sábado, 2 de março de 2019

Conversão Quaresmal.


QUARESMA: TEMPO DE VOLTAR PARA DEUS E PARA O IRMÃO

            Não resta dúvida que nós, seres humanos, estamos sempre em tensão entre o bem e o mal. Enquanto estivermos nesta terra, a luta continua. Na história há luzes e sombras, e ninguém de nós é só portador de bem; acompanha-o sempre a sombra do mal. E por isso, necessitamos momentos fortes que nos facilitem o retorno para o bem: para Deus e para o irmão. A quaresma é um tempo especial para esta conversão.

Opção consciente pelos valores do Reino
            Para os cristãos a conversão consiste em optar pelo Reino de Deus, anunciado e inaugurado por Jesus de Nazaré. Este é o Bem por excelência: Deus com o seu povo. Conversão é uma opção consciente para a bondade, para a luz e para a graça; coisas que apontam para a plenitude. Isso já se realizou plenamente em Jesus. Contudo, em nós o reino do pecado ainda tem os seus poderes nefastos. Precisamos nos colocar do lado de quem o venceu para sermos igualmente vencedores com ele. Estar do lado de Jesus e do Reino de Deus implica em ser parecido com ele, em sair de si e estar diante de Deus que vai ao encontro de todas as suas criaturas, principalmente dos mais pobres e vulneráveis. Optar pelo Reino é optar pelo irmão. A fraternidade é o grande valor do Reino. Não é possível conversão sem fraternidade! “Onde está o teu irmão?”.
            Quanto mais fraternos formos, mais críticas e incompreensões teremos. Basta olhar para o Homem de Nazaré. Ele que só quis o bem, sucumbiu à sanha do mal. Enfrentou dois processos: o religioso e o político. Foi condenado por ambos! Porém, não se furtou dos valores que defendia; e defendeu até o momento derradeiro. Hoje não é muito diferente. Quem pretende ser como Jesus de Nazaré será incompreendido (e perseguido) por muitos, até por autoridades políticas e religiosas. Quaresma é um tempo para se pensar nisso à luz da Palavra de Deus, da própria Palavra feito carne, Jesus, o Cristo. Ele tem muito a nos ensinar.

Aceitar os limites
            As horas, os dias e os anos passam. Sempre de novo ouvimos dizer que é preciso mudança de vida, dizer não ao mal e dizer sim ao bem: se converter. Mais uma quaresma, mais uma Campanha da Fraternidade, como tantas outras. No entanto, tem-se a impressão de que o antirreino ainda surge mais forte. Percebemos que, apesar de tantas iniciativas, ainda não conseguimos nos desvencilhar totalmente das maldades. Somos tão limitados e, diante das tentações, frequentemente cedemos.
            É necessário aceitar os limites de nossa condição humana. Lutar com perseverança, sem nunca desistir. Como fez Jesus? Aos terríveis sofrimentos físicos se somaram os espirituais: a tentação do desespero. O Pai parecia estar longe: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34). Porém, ele se entregou ao Mistério. Não entendeu mais nada! O Abba não responde! Onde este Ele agora?! Todavia, se entrega: “Dando um grande grito, Jesus expirou” (Mc 15,37). Mesmo morrendo a pior de todas as mortes, ele continua a confiar em Deus.
            Jesus aceitou todos os limites, o sofrimento e o abandono total, desceu até o inferno do abandono de Deus, seu Pai. Não deixou de confiar. Cabe a nós contemplar este trágico espetáculo, assumir a causa de Jesus, e, confiar até o último instante. Os limites nossos, de nosso próximo, da natureza e dos acontecimentos da história certamente nos desafiarão. Seremos tentados por todos os lados. Mas se continuarmos a caminhada no seguimento do Divino Mestre, com toda certeza, haveremos de ver a vitória da Ressurreição. Mesmo que a vida nos prepare amargas surpresas, se nos mergulhar na escuridão, se não sentirmos mais a palma da mão de Deus, ou até perguntarmos “Deus existe de fato?”, ainda poderemos e devemos confiar, pois são os limites que nos afligem, mas que não são mais fortes que o amor de Deus.

Quaresma com Jesus e com o Irmão
            Então, não faz nenhum sentido se preocupar com isso e com aquilo, se pode fazer ou não fazer certas coisas durante a quaresma; se tudo isso não for em vista do retorno a Deus e ao Irmão.
            No dia a dia ninguém está livre da tormentosa travessia pelo “vale de lágrimas”. Porém, o cristão sempre tem diante dos olhos a vida, a paixão, morte e a ressurreição de Jesus Cristo; e esta lhe dá coragem para avançar rumo aos valores do Reino. A consciência disso se reaviva na quaresma, enriquecida entre nós pela feliz iniciativa da Campanha da Fraternidade.
            Em palavras bem simples, conversão é um voltar para Deus e para o Irmão: pensar com Jesus, sofrer com Jesus, suportar a escuridão com Jesus, sentir o abandono com Jesus, descer até a última solidão da alma com Jesus. Aí perseverar e esperar que alguma luz venha de algum lugar que só Deus conhece. Perseverando nessa travessia conheceremos o destino último de Jesus: a irrupção de um sol que não conhecerá mais ocaso, uma vida nunca mais ameaçada pelo sopro da morte. Saberemos o que significa Ressurreição.
Pe. Mário Fernando Glaab

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