quarta-feira, 27 de maio de 2020

Pregar como Jesus pregou.


FALAR COM AUTORIDADE

            Conforme os evangelhos, as pessoas ficavam admiradas com os ensinamentos do Divino Mestre, pois eles diziam: “ensinava como quem tem autoridade e não como os doutores da Lei” (Mc 1,22). Mas, será que Jesus tinha mais preparo que os tais doutores? Donde lhe vinha essa autoridade para maravilhar o povo? Muito mais que examinar, por curiosidade, o que de fato aconteceu naquele contexto, fazemo-nos estas perguntas para que as respostas sejam úteis a nós e aos pregadores de hoje. Como deve ser a pregação para que tenha autoridade e atraia também hoje as pessoas, chame a atenção principalmente dos pobres, dos excluídos, e dos necessitados de todo tipo, que são os que hoje aguardam a Boa Notícia de Deus, rico em misericórdia?

Indiferença?
            Diante de tantas palavras ditas ao vento por uma multidão de pregadores; pregadores dos mais variados tipos, tem-se a impressão que a maioria das pessoas fica indiferente. As mensagens são tantas que não chamam mais a atenção. Tantas vozes e tantos apelos que se misturam e confundem, e isto dos mais diversos modos. Diretamente, corpo a corpo, nos púlpitos, nas praças, na mídia, nos meios de comunicação, de dia, de noite, aos domingos e durante a semana. Conforme, chegam até a perturbar o sossego. Os métodos usados também são os mais variados possíveis, alguns bem sofisticados, outros nem tanto.
            Seria este o motivo da indiferença? Mas, será que de fato reina indiferença na maioria do povo quando o assunto é pregação religiosa ou evangélica? Como se explica que alguns pregadores, mesmo não tendo preparo sofisticado, atraem multidões, apesar de frequentemente ser por pouco tempo? Questões a serem pensadas.
            Não dá para esquecer que existe muito anúncio tendencioso e até falso. Isto sempre houve, mas hoje parece ser mais perceptível, são as famosas fake News, que enganam facilmente os mais incautos. No entanto, entre os ouvintes há atitudes bem variadas. Uns peneiram com cuidado para dar atenção ao que de fato lhes pode trazer algum bem, outros vão atrás do que querem ouvir; aquilo que os justifica no seu jeito de viver. Estes últimos procuram a sua própria verdade, não interessa se é ou não verdade. E há os que se fazem surdos a tudo.

Autoridade do Mestre
            Jesus era verdadeiramente mestre. E, ele era diferente dos mestres da Lei. Mas o que o diferenciava deles? Eles tomavam como argumento a Lei e sabiam argumentar citando os pais (patriarcas, profetas, legisladores). Jesus, na verdade, não fazia assim. Ele repetidas vezes diz: “Eu, porém, vos digo...” Donde lhe vinha esta autoridade?
            Jesus falava daquilo que tinha em seu coração, aquilo que era a sua vida. Falando de Deus, seu Pai, ou do Reino de Deus, ele não se apoiava no que outros disseram, mas o que ele próprio experimentava e vivia. Era a sua experiência de Filho e de possuidor do Reino de Deus. Identificava-se com o que dizia. Vivenciava o que pregava. Observando a pregação e os gestos de Jesus, pode-se dizer que ele fala com autoridade não por citar as palavras das autoridades ou concordar com elas, mas sim pelo fato de a sua palavra ter raiz no coração, onde se encontra com seu Pai.
            Claro que Jesus não agradou a todos. Alguns se opunham à sua pregação procurando desmoralizá-lo. Porém, talvez seja justamente aí que está a questão da autoridade. As palavras de Jesus e seu modo de ser perturbavam. Os mais humildes, pobres e puros viam nele a ação de Deus; os orgulhosos, os ricos e os contaminados pela maldade viam nele alguém que os desmascarava. A autoridade de Jesus incomodava.
            Também hoje, certos pregadores não chamam a atenção por não terem nem autoridade e nem jeito: falam para as paredes; outros pregam com artimanhas e vão ao encontro do que as pessoas querem ouvir, enganam seus ouvintes, e estes lhes dão ouvidos motivados por interesses particulares. Neste caso, dá para questionar as intenções, tanto dos pregadores quanto dos ouvintes. Porém, existem também hoje pregadores que, como o Divino Mestre, falam do que têm no coração. Sua autoridade é sua experiência e sua vivência dos valores do Reino de Deus. Igualmente estão aí os ouvintes – agora fiéis – que sintonizam, não primeiramente, com o pregador, mas com o Mestre. Esta é a verdadeira autoridade no falar e no ouvir.
            Portanto, diante de muitas ofertas e tanta indiferença, fica o desafio para quem se sente chamado à pregação, assim como para todo aquele que quer ouvir o que Deus tem a dizer, para que purifiquem seus corações de intenções espúrias, de interesses egoístas, do desejo de tirar vantagens da Palavra e da vontade de Deus. Ouvir vivendo, vivendo pregando; tudo a partir do coração e para o coração, onde mora Deus.
Pe. Mário Frenando Glaab.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

A vida vence a morte.


