irmãos e irmãs em uma peregrinação maravilhosa, entrelaçados pelo amor que Deus tem a cada uma das suas criaturas e que nos une também, com terna afeição, ao irmão sol, à irmã lua, ao irmão rio e à mãe terra” (Ludato Si, n. 92).
            A paz, é então um dom que se alcança porque se crê, não no poder do dinheiro, dos ricos e poderosos deste mundo que só sabem explorar, destruir e matar, mas na realidade divina e sagrada que ultrapassa todos esses falsos valores. A paz, alcançada pela fé nessa realidade sagrada, é verdadeiramente paz porque torna o ser humano livre das amarras e de seus próprios impulsos animalescos. Somente homens livres podem experimentar paz e transmiti-la. A fé faz viver. Quem não tem paz, não vive!

As religiões
            Todas as religiões, enquanto tais, no seu ímpeto de estabelecer relações com o Transcendente, com o sagrado, estão, em última análise, procurando a tão desejada harmonia entre o Criador e a criatura: a paz. Cada tradição religiosa concebe esta paz do seu jeito. O cristão, continuando a experiência da religião judaica, a vê como Reino de Deus, da justiça, da fraternidade e da vida em abundância. É próprio de cada religião partir da realidade das relações entre os humanos, lá onde se sonha com um mundo melhor, mas onde também se enfrenta o mundo mau, desumano e destruidor da vida. A função da religião é ultrapassar esta realidade transitória para “entrar” em nova realidade. As revelações que se alcança nas religiões pretendem responder às questões dos humanos e, que assim os elevam para o nível superior da relação harmoniosa. Os limites são transpostos, não pelas próprias capacidades, mas com as que vêm do alto.
            Fé é comum a todas as religiões. Ninguém pode se considerar religioso sem fé, justamente porque a religião o conduz a outra realidade onde há “encontro” com Deus que renova as relações em direção da paz. Podem haver muitas crenças distintas entre as diversas religiões, mas a fé não pode faltar em nenhuma. A fé é fundamental enquanto as crenças e a maneira de expressar a crenças são muito diferentes e superficiais. Às vezes, quando se dá muita importância para as inúmeras crenças, surgem conflitos que muito empobrecem a busca da paz.
            A paz não é propriedade desta ou daquela religião; ela é antes, buscada por cada uma. E, à medida que uma religião ajuda seu fiel a crer na realidade divina ou sagrada, renuncia a tudo que é transitório; e se torna mediação útil entre o crente e a realidade da paz. O relacionamento com essa realidade é a paz, ou ao menos, o início da verdadeira paz. O fiel não alcança a paz porque pertence a uma determinada religião, mas porque crê na realidade transcendente, divina, sagrada, da qual a religião é mediação. A paz, é então, mais que sossego; é um estado de espírito, uma forma espiritual de crer e de viver harmoniosamente.
            Mesmo que frequentemente as religiões se tornaram culpadas por ambiguidades e até por sofrimentos, frutos de mecanismos violentos; isto não tira seu valor intrínseco na busca da paz para todos. O que acontece, nestes casos, é que se esquece a fé fundamental e se coloca em seu lugar crenças e costumes que dividem e fanatizam. Nenhuma religião pode incitar seus fiéis à violência. E como diz um teólogo de nossos dias: “(Nas religiões) a reocupação em vencer não deve prevalecer em relação ao convencer, e o convencer não pode ser condição para conviver pacificamente” (Elias Wolff, coordenador do Núcleo ecumênico e Inter-religioso da PUCPR).

Conclusão
            A paz é anseio universal. Porém, alguns a procuram egoisticamente só para si ou para o seu pequeno grupo. Ignoram os demais e, por isso, usam meios, os mais deploráveis, quais são a exploração, o roubo, a corrupção e múltiplas formas de violência. Enganam-se, pois a paz não consiste nestas coisas. Mesmo que todas as religiões sejam intermediárias entre seus fiéis e a realidade sagrada, alguns as usam com intenções falsas: aproveitam-se delas para, mais uma vez extravasar sua ganância egoísta. Alienam os mais fracos, dando-lhes a ideia de que observando certos costumes e escondendo-se atrás de determinadas crenças, são possuidores e promotores da paz.
            Todavia, as religiões contribuem para a paz na humanidade quando ensinam a ser com o outro, ensinam a conviver social e espiritualmente com o outro, a buscar com o outro, dialogar com o outro. Talvez este seja o primeiro passo no rumo da paz duradoura, com a qual todos sonhamos; e que Jesus Cristo anunciou e proclamou. É preciso ter coragem para converter, não somente a nós mesmos individualmente, mas também as nossas religiões.
Pe. Mário Fernando Glaab

www.marioglaab.blogspot.com.br

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Meditar e refletir

CRER É PRECISO, PENSAR TAMBÉM

            Sem entrar na complicada discussão da relação entre razão e fé, entre conhecimento científico e conhecimento infuso, queremos refletir e meditar sobre “crer” e “pensar”. Pois se alguém afirma que hoje, mais do que nunca, é preciso crer, devemos completar, e pensar também. Aliás, os tempos e as situações, no percorrer da história, mudam, mas os desafios são sempre os mesmos. O ser humano não deixa de ser impulsionado a procurar respostas para os questionamentos mais existenciais, tanto na dimensão da fé quanto na dimensão racional.

