ESCOLHER
OU OUVIR A PALAVRA
Para nós cristãos existe a Palavra e as palavras.
Entendemos como Palavra a que é de Deus, e como palavras as que são dos homens.
A Palavra de Deus é única, é verdadeira e imutável, é sempre a mesma; as
palavras dos homens são várias, limitadas e, muitas vezes mudam, conforme a
situação e o momento. Quando muito, estão no encalço da verdade, mas em si não
são a Verdade. A Verdade é somente Deus. E nós, os cristãos, cremos que esta
Verdade se manifesta plenamente em Jesus Cristo.
A
Palavra em palavras humanas
No Evangelho de João encontramos, logo no início, uma
afirmação central para a fé cristã. Ele diz: “A Palavras se fez carne e veio
morar entre nós, e nós contemplamos a sua glória, glória como do Unigênito do
Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14). É o mistério da encarnação do
Filho de Deus: Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
Jesus viveu no tempo e no espaço; há dois mil anos na
Palestina. Viveu na tradição deste povo, com seus costumes, sua cultura
religiosa e sua fé. Era a Palavra falando nas palavras do seu povo. Tudo, na
vida de Jesus de Nazaré, era manifestação de Deus, porém numa linguagem
acessível às pessoas que com ele se encontravam. Claro que, da parte de quem
com ele se encontrava, era necessário acolhida, boa vontade, que se transformava
em fé. Nem todos viam nele o mistério de Deus. Muitos não o acolheram, se
opuseram, e até o odiaram. Assim, não tiveram a graça de se encontrarem com a
Palavra, pois viram nele apenas palavras que julgavam ser falsas.
Porém, como diz João, os que o acolheram contemplaram sua
glória. Isto é, transpuseram os limites do humano para chegar ao divino. Este é
também o desafio para os discípulos de todos os tempos, também o nosso!
Saber
discernir
Estamos num mundo onde se escutam muitas palavras. É
preciso escolher as que mais nos interessam; ouvi-las e peneirá-las para ficar
com aquelas que de fato podem ser boas e úteis para nós. Isso não é tarefa
fácil, e frequentemente acontece de nos perder em tantas ofertas, tantas
escolhas que nos atordoam.
Com relação à Palavra não deve ser assim. Não devemos
colocá-la entre as muitas palavras. Apesar de usar nossas palavras (humanas),
ela é sempre a Palavra. Ela não está diante de nós como as palavras humanas que
precisam ser selecionadas. Ela exige decisão: sim ou não. Quem lhe dá seu sim,
há de levá-lo a sério, e deixar que ela o ilumine e conduza. Quem lhe dá um
não, há de ser coerente com sua escolha, no sentido de não a usar para
justificar suas intenções que são particulares.
No entanto, às vezes queremos usar da Palavra em nosso
favor. Escolhemos passagens dos evangelhos ou das Escrituras para justificar o
que já concebemos antes. Selecionamos certas passagens para justificar nossas
atitudes. Só das que gostamos. Ou então escolhemos textos para “dar uma lição”
aos outros. Isto é reprovável.
Na verdade, isso acontece porque não queremos ter a
Palavra muito perto de nós, uma vez que ela nos corrige, é exigente e propõe
conversão. Nós preferimos andar pelos nossos caminhos, usar a nossa luz ao
invés da luz da Palavra.
Aquele que de fato é discípulo da Palavra – ou quer sê-lo
– sabe ouvir. Não escolhe esta ou aquela passagem que lhe agrada. Ele acolhe a
Palavra como um todo. Deixa-se orientar por ela. Não se faz de mestre dos
outros, mas discípulo que quer compartilhar com os outros a sua experiência.
Ele se alegra por poder ouvir sempre de novo o que a Palavra tem a lhe dizer ao
coração.
Portanto, é a Palavra que possui a iniciativa, orienta e
conduz; não cabe a nós escolher o que queremos ouvir, porém estar atento ao que
o Senhor fala.
Pe. Mário Fernando Glaab.
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