A
IGREJA PERDIDA NO MUNDO
A Igreja, desde seu início até hoje, consciente da ordem
recebida de seu Mestre e Senhor, de levar a todos a Boa Nova da Salvação,
sempre enfrentou desafios dos mais diversos tipos. Na sua prática, acertou ou
errou; mais ou menos. Isto pode ser considerado normal. O importante é que ela continuou
sua missão pelos séculos afora. Também hoje, e talvez mais ainda em nossos dias
que no passado, ela enfrenta incompreensões, ataques e até perseguições dos
mais diversos segmentos da sociedade, até mesmo de alguns da sua hierarquia.
Questões
atuais
O ano de 2017 é considerado o “ano da Reforma”, isto por
causa dos 500 anos da Reforma Protestante, encabeçada por Lutero. Este
acontecimento não passa despercebido para a Igreja Católica, pois o movimento
ecumênico a confronta diretamente com o a questão de “Igreja sempre em
reforma”.
O Papa Francisco não esconde sua preocupação com uma
Igreja que pretende ficar “trancada na sacristia”. Ele convoca, insiste e manda
a Igreja para as ruas. Não quer uma Igreja doente e mofada, mas prefere uma
Igreja que respire o ar puro (ou até poluído!) das periferias do mundo, mesmo
que isto lhe cause ferimentos, perseguições ou até o martírio. Segundo
Francisco, a Igreja deve estar em “saída” sempre.
Em países da Europa (especialmente na Alemanha), já há
alguns anos pululam debates, críticas, sugestões e apelos exigindo reformas nos
mais diferentes campos da Igreja. Sem dúvidas por trás disso estão questões
como escândalos dados por ministros, participação sempre menor das pessoas nas
liturgias, diminuição de presbíteros, falta de possibilidade de participação na
Eucaristia dominical (menos missas nas igrejas paroquiais, mas apenas
celebrações da Palavra), mudanças no cuidado pastoral devido a reunião de paróquias,
etc.
As mesmas questões que afligem países da Europa, mais
cedo ou mais tarde, estarão também entre nós e no restante do mundo, mesmo que
a América Latina conta com uma situação diferente; o mundo globalizado atinge a
todos.
A
exemplo de Jesus de Nazaré
Para que a Igreja tenha coragem e luz para enfrentar os
novos desafios dos tempos atuais e, para que realize as reformas necessárias,
também nas estruturas milenares tão difíceis de se moverem, não tem outro
jeito, a não ser olhar para a vida e a pessoa de Jesus de Nazaré, atualizando-a
para os dias de hoje.
Jesus, no seu projeto salvífico (levar a todos a Boa Nova
do Deus misericordioso), se perdeu no mundo. Não reservou nada para si. A
condenação e a cruz foram a última palavra do mundo sobre Ele. Jesus, no
entanto, se calou! O abandono foi total, até mesmo de Deus! Morreu!
Na Igreja não pode ser diferente. Ela precisa, a partir
de Jesus, ter diante dos olhos o Reino, não a si mesma. Toda a organização: a
estrutura, os planos de ação, os projetos, a formação, etc. deve estar
direcionada para o anúncio e a presença do Reino de Cristo no mundo concreto,
lá onde estão as mulheres e os homens de hoje: nas mais diversas periferias.
Isto vai trazer, com certeza, também para a Igreja a condenação e a cruz, mas é
este o caminho. O Reino é fruto de amor. Amor sem medida. Na Igreja, então, não
são as estruturas que devem ser transformadas simplesmente, mas devem ser
vistas e compreendidas em suas funções para se colocarem novamente a serviço do
verdadeiro amor. Somente esse testemunho irá impactar o mundo, pois Jesus diz:
“Se vos amardes uns aos outros, nisso todos reconhecerão que sois meus
discípulos” (Jo 13,35). Esta atitude da Igreja, a exemplo de Cristo, é reflexo
espontâneo, não forjado, de diversas atitudes de renúncia abnegada,
prefigurando o abandono de Cristo. A Igreja, também crucificada, perdendo-se no
mundo.
Há momentos em que a Igreja também precisa calar diante
das incompreensões e ataques do mundo, como Cristo calou diante da cruz; mas
por outro lado, assim como Cristo falou e até gritou, a Igreja jamais pode
prescindir de falar e de ter seu profetas. Suplicar a Cristo ou aos seus santos
que salvem a Igreja de seus adversários, pode ser bom, mas que estas súplicas
contenham algo de compromisso, algo de corajoso abandono. Nada na Igreja é mais
fecundo e transformador que a presença de uma autêntica santidade e profecia.
Perder
para ganhar
Os desafios estão na Europa, estão no mundo, estão aqui; como
a Igreja os deve enfrenta-los?
Talvez seja mais necessário hoje do que nunca, a Igreja
se conscientizar de que ela não é mais o centro modelador da sociedade
secularizada. Aparecer diante do mundo se auto incensando pode ser muito
prejudicial. O ministros que gostam de se pavonear, vestir as couraças do poder
e até desejosos de dominar a marcha da economia e da política mundial estão na
contramão do Reino. Alguém já dizia com sabedoria: “Não é pedido a nós vencer,
mas resistir” (Clodel), o resto se deixa para a Providência.
Que a resistência e o trabalho da Igreja em todas as
situações, seja com simplicidade, com inteligência, com sabedoria, sobretudo
com a impotência da morte (perda, abandono), desde a qual ela pode dar o mais
potente testemunho do amor que vem de Deus. “O mundo luta pelo bem-estar, a
Igreja luta pela salvação, mesmo quando trabalham juntos pela superação da
miséria” (H. U. von Balthasar).
A Igreja, perdida e abandonada no mundo, entrega-se toda
na fé e na esperança, pois sabe que antes dela alguém já venceu o mundo: morreu
mas ressuscitou!
Pe. Mário Fernando Glaab
www.marioglaab.blogspot.com