CRER
NO CRUCIFICADO
Crer verdadeiramente em Deus exige fé. A Igreja nos
ensina que fé é uma virtude teologal que nos vem por graça infusa pelo batismo.
Porém, justamente por ser virtude, ela necessita ser cultivada, isto é, precisa
da dedicação e esforço do crente. Crer em Deus, portanto, é algo sério, e não é
tão fácil. Talvez muitos dizem ser crentes, mas na verdade, o que professam é
mera tradição descompromissada.
Os cristãos, no entanto, não ficam somente na fé em um
Deus distante e abstrato; eles creem que este Deus se revelou uno em três
pessoas: Pai e Filho e Espírito Santo. Continuam: este Filho é enviado pelo
Pai, na força do Espírito Santo, para ser humano, nascendo entre nós, Jesus
Cristo. É o mistério da Encarnação do Verbo. Porém não fica nisto somente.
Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, viveu, morreu e ressuscitou, para
então voltar ao Pai e nos enviar o Espírito Santo. Quero chamar a atenção sobre
a morte dele, a sua crucificação.
Crucificado
Se, como afirmamos acima, crer em Deus já é desafiante e
exige correspondência à graça infusa pelo batismo, muito mais desafiante é crer
que Jesus, Filho de Deus, aceitou ser crucificado como ímpio, rejeitado como o
pior dos humanos. Tudo isso por amor à humanidade perdida no mal. Crer neste
mistério é se desfazer de todas as lógicas humanas, é dar um salto no escuro,
confiança total no amor de Deus que é infinito e vai além de tudo o que nós
podemos imaginar. Um dos grandes teólogos de nossos tempos, no fim de sua obra
gigantesca sobre esta verdade de fé, assim diz: “Conhecer Deus significa
suportar Deus. Conhecer Deus na cruz de Cristo é um conhecimento crucificante”
(J. Moltmann, na obra O Deus Crucificado).
Provavelmente não estamos em condições de assimilar o que
este teólogo afirma, no entanto, vamos refletir um pouco sobre o que podemos
entender desta afirmação. Crer é sempre consequente. Pois crer é bem mais do
que uma ideia. Penetra todo o ser de quem crê. Quando Moltmann diz que o crente
suporta Deus, penso que está ensinando que não é possível professar Deus sem se
deixar envolver por Ele. Se Deus existe, quem sou eu? Qual é a ideia de Deus
que eu tenho? E assim por diante. Exige uma relação verdadeira que Moltmann
expressa com “suportar”; uma vez que é um processo transformador. Quem será o
ser humano diante dele? Pobre criatura limitada por sua insignificância. Não dá
para se esquivar deste questionamento.
Porém, muito mais escandaloso ainda será crer que este
Deus está na cruz daquele homem condenado pelas autoridades políticas e
religiosas como um blasfemo, um fora da lei. O teólogo chama isso de
“conhecimento crucificante”. Crer isso, é deixar-se crucificar com ele, por
todos os líderes políticos e religiosos, pela mentalidade e lógica do mundo,
pela lei também em nossos dias. Não é difícil dizer eu sou cristão e carregar
um crucifixo no peito, porém assumir esta condição e tornar verdadeiro o
símbolo da cruz, é assaz desafiante. Bem mais tentador será colocar o crucifixo
nos altares entre velas e flores, prostrar-se diante dela, do que a ver em
nossa vida, a ver na vida dos “ímpios, dos fora da lei, dos desamparados e dos
pobres de todas as carências”. Moltmann também chama a atenção sobre isso ao escrever:
“O símbolo da cruz remete a Deus, não àquele que está entre dois castiçais
sobre um altar, mas ao que foi crucificado entre dois ladrões no Calvário dos
perdidos, diante dos portões da cidade”.
Facilmente nos refugiamos na “desculpa da ressurreição”,
justificando que não cremos em um morto, mas em um vivo. Sem dúvida, a nossa fé
está baseada na Ressurreição de Jesus, Ele é o Vivente. Todavia, não se pode
com isso esquecer que é o Crucificado que ressuscitou. Tanto que o Ressuscitado
pede para que os discípulos toquem nele para “experienciar” o mistério e assim
serem crentes.
Portanto, esta certeza de fé, quando cultivada e sempre
renovada na prática da vida cristã, transforma profundamente a atitude do fiel
diante do Crucificado-Ressuscitado. Ajuda-o a tomar consciência de que, mesmo ao
se sentir pecador, pobre criatura, é amado por este Deus que não hesita em
estar com ele e lhe oferecer sua misericórdia. Dá ao pecador a confiança de que
é agraciado porque é amado e não é amado porque é agraciado.
Que
nós saibamos nos sentir amados e perdoados para amar e perdoar a todos, pois
Jesus Cristo morreu em uma cruz entre os malfeitores, porém ressuscitou para
que todos os “malfeitores” possam experimentar a comunhão com ele.
Pe. Mário Fernando Glaab.