O
Reino de Deus na História Humana
Parece que em nossos dias, cada vez mais, desaparece a
necessidade de Deus. Deus ficou distante da vida e da história das pessoas.
Elas estão muito preocupadas com tantas coisas, e não sobra mais espaço para
Deus. Quando muito, Deus é visto pelas costas, isto é, como se já tivesse
passado; ser algo do passado. Claro que, em momentos de grandes dificuldades,
apela-se para este Deus do passado, o Deus das tradições e, pensa-se que talvez
agora ele possa intervir, uma vez que há necessidade premente de se resolver
determinado problema. É o grito de socorro na hora do apuro. Lembranças daquilo
que os pais ou avós diziam, e que volta somente no momento de provação.
Diante disso, como deve ser a atitude do cristão que quer
ser autêntico? Ver Deus pelas costas, tem algum sentido? Penso que sim. Porém,
podemos distinguir duas maneiras de ver Deus pelas costas. Uma é justamente
esta que muitas pessoas praticam, colocando-o no passado, como uma peça que
está no museu, mas que, conforme o momento, pode servir para solucionar casos
complicados. Todavia, as preocupações diárias deixam Deus para outra hora. Não
têm tempo a perder com ele. Mas a outra maneira de ver Deus pelas costas é frontalmente
oposta. É a dos que o veem na frente. Ele vai à frente da humanidade que está
caminhando entre desafios, fracassos e sucessos. Ele avança, e convida os seres
humanos a segui-lo. Estes últimos nunca deixam de vê-lo, mesmo que, às vezes,
gostariam de ver sua face, e não somente as costas. Porém, as costas dele dão
impulso para que não se acomodem diante das muitas distrações que o mundo
continuamente apresenta. Não dispensam as atividades do cotidiano, mas
fazem-nas com um sentido diferente. Cada uma delas os ajuda a avançar em
direção daquele que está adiante.
Jesus
fala para este mundo
Será que Jesus de Nazaré também ainda tem algo para dizer
a este nosso mundo? Jesus, em sua época, enfrentou uma situação que parecia
estar tranquila: havia a Lei que dava a segurança religiosa para quem queria
ser fiel. Ao menos os líderes religiosos de seu tempo ensinavam isso. Jesus
veio com nova proposta, vista por muitos com desconfiança; e até provocou
reação, perseguição e condenação. Que fez Jesus? Ele falou sobre Deus Pai
Misericordioso para com todos quando muitos achavam que não precisavam de um
Deus assim. Já sabiam o que era preciso observar: a Lei. Jesus colocou Deus na
frente e não no passado. Foi anunciando e vivendo este Deus “na frente” até as
últimas consequências. Ele o seguiu com sua maneira de agir, e convidou a quem
o ouvia, a fazer o mesmo. Dessa forma, ele trouxe, mesmo que não percebido
pelos distraídos, uma realidade nova do alto, a presença do Reino de Deus na
história concreta de um mundo tão dividido e tão cheio de pecados.
Assim também hoje, Jesus, por meio dos cristãos, continua
a falar de Deus Pai Misericordioso para um mundo que acha não necessitar dele.
Cada cristão e cada cristã têm a incumbência de dizer às pessoas entretidas com
as suas preocupações que nesta história humana concreta de hoje, Deus está à
frente. Ele, em Jesus de Nazaré, o Cristo, tem um projeto de vida, e de vida em
abundância para todos. Isto pode (e deve) provocar reações dos que estão
apegados aos seus confortos, aos seus comodismos, assim como Jesus sofreu
reações. Alguns serão perseguidos e até condenados. Contudo, é assim que se
mostra a presença do Reino de Deus também em nossa história humana de hoje.
Jesus presente por meio dos que o seguem verdadeiramente, não somente com
palavras, mas com sua maneira prática de viver.
Testemunho
cristão
Jesus de Nazaré não provou com documentos sua filiação
divina e nem a presença do Reino de Deus nele. Ele o mostrou, para quem tinha
olhos para ver, com a sua praxe, com o seu jeito de ser e de agir. Ele estava no
meio de seu povo, principalmente entre os que eram excluídos por aqueles que
achavam não precisar do Reino. Viveu na história de seu povo sofrido,
despertando esperança ao apontar para a bondade de Deus. Assim ele “provou” em
sua vida que o Reino de Deus estava aí, próximo dos que mais precisavam dele.
Em nossos dias não pode ser diferente. Existem tantos
que, à margem da sociedade e da história, anseiam por esperança, anseiam por
vida. Para estes, como para todo o mundo, o cristão deve “provar” a proximidade
do Reino de Deus, reino de justiça, de perdão, de vida e de paz. O cristão de
hoje igualmente não carrega documentos probatórios deste Reino, mas não deixa
de mostrar continuamente Deus na frente, como Jesus o fez. Ele sabe muito bem
que não pode fugir da realidade: está envolto por limitações, pecados e
desafios, porém, não se dá por vencido. Tem consciência de que esta história
concreta tem uma finalidade: seguir, como Jesus – passando pela morte para
chegar à Ressurreição -, buscando e experimentando o Reino de Deus cada dia. O
cristão está na história, sim; mas olha sempre para frente onde Deus o precede.
Jesus,
o Reino e o Cristão
Jesus se
identifica como Filho do Pai diante do Reino. Quer dizer, nós o podemos
identificar por estar anunciando e vivendo o Reino de Deus. A sua palavra e sua
ação revelam quem ele é. A saída de si em vista do Reino, o identifica Jesus
como pessoa, o Cristo. Igualmente o cristão é identificado por sair de si em
vista do Reino. Não é possível ser cristão sem estar em saída. Ser cristão
fechado em si mesmo, isolado dos irmãos de todas as situações do mundo, não
existe. É falso. Imaginar um cristão encapsulado na sua piedade sem compromisso
com a história de seu povo, é grave engano, é ilusão.
Que cada cristão tenha coragem de seguir a Cristo Jesus
e, no seu seguimento, atualizar suas palavras e seus gestos de misericórdia e
piedade, testemunhando um Deus que está à frente, sempre de novo para um mundo
que pensa não precisar dele. Alimentar a esperança no Novo Céu e na Nova Terra
que descem do alto.
Pe. Mário Fernando Glaab