quinta-feira, 30 de maio de 2024

Fé transformadora


CRER NO CRUCIFICADO

 

            Crer verdadeiramente em Deus exige fé. A Igreja nos ensina que fé é uma virtude teologal que nos vem por graça infusa pelo batismo. Porém, justamente por ser virtude, ela necessita ser cultivada, isto é, precisa da dedicação e esforço do crente. Crer em Deus, portanto, é algo sério, e não é tão fácil. Talvez muitos dizem ser crentes, mas na verdade, o que professam é mera tradição descompromissada.

            Os cristãos, no entanto, não ficam somente na fé em um Deus distante e abstrato; eles creem que este Deus se revelou uno em três pessoas: Pai e Filho e Espírito Santo. Continuam: este Filho é enviado pelo Pai, na força do Espírito Santo, para ser humano, nascendo entre nós, Jesus Cristo. É o mistério da Encarnação do Verbo. Porém não fica nisto somente. Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, viveu, morreu e ressuscitou, para então voltar ao Pai e nos enviar o Espírito Santo. Quero chamar a atenção sobre a morte dele, a sua crucificação.

Crucificado

            Se, como afirmamos acima, crer em Deus já é desafiante e exige correspondência à graça infusa pelo batismo, muito mais desafiante é crer que Jesus, Filho de Deus, aceitou ser crucificado como ímpio, rejeitado como o pior dos humanos. Tudo isso por amor à humanidade perdida no mal. Crer neste mistério é se desfazer de todas as lógicas humanas, é dar um salto no escuro, confiança total no amor de Deus que é infinito e vai além de tudo o que nós podemos imaginar. Um dos grandes teólogos de nossos tempos, no fim de sua obra gigantesca sobre esta verdade de fé, assim diz: “Conhecer Deus significa suportar Deus. Conhecer Deus na cruz de Cristo é um conhecimento crucificante” (J. Moltmann, na obra O Deus Crucificado).

            Provavelmente não estamos em condições de assimilar o que este teólogo afirma, no entanto, vamos refletir um pouco sobre o que podemos entender desta afirmação. Crer é sempre consequente. Pois crer é bem mais do que uma ideia. Penetra todo o ser de quem crê. Quando Moltmann diz que o crente suporta Deus, penso que está ensinando que não é possível professar Deus sem se deixar envolver por Ele. Se Deus existe, quem sou eu? Qual é a ideia de Deus que eu tenho? E assim por diante. Exige uma relação verdadeira que Moltmann expressa com “suportar”; uma vez que é um processo transformador. Quem será o ser humano diante dele? Pobre criatura limitada por sua insignificância. Não dá para se esquivar deste questionamento.

            Porém, muito mais escandaloso ainda será crer que este Deus está na cruz daquele homem condenado pelas autoridades políticas e religiosas como um blasfemo, um fora da lei. O teólogo chama isso de “conhecimento crucificante”. Crer isso, é deixar-se crucificar com ele, por todos os líderes políticos e religiosos, pela mentalidade e lógica do mundo, pela lei também em nossos dias. Não é difícil dizer eu sou cristão e carregar um crucifixo no peito, porém assumir esta condição e tornar verdadeiro o símbolo da cruz, é assaz desafiante. Bem mais tentador será colocar o crucifixo nos altares entre velas e flores, prostrar-se diante dela, do que a ver em nossa vida, a ver na vida dos “ímpios, dos fora da lei, dos desamparados e dos pobres de todas as carências”. Moltmann também chama a atenção sobre isso ao escrever: “O símbolo da cruz remete a Deus, não àquele que está entre dois castiçais sobre um altar, mas ao que foi crucificado entre dois ladrões no Calvário dos perdidos, diante dos portões da cidade”.

            Facilmente nos refugiamos na “desculpa da ressurreição”, justificando que não cremos em um morto, mas em um vivo. Sem dúvida, a nossa fé está baseada na Ressurreição de Jesus, Ele é o Vivente. Todavia, não se pode com isso esquecer que é o Crucificado que ressuscitou. Tanto que o Ressuscitado pede para que os discípulos toquem nele para “experienciar” o mistério e assim serem crentes.

            Portanto, esta certeza de fé, quando cultivada e sempre renovada na prática da vida cristã, transforma profundamente a atitude do fiel diante do Crucificado-Ressuscitado. Ajuda-o a tomar consciência de que, mesmo ao se sentir pecador, pobre criatura, é amado por este Deus que não hesita em estar com ele e lhe oferecer sua misericórdia. Dá ao pecador a confiança de que é agraciado porque é amado e não é amado porque é agraciado.

Que nós saibamos nos sentir amados e perdoados para amar e perdoar a todos, pois Jesus Cristo morreu em uma cruz entre os malfeitores, porém ressuscitou para que todos os “malfeitores” possam experimentar a comunhão com ele.

Pe. Mário Fernando Glaab.

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