NATAL: JESUS ENTRE OS ÚLTIMOS
Pe. Mário Fernando Glaab
Cada ano se
repete o dia do Natal. Para alguns ele é aguardado, para outros nem tanto. Para
os cristãos o Natal tem significado todo especial. É a comemoração na qual
fazem memória da presença humana de Deus no mundo e com o mundo, desde que
Jesus nasceu até hoje e pelos séculos futuros. Cada cristão, além de reavivar a
fé na presença de Deus no mundo, sente-se desafiado a levar essa notícia para
todos os que ainda não creem nela. Deve compartilhar o Natal.
Pergunta-se, no
entanto, se o homem de hoje ainda se deixa impressionar pelo discurso
tradicional que partia das verdades dogmáticas ensinadas durante muitos
séculos, quando a visão do mundo era muito diferente de como é agora. Para o
mundo hodierno, onde as pessoas estão envoltas em intermináveis questões de
ordem social, moral, religiosa, política, econômica etc., ainda tem sentido
dizer que o Deus eterno e todo-poderoso deixou o céu para, em Cristo Jesus,
trazer a salvação ao ser humano? Falar isso para quem não conhece Deus, para
quem só conhece dor, decepção, vícios, drogas; para quem não experimenta o
calor da família, para quem não sente apoio e carinho de uma comunidade; para
quem só sabe que no mundo existe roubalheira, exploração, corrupção, traição,
injustiça, ou que vê as igrejas se digladiando entre si tentando atrair mais
fiéis, prometendo resolver todos os problemas em troca de pesados dízimos, tem
algum sentido? Anunciar para meninos de rua, para jovens drogados, para
famílias separadas, para idosos abandonados, para pobres sem esperança, que
esse Cristo nascido em Belém há dois mil anos expulsou demônios e que ele pode
milagrosamente solucionar tudo isso, tem sentido? Mesmo que as igrejas estejam
cheias de fiéis, estejam iluminadas e bastante enfeitadas, mesmo que nas casas
se destaquem papais-noéis, as músicas soem por todos os lados, a mensagem
natalina não será entendida e menos ainda, acolhida por esse mundo que tanto
precisa dela. Que fazer?
A verdade a ser
celebrada e anunciada é sempre a mesma: Deus está conosco, está em nosso mundo,
junto a todo ser humano. Ele veio para ficar. Ele é o Deus-Conosco: Jesus
Cristo, o Salvador e, ele quer atrair todos a si. Tem palavras de salvação para
todos, a começar pelos mais necessitados, os pobres de todos os rostos. A
questão toda está em atualizar esta verdade para o tempo e o espaço que é o
nosso. Levar a mensagem para fora dos templos, para as casas, para as ruas,
para as cidades e para os campos, lá onde a maioria das pessoas está. Pouco
resolve dizer para quem se encontra em situação de extrema necessidade que Deus
o ama e que ele deve ser procurado na igreja no dia do Natal. Isso vira afronta
desrespeitosa do miserável!
A proposta mais
viável talvez seja a de seguir os mesmos passos que os evangelhos de Mateus e
de Lucas dão ao falar do nascimento e da vida pública de Jesus de Nazaré. Eles
não usam altas teologias para falar do mistério, mas, na simplicidade falam do
nascimento de um menino que não teve onde nascer; apresentam seus pais na mais
conflituosa situação, diante de Deus, da religião e das pessoas; falam da vida
desse homem que, quando crescido, soube se colocar em favor da vida dos mais
miseráveis, daqueles dos quais ninguém mais confiava, dos rejeitados por Deus e
pelos observadores das leis religiosas. E o fez a tal ponto de enfrentar todos
os obstáculos que encontrou até as últimas consequências: deu literalmente a
sua vida por essa causa. Foi condenado à cruz em meio a esses miseráveis. O fez
para que todos tenham vida; entendendo vida em dignidade e em plenitude. Os
evangelistas chamam esse sonho-realidade de Reino de Deus.
Proposta atual
Para que esse
anúncio natalino seja atual para o homem e mulher de nossos dias e de nossa
sociedade ele precisa de inserção na vida de cada um deles. Descer o anúncio
das torres das igrejas, dos mercados, das lojas, das árvores enfeitadas. Os
evangelistas fizeram-no em seu tempo, a Igreja ao longo dos séculos tentou
fazê-lo, hoje os cristãos também precisam encontrar o jeito. Em paralelo aos
relatos bíblicos, hoje se pode chamar a atenção sobre o casal, José e Maria,
que em situação irregular não abandona a missão de pai e de mãe, mesmo que o
mundo os emplaca de atrasados. José que não deixa sua noiva quando ela aparece
grávida – não dele –, aparece com muita atualidade; Maria que aceita a vida em
seu seio, mesmo não sabendo onde isso a iria levar, é mais do que atual!
Quantas jovens mães solteiras passam por situações semelhantes? Quantos moços,
quando ficam sabendo que a moça com quem “ficaram” está grávida, são tentados a
sumir? O desprezo que o casal experimenta por ser pobre, a perseguição, o
trabalho duro, tudo pode lembrar casos e mais casos bem atuais. Essa história,
por ser tão atual, não deve ser contada como do passado, mas anunciada como a
realidade presente hoje. É a vida de cada um e de cada uma, por pior que possa
parecer. Nessa realidade, nua e crua, é preciso dizer que “Deus está conosco”.
O anúncio se torna presença somente lá onde o cristão o pratica. Assim como Jesus,
como José e Maria, o cristão deve se tornar anunciador da boa notícia para os
“pastores” de hoje. Deve estar lá onde eles estão, compartilhando de suas
vidas, compartilhando os seus problemas; ajudando-os a vencer os demônios que
os possuem, anunciando-lhes o perdão dos pecados e prometendo-lhes vida nova
com muita esperança no Pai que instaura constantemente o seu Reino neste mundo.
Ao mistério de Deus por
outro caminho
Com essa
proposta não se nega em nada o mistério de Deus entre nós que se celebra no
Natal. Quer-se apenas chegar a ele por outro caminho, pelo caminho dos que
ocupam o primeiro lugar no Reino anunciado e vivido por Jesus: pelo caminho dos
pobres, enganados e abandonados. Ao experimentar com eles e neles um pouco do
verdadeiro amor, chega-se, sem dúvida, ao que é central no mistério do Natal e
de Jesus, ao Amor infinito de Deus presente no mundo. Se o mundo já não
consegue mais entender discursos dogmáticos e abstratos sobre Deus, sobre o seu
poder e sobre a moral cristã, ainda pode entender e aceitar a linguagem do amor
vivido e compartilhado na verdade e na pureza do coração. Por esse caminho
talvez seja possível chegar e levar ao Deus que é Pai, que é Filho e nosso
irmão, que é Espírito porque está presente em todos os lugares. Também os que
não estão no mundo do consumismo estão nesse caminho. Podemos até dizer que
eles são o caminho mais seguro para se chegar ao mistério do Natal.
Celebremos
Jesus que nasce em nossos templos com cantos, orações e muita festa, mas não
deixemos de senti-lo e compartilhá-lo junto aos desvalidos da sociedade. É sem
dúvida lá que ele renasce com mais intensidade, pois onde está um necessitado,
lá ele está entre nós. Caso não o buscarmos e o encontrarmos lá, entre os
“pastores” de hoje, os excluídos e espoliados da sociedade, provavelmente
também não o encontraremos em nossos templos.