Os
pobres incomodam!
No seu primeiro inverno na Região Sul, Dom Walter Jorge
ao experimentar o nosso frio, retomou uma pergunta de Dom Luciano Mendes, que
questionava: “Onde estão dormindo os pobres?” (Gustavo Gutiérrez já perguntava “Onde dormirão os Pobres?” em
1996). O Bispo chamou a atenção de todos
para que ninguém ficasse alheio à situação das pessoas que não têm o suficiente
para se abrigar nas noites frias de nosso inverno. Pretendo continuar a
reflexão.
Primeiramente gostaria de perguntar, por que alguém é
pobre? Será que é assim mesmo; Deus quis que alguns nascessem ricos e outros
pobres? Sem entrar em questões sociológicas, e, partindo do pouco que sabemos
de Deus pela nossa fé, devemos admitir que não pode ser assim. Deus não pode
fazer acepção entre seus filhos: uns abastados, outros carentes. Devem existir
outras causas.
Deixando de lado o emaranhado de explicações dos porquês,
os teólogos da libertação afirmam com convicção que na verdade não existem
pobres, mas empobrecidos. Quer dizer, se alguns têm demais, outros têm de
menos. E isto significa que ninguém é pobre por natureza, mas é empobrecido. E
cada vez que o empobrecido aparece, ele incomoda, uma vez que sua simples
existência é um clamor de justiça e pergunta sobre o Deus que cria por amor.
A
sociedade se faz surda
Só existe quem é
ouvido. A sociedade faz tudo para não ouvir os empobrecidos: tira-lhes a voz
para que “não existam”. Pior ainda, nos últimos tempos assiste-se a uma onda de
ódio contra os pobres, pois eles incomodam os ricos, querem se apossar dos seus
direitos. Nada melhor do que colocar a culpa sobre as vítimas, os empobrecidos.
Esta mentalidade os exclui por completo. Eles são a escória da humanidade,
precisam ser esquecidos. Os direitos sociais são rejeitados, pois tiram dos
ricos para dar aos pobres. Os ricos mereceram, enquanto os pobres são culpados
de sua desgraça e mesmo assim querem ter direitos! Odiá-los é o melhor meio de
abafar sua voz. Aliás, os pobres por si não têm voz. Quem grita por eles?
O pobre dificilmente consegue gritar; não sabe expressar
a sua dor, sua carência. Ele não tem palavras, e nem sabe que é um empobrecido
que precisa clamar. Aqueles que querem interpretar sua dor, geralmente falham.
Pois olhar de fora não é a mesma coisa do que ser um deles.
Mas, e por que o pobre é odiado? Porque incomoda! Não
ouvi-lo é não existir para o pobre.
Deus
é o “Sou”
Deus ouviu e ouve o grito dos pobres. Seu Espírito
(chamado Pai dos Pobres) é que grita, é quem dá forças para os pobres clamarem.
Porém, ouve a voz do Espírito somente aquele que entende do Espírito. Quem não
se abre ao Espírito não consegue ouvir sua voz.
Deus é o “Sou” porque ouve a voz do Espírito no
empobrecido. Ele desce para libertá-lo. E mais, ele vem pessoalmente em Jesus
para salvá-lo. Justamente por isso, este Deus de Jesus é odiado, também hoje.
Cada vez que se despreza um irmão mais pequeno (empobrecido) é Jesus que é
desprezado e odiado. Ele continua sendo julgado, condenado e crucificado. O importante
é colocar a culpa nele! Ele é vítima, pois sua maneira de ser é uma blasfêmia
diante de Deus: como pode se misturar com esta gente de má índole? Todavia,
quanto mais ele é rejeitado, tanto mais ele incomoda.
Porém, para quem sabe ouvir a voz do Espírito, este Jesus
odiado e rejeitado pelos ricos é o Deus verdadeiro; aquele que “é”. Pois, é
este que ouve e se identifica com o mais humilde de todos os seres humanos. Ele
não observa de fora, mas é um deles. Muitos não ouvem a sua voz porque não têm
o Espírito em si.
Mesmo que a
mentalidade neoliberal faz tudo para que os sem voz sejam esquecidos, que sejam
“não existentes”, os verdadeiros cristãos – seguidores de Cristo Jesus – devem
lhes dar ouvidos, tornando-se assim eles, como Deus, “existentes”, e por sua
vez, dando voz ao clamor do Espírito no empobrecido, que quer renovar a face da
terra. Somente nesta renovação haverá vida para todos, e todos terão vez e voz.
Não tenhamos medo de ir onde dormem os pobres, mesmo que
a noite seja fria e eles sejam difamados pelos que tem demais. Eles incomodam,
sim; mas Jesus de Nazaré também incomodou. Por isso foi pregado na cruz. E
ressuscitou!
Pe. Mário Fernando Glaab
Nenhum comentário:
Postar um comentário