QUARESMA:
TEMPO DE VOLTAR PARA DEUS E PARA O IRMÃO
Não resta dúvida que nós, seres humanos, estamos sempre
em tensão entre o bem e o mal. Enquanto estivermos nesta terra, a luta
continua. Na história há luzes e sombras, e ninguém de nós é só portador de bem;
acompanha-o sempre a sombra do mal. E por isso, necessitamos momentos fortes
que nos facilitem o retorno para o bem: para Deus e para o irmão. A quaresma é
um tempo especial para esta conversão.
Opção
consciente pelos valores do Reino
Para os cristãos a conversão consiste em optar pelo Reino
de Deus, anunciado e inaugurado por Jesus de Nazaré. Este é o Bem por excelência:
Deus com o seu povo. Conversão é uma opção consciente para a bondade, para a
luz e para a graça; coisas que apontam para a plenitude. Isso já se realizou
plenamente em Jesus. Contudo, em nós o reino do pecado ainda tem os seus
poderes nefastos. Precisamos nos colocar do lado de quem o venceu para sermos
igualmente vencedores com ele. Estar do lado de Jesus e do Reino de Deus
implica em ser parecido com ele, em sair de si e estar diante de Deus que vai
ao encontro de todas as suas criaturas, principalmente dos mais pobres e
vulneráveis. Optar pelo Reino é optar pelo irmão. A fraternidade é o grande
valor do Reino. Não é possível conversão sem fraternidade! “Onde está o teu
irmão?”.
Quanto mais fraternos formos, mais críticas e
incompreensões teremos. Basta olhar para o Homem de Nazaré. Ele que só quis o
bem, sucumbiu à sanha do mal. Enfrentou dois processos: o religioso e o
político. Foi condenado por ambos! Porém, não se furtou dos valores que
defendia; e defendeu até o momento derradeiro. Hoje não é muito diferente. Quem
pretende ser como Jesus de Nazaré será incompreendido (e perseguido) por
muitos, até por autoridades políticas e religiosas. Quaresma é um tempo para se
pensar nisso à luz da Palavra de Deus, da própria Palavra feito carne, Jesus, o
Cristo. Ele tem muito a nos ensinar.
Aceitar
os limites
As horas, os dias e os anos passam. Sempre de novo
ouvimos dizer que é preciso mudança de vida, dizer não ao mal e dizer sim ao
bem: se converter. Mais uma quaresma, mais uma Campanha da Fraternidade, como
tantas outras. No entanto, tem-se a impressão de que o antirreino ainda surge
mais forte. Percebemos que, apesar de tantas iniciativas, ainda não conseguimos
nos desvencilhar totalmente das maldades. Somos tão limitados e, diante das
tentações, frequentemente cedemos.
É necessário aceitar os limites de nossa condição humana.
Lutar com perseverança, sem nunca desistir. Como fez Jesus? Aos terríveis
sofrimentos físicos se somaram os espirituais: a tentação do desespero. O Pai
parecia estar longe: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34).
Porém, ele se entregou ao Mistério. Não entendeu mais nada! O Abba não responde! Onde este Ele agora?!
Todavia, se entrega: “Dando um grande grito, Jesus expirou” (Mc 15,37). Mesmo
morrendo a pior de todas as mortes, ele continua a confiar em Deus.
Jesus aceitou todos os limites, o sofrimento e o abandono
total, desceu até o inferno do abandono de Deus, seu Pai. Não deixou de
confiar. Cabe a nós contemplar este trágico espetáculo, assumir a causa de
Jesus, e, confiar até o último instante. Os limites nossos, de nosso próximo,
da natureza e dos acontecimentos da história certamente nos desafiarão. Seremos
tentados por todos os lados. Mas se continuarmos a caminhada no seguimento do
Divino Mestre, com toda certeza, haveremos de ver a vitória da Ressurreição.
Mesmo que a vida nos prepare amargas surpresas, se nos mergulhar na escuridão,
se não sentirmos mais a palma da mão de Deus, ou até perguntarmos “Deus existe
de fato?”, ainda poderemos e devemos confiar, pois são os limites que nos
afligem, mas que não são mais fortes que o amor de Deus.
Quaresma
com Jesus e com o Irmão
Então, não faz nenhum sentido se preocupar com isso e com
aquilo, se pode fazer ou não fazer certas coisas durante a quaresma; se tudo
isso não for em vista do retorno a Deus e ao Irmão.
No dia a dia ninguém está livre da tormentosa travessia
pelo “vale de lágrimas”. Porém, o cristão sempre tem diante dos olhos a vida, a
paixão, morte e a ressurreição de Jesus Cristo; e esta lhe dá coragem para
avançar rumo aos valores do Reino. A consciência disso se reaviva na quaresma,
enriquecida entre nós pela feliz iniciativa da Campanha da Fraternidade.
Em palavras bem simples, conversão é um voltar para Deus
e para o Irmão: pensar com Jesus, sofrer com Jesus, suportar a escuridão com
Jesus, sentir o abandono com Jesus, descer até a última solidão da alma com
Jesus. Aí perseverar e esperar que alguma luz venha de algum lugar que só Deus
conhece. Perseverando nessa travessia conheceremos o destino último de Jesus: a
irrupção de um sol que não conhecerá mais ocaso, uma vida nunca mais ameaçada
pelo sopro da morte. Saberemos o que significa Ressurreição.
Pe. Mário Fernando Glaab
Nenhum comentário:
Postar um comentário