            Se acreditar é fruto da fé, é consequência da adesão consciente a Alguém ou a algo que escapa da demonstração científica. Neste caso, ter fé é mais do que aceitar simplesmente. Na verdade, a doutrina cristã ensina que a fé é uma das três virtudes teologais, isto é, infusas por Deus na pessoa que acolhe Jesus Cristo como Senhor no batismo. É, então, um dom que o fiel recebe, mas que ele precisa desenvolver. Claro que não se pode restringir a fé somente aos cristãos, achando que outras pessoas não possam ter fé.  Deus não está amarrado aos nosso esquemas sacramentais; eles, porém, são o caminho ordinário que por meio de Jesus Cristo nos levam ao mistério de Deus.
            Não resta dúvida de que o ser humano, sempre foi e sempre será convidado a sair de si, de suas respostas imediatas, e se elevar a uma outra esfera, a esfera do sobrenatural. Nem mesmo as respostas da filosofia satisfazem o profundo desejo de conhecer o sentido da vida, do Transcendente e do mundo. Justamente aí entra o convite à fé. Deus, de mil e uma maneiras se comunica aos humanos – sempre em “linguagem” humana -, para que saiam de si e tenham fé. No entanto, Ele não obriga ninguém a fazer isso. Ele não dá sinais que possam ser comprovados em laboratório ou calculados matematicamente. Ele propõe, convida e aguarda adesão. É misterioso o fato de alguns crerem e outros não crerem. Mas, a fé igualmente não pode ser mensurada com medidas humanas. Quem pode entrar no íntimo do coração alheio para lhe medir a fé ou a falta de fé? Na verdade há dois tipos de pessoas que afirmam a necessidade da fé: aqueles que a possuem e aqueles que não a têm mas a confundem com sua preguiça de pensar. Estes últimos justificam seu comodismo ou sua incapacidade de pensar dizendo que é preciso crer, uma vez que as coisas são muito complicadas para ser entendidas.

Razão
            É próprio da razão humana pensar. Seu pensamento, quando bem ordenado, busca respostas para os mais diversos questionamentos da vida. No decorrer da história o pensamento humano fez enormes progressos, conquistou muitos conhecimentos, desenvolveu os mais diversos saberes que, além de satisfazerem muitas curiosidades, tornam mais digna e mais prazerosa a vida humana. A tecnologia – fruto do desenvolvimento científico -, quando colocada a serviço do bem de todos, facilita a comunicação e a colaboração entre as pessoas, tornando a vida mais alegre e menos assustadora diante de tudo que se lhe opõe.
            Como o ser humano é ser-pensante, nada justifica renunciar a tal propriedade. Quanto mais humano alguém quer ser, mais pensante deve ser. Nada o dispensa de procurar respostas diante de sua “curiosidade” frente ao mundo e frente aos desafios da própria vida, da vida dos outros e de toda a criação. Passar por esta vida sem pensar seria o mesmo que passar por inúmeras oportunidades de se realizar e de ajudar na realização dos outros, e nada fazer. Seria dizer: eu não posso ajudar, mas creio que Deus o faz por mim. Isto, na verdade, seria covardia. Seria atribuir a Deus o que é da responsabilidade humana.

Meditar e refletir
            O homem de fé medita, o homem que pensa reflete. Isto, todavia, é muito esquemático, pois a meditação conta com a reflexão, e a reflexão conta com a meditação. Somente medita quem reflete e, a reflexão abre portas para a meditação. Como vimos, a fé é um dom gratuito de Deus, aceito e cultivado livremente pelo ser humano. Mas isso não o dispensa da busca incessante de respostas para os desafios da vida e do mundo. E, o ser humano que reflete, mesmo que não tenha fé, pode se sentir impulsionado a dar um passo para o além, para o Transcendente. Seria o passo para a fé.
            Crer é preciso, no entanto, pensar também o é. E, pode-se dizer mais ainda: ninguém pode ser forçado a crer, mas quem não quer pensar, também não pode exigir nada do relacionamento humano, uma vez que ele não colabora com nada. Crer é graça, pensar é dever humano.

               Crer por não querer pensar é covardia; pensar para crer é heroísmo.
Pe. Mário Fernando Glaab

www.marioglaab.blogspot.com.br