sábado, 12 de dezembro de 2020

A Palavra de Deus e as palavras humanas

 

ESCOLHER OU OUVIR A PALAVRA

 

            Para nós cristãos existe a Palavra e as palavras. Entendemos como Palavra a que é de Deus, e como palavras as que são dos homens. A Palavra de Deus é única, é verdadeira e imutável, é sempre a mesma; as palavras dos homens são várias, limitadas e, muitas vezes mudam, conforme a situação e o momento. Quando muito, estão no encalço da verdade, mas em si não são a Verdade. A Verdade é somente Deus. E nós, os cristãos, cremos que esta Verdade se manifesta plenamente em Jesus Cristo.

 

A Palavra em palavras humanas

            No Evangelho de João encontramos, logo no início, uma afirmação central para a fé cristã. Ele diz: “A Palavras se fez carne e veio morar entre nós, e nós contemplamos a sua glória, glória como do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14). É o mistério da encarnação do Filho de Deus: Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.

            Jesus viveu no tempo e no espaço; há dois mil anos na Palestina. Viveu na tradição deste povo, com seus costumes, sua cultura religiosa e sua fé. Era a Palavra falando nas palavras do seu povo. Tudo, na vida de Jesus de Nazaré, era manifestação de Deus, porém numa linguagem acessível às pessoas que com ele se encontravam. Claro que, da parte de quem com ele se encontrava, era necessário acolhida, boa vontade, que se transformava em fé. Nem todos viam nele o mistério de Deus. Muitos não o acolheram, se opuseram, e até o odiaram. Assim, não tiveram a graça de se encontrarem com a Palavra, pois viram nele apenas palavras que julgavam ser falsas.

            Porém, como diz João, os que o acolheram contemplaram sua glória. Isto é, transpuseram os limites do humano para chegar ao divino. Este é também o desafio para os discípulos de todos os tempos, também o nosso!

 

Saber discernir

            Estamos num mundo onde se escutam muitas palavras. É preciso escolher as que mais nos interessam; ouvi-las e peneirá-las para ficar com aquelas que de fato podem ser boas e úteis para nós. Isso não é tarefa fácil, e frequentemente acontece de nos perder em tantas ofertas, tantas escolhas que nos atordoam.

            Com relação à Palavra não deve ser assim. Não devemos colocá-la entre as muitas palavras. Apesar de usar nossas palavras (humanas), ela é sempre a Palavra. Ela não está diante de nós como as palavras humanas que precisam ser selecionadas. Ela exige decisão: sim ou não. Quem lhe dá seu sim, há de levá-lo a sério, e deixar que ela o ilumine e conduza. Quem lhe dá um não, há de ser coerente com sua escolha, no sentido de não a usar para justificar suas intenções que são particulares.

            No entanto, às vezes queremos usar da Palavra em nosso favor. Escolhemos passagens dos evangelhos ou das Escrituras para justificar o que já concebemos antes. Selecionamos certas passagens para justificar nossas atitudes. Só das que gostamos. Ou então escolhemos textos para “dar uma lição” aos outros. Isto é reprovável.

            Na verdade, isso acontece porque não queremos ter a Palavra muito perto de nós, uma vez que ela nos corrige, é exigente e propõe conversão. Nós preferimos andar pelos nossos caminhos, usar a nossa luz ao invés da luz da Palavra.

            Aquele que de fato é discípulo da Palavra – ou quer sê-lo – sabe ouvir. Não escolhe esta ou aquela passagem que lhe agrada. Ele acolhe a Palavra como um todo. Deixa-se orientar por ela. Não se faz de mestre dos outros, mas discípulo que quer compartilhar com os outros a sua experiência. Ele se alegra por poder ouvir sempre de novo o que a Palavra tem a lhe dizer ao coração.

            Portanto, é a Palavra que possui a iniciativa, orienta e conduz; não cabe a nós escolher o que queremos ouvir, porém estar atento ao que o Senhor fala.

Pe. Mário Fernando Glaab.

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