quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Viver hoje na caridade.


NOSTALGIAS E SONHOS

            Quem de nós nunca sentiu saudades dos tempos de criança, de outras épocas, de outras situações? Ainda mais quando já se tem uma certa idade, alguns anos a mais de vida; para não falar somente dos idosos. Igualmente podemos perguntar quem de nós nunca sentiu saudades do futuro; quem nunca sonhou com uma realidade diferente da que está vivendo? Também mais intenso em pessoas que já estão “cansadas” dos desafios do hoje de cada dia. São as nostalgias e os sonhos, que não são reais; apesar de sua imensa influência na vida de qualquer um, tanto maiores quanto mais distante da vida real.

Viver no passado
            É bem mais cômodo viver no passado que no presente. Além de se criar para o passado uma espécie de tempo perfeito; reprova-se o tempo presente. Hoje as coisas são ruins. É uma maneira de se estar acomodado e nada fazer para contribuir na caminhada que deve continuar. Justifica-se a própria atitude de não-colaboração, com louvores aos tempos passados e críticas negativas aos tempos atuais. Saudades do passado e reprovação do presente.
            Essa forma de viver não é boa em qualquer relacionamento humano, mas ela tem consequências enormes quando atinge a espiritualidade ou a vida religiosa das pessoas. Existe um voltar ao passado nos costumes de rezar, de se vestir, de falar e, até de se comportar como se fazia há cinquenta ou sessenta anos atrás na Igreja: tempos pré-conciliares ou imediatamente pós-conciliares. Pergunta-se: será que naquele tempo tudo estava certo e hoje não está mais? Será que os costumes de então eram os ideais? Mas eles não eram também frutos de uma determinada cultura?

Viver no futuro
            Outra tentação que desloca da realidade do presente é sonhar com um futuro perfeito, mas que não tem suas raízes no presente. Procura-se fugir do agora que não é bom. Quanto menos sujar as mãos hoje, tanto mais se aproxima desse futuro sonhado. Na expressão popular se diz “viver no mundo da lua”. A lua está hoje tão brilhante e grande, porque está cheia, mas em alguns dias ela não brilha e nem aparece, pois está em sua fase minguante. Contudo, certas pessoas sonham, sonham, mas nunca acordam.
            Também esta forma de viver não é boa, principalmente quando atinge certas espiritualidades. É importante esclarecer que estes sonhos não têm nada de haver com esperança; que é uma virtude essencial na vida cristã.  Viver no futuro significa deixar o presente, a situação do aqui e agora, de lado. Não sujar as mãos nas poeiras da caminhada.

Viver no presente
            Viver no presente – isto vale para todas as idades – consiste em juntar o passado e o futuro para o aqui e o agora. É contar com a experiência própria e de outros, sonhar com o sucesso e com a graça de Deus, mas fazer tudo o que estiver ao alcance hoje, nem que seja difícil. É atualizar o que se crê e antecipar o que se espera na caridade concretamente vivida.
            Não basta querer viver da história, mas é preciso viver na história; não basta sonhar com o futuro, mas é preciso antecipar o futuro na vida que se tem hoje. É neste hoje que o Espírito de Deus se manifesta e se revela, assim como se manifestou no passado e irá se manifestar no futuro; tudo no seu devido momento e com as devidas pessoas. Hoje é a nossa vez de acolhê-lo.

O hoje do pobre
            O pobre – qualquer tipo de pobre – não tem muitas nostalgias e sonhos. Ele, geralmente, tem fé e esperança que vive na caridade. Caridade para com Deus, para com o seu semelhante e para com o meio onde está. Ele tem saudades do quê? Sonha com o quê? Talvez tem saudades dos momentos em que sentiu o amor de Deus mais perto através de gestos humanos que pôde experimentar; talvez sonha em se encontrar com o Deus justo que lhe perdoe suas fraquezas e o coloque em um bom lugar. Nada que vai muito além disso.
            Todavia, tudo isso ele tenta expressar hoje com o seu jeito de ser e de cultuar. Ele tem seus próprios ritos, sua própria maneira de sobreviver. Não tem as mínimas condições de observar o que as instituições exigem, nem mesmo o que os cânones da Igreja dizem. Ele faz do jeito como sabe e como pode. Isto não quer dizer que o pobre não tenha seus ritos e suas formas de expressar sua religião. Alguém disse que “os sacramentais são os sacramentos dos pobres”. Penso ser uma grande verdade, pois ele não possui a clareza e as condições que são exigidas para oficialmente receber os sacramentos; porém tem a intenção e a vontade que superam o que está faltando. Mas, como e em que quantidade? Só Deus é que sabe.
            Se é verdade que a história é a mestra da vida, alguém pode dizer que o pobre, por não ter saudades do passado e nem sonhar com o futuro, tem pouco a aprender com ela. Mas, talvez não seja assim, uma vez que para o pobre a história se concentra no presente, no hoje de suas preocupações. É neste presente que ele aprende continuamente. É no presente que ele experimenta o tempo, na fé, na esperança e na caridade. Assim como também a Igreja é fruto do tempo, e que sempre precisa se atualizar, fazer-se hoje; assim também o pobre traz a sua história, o seu tempo para hoje, e o vive com todo o seu ser.
            Que todas as nostalgias e todos os sonhos se tornem realidade hoje para nós. É este o tempo que Deus nos dá; é este o tempo no qual precisamos reviver o passado, preparar o futuro, contudo vive-lo intensamente hoje no amor compromissado com Deus, com o próximo (mais necessitado) e com o meio que nos circunda. Nada de nostalgias e de sonhos, mas pés no chão!
Pe. Mário Fernando Glaab.

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