O AMOR NÃO SE PERDE

            É próprio do cristão acreditar na força do amor. Um grande teólogo, ao observar a falta de esperança em muitos cristãos, perguntava: “Acaso não sabemos que não existe amor que se perde?”, e continuava afirmando, “Sabemos pela nossa fé que o que o amor construiu não será destruído pelos obstáculos, mesmo que assim pareça. O amor que é autêntico realiza, invisivelmente, a nova terra, onde veremos, maravilhados, a construção daquilo que aqui nos parecia fracassar” (J. L. Segundo). Ao afirmar que nenhum amor se perde, diz-se, em outras palavras, que Jesus de Nazaré morreu e ressuscitou. Ou ainda, que Deus enviou ao mundo seu Filho para anunciar-lhe a Boa Notícia de que a vida vence sobre a morte.

O amor renova tudo
            No mundo existe a força das armas, do ódio, da corrupção e da injustiça. O amor, em contrapartida, parece tão frágil, por vezes é engolido nas artimanhas da violência. Os homens de boa vontade, entre eles os cristãos, são provados e desafiados duramente. Caso não estiverem bem fundamentados na fé e na esperança, chegam a pensar que suas ações realizadas no amor e pelo amor estão perdidas para sempre. Podem achar que diante da onda do mal, o bem se perde irreparavelmente. Foi assim que terminou a vida terrena de Jesus. O Pai não tirou seu Filho da cruz. Ele morreu gritando. Onde foi parar toda a sua vida de doação? Todo amor que teve para o Pai e para os semelhantes? Teria se perdido? Nesse exato momento somente a fé pode iluminar: “Pai, em tuas mãos entrego o meu Espírito”. Fé até as últimas consequências que abre uma brecha para luz da esperança. “A esperança não decepciona”: Jesus ressuscitou. Está vivo e distribui vida e esperança para todas as vítimas do mundo e da história. A partir da vitória do amor, pode-se afirmar, com certeza, que nada do que é amor verdadeiro se perde. O amor ressuscita na nova terra, mesmo que agora não seja possível enxergá-lo. Por mais pisoteado que tenha sido, ele não se perdeu.
            Existem pessoas, tanto cristãs como não-cristãs, que, seguindo a sua fé, vivem o amor no maior esquecimento do mundo. O mundo nem sabe que eles existem e amam. Seus feitos não aparecem nem nos jornais, nem nas igrejas. São desconhecidos e, parece que não conseguem transformar nada. Os efeitos do mal os abafam completamente. Os cristãos (os não-cristãos têm os seus caminhos próprios) alimentam, no entanto, no mistério de Jesus, morto e ressuscitado, a esperança que se faz definitiva. Ela, a esperança revelada pela páscoa de Jesus, constitui-se o centro da sabedoria cristã. Sabedoria esta que é preciso levar para o homem de hoje, estabelecendo com ele uma relação dialogal. Pois, em todo ser humano há o desejo do bem, mas talvez ainda não tivesse oportunidade para se confrontar com a grande revelação de Deus em Jesus Cristo. Os cristãos, ao dialogar com qualquer ser humano, querem aprender dele e colaborar com ele. Quem sabe, no diálogo sincero, tanto um como o outro, podem experimentar autêntico amor, e assim, na esperança, antecipar algo de novo da terra prometida por Deus a toda criatura, onde o egoísmo não tem mais lugar.
            De fato, o amor liga tão radicalmente, que quem ama se torna dependente do amado. É isso que se experimenta no amor de Deus. Ele mesmo, por sua vez, ama tanto a sua criatura, ao ponto de se entregar totalmente por ela. Diz um poeta que o amor de Deus pelos seres humanos é tanto que “é assim que deve temer e esperar até do último dos seres humanos. É mister que espere o que quer que venha à mente do pecador”. E continua: “Nada pode fazer sem nós. O Criador depende agora de sua criatura. Aquele que é tudo... depende, espera de quem não é nada. Aquele que tudo pode, espera daquele que nada pode... porque a este se entregou inteiramente... Com toda confiança” (Ch. Péguy). Se for essa a experiência de quem ama, como se pode pensar no desaparecimento do amor? Se Deus aposta tudo, e se esse tudo ressuscita para poder continuar universalmente com todo o ser amado, isto é, com todos os homens de todos os tempos e lugares, não é possível duvidar, mesmo por menor que seja, de qualquer ato de amor. O amor não se perde, ele ressuscita. Quanto maior for a dor suportada e a injustiça da morte sofrida, tanto maior a glória da ressurreição.

O amor assume tudo.
            Se, portanto, Deus ama indistintamente a todos os seres humanos, criaturas de seu amor, nenhum gesto de amor, por mais escondido ou primitivo que seja, há de passar em branco. Os cristãos, pelo fato de terem acesso à revelação de Deus em Jesus Cristo, têm o compromisso sério de sinalizar para o mundo, aprendendo também com ele, que Deus vai até onde está a última de suas criaturas. E no diálogo com o mundo, lá onde estão os últimos, o cristão vai testemunhando e aprendendo, uma vez que Deus já está lá. Diálogo é compartilhar. Dar do que se tem e receber daquilo que o outro possui, caso contrário não é diálogo, mas monólogo, ou pior, imposição. Essa também há de ser a primeira preocupação da moral cristã: não faz sentido proibir, mas pelo contrário, o sentido da ação está na felicidade que se experimenta ao poder amar. O amor, sim, pode assumir preceitos, por mais dolorosos que forem; mas o temor, a proibição (“é pecado!”), só desumaniza. Nada de imposto pode atrair o ser humano que se sente amado, e por isso, livre. Ninguém pode obrigar ninguém a amar. Somente o ser livre pode se entregar por e com amor.
Pe. Mário Fernando Glaab.