segunda-feira, 23 de abril de 2012

Os bispos e a diminuição dos católicos

BISPOS ASSUSTADOS
Pe. Mário Fernando Glaab
            Saiu notícia que os bispos participantes da 50ª Assembleia Geral em Aparecida estão assustados com a queda do número de católicos no Brasil. Nos últimos 20 anos a percentagem de católicos caiu de 83,34% para 67,84%. “Perdemos o povo” e, “precisamos garantir a perseverança dos católicos e reconquistar aqueles que abandonaram a Igreja”, ecoou entre eles como preocupação imediata. Nada mais normal, afinal, os bispos são os primeiros responsáveis pela Igreja.
            Pergunta-se, no entanto, por que essa diminuição? Que quer dizer “perdemos o povo”? E, por que é “preciso garantir a perseverança e reconquistar o povo”? Como fazer isso? Perguntas intrigantes!
            A diminuição percentual de católicos no Brasil não para. Isso é estranho, já que nas últimas décadas surgiram tantas “vozes sonoras” anunciando o Evangelho em nome da Igreja Católica, concorrendo com evangélicos! À medida que aumentam as pregações das diversas denominações pentecostais, aumentam também as pregações de cunho carismático-pentecostal dentro da Igreja Católica. E o espaço na mídia é disputado de igual para igual. Há oferta para todos os gostos, também curas, soluções para situações complicadas, sucesso etc.; tanto fora como dentro da Igreja. Todavia, diminuiu drasticamente a presença da Igreja Católica junto às periferias da sociedade; junto aos excluídos e sobrantes da sociedade de consumo. O fervor e o compromisso dos anos 70 e 80 que atingia as bases, lá onde as pessoas mais pobres estão quase não existe mais. Também os bispos, padres, religiosos e líderes leigos comprometidos com a justiça e a igualdade social quase que sumiram por completo. Um bispo comentou que esses tempos já se foram, graças a Deus (!).
            Talvez o dado não seja tão negativo. Pode ser que ele indica apenas que os caminhos tomados pela Igreja Católica no Brasil não estão bem afinados com a pregação e a vida de Jesus de Nazaré. A constatação parece estar mostrando que para muitas pessoas não faz diferença ouvir falar de Jesus na Igreja Católica ou em alguma igreja evangélica. O importante é encontrar uma igreja onde se sentem bem. O marketing pode influenciar, mas não é o mais importante. Assim sendo, pode-se imaginar que o “povo perdido” nunca foi totalmente achado. Mesmo que contava no cômputo geral, não era católico convicto, como tantos outros também não o são, apesar de se declararem assim.
            A preocupação em garantir perseverança dos católicos e reconquistar os desertores pode não ser tão pura. Os números impressionam. Mas se a intenção primeira da Igreja Católica deve ser, conforme seu Mestre e Fundador, o Reino de Deus inaugurado e realizado em Sua pessoa, é possível imaginar que ela, a Igreja Católica, deve colaborar com todas as igrejas que procuram o mesmo fim. Não há de ser tão importante dizer que somos a grande maioria, mas em poder afirmar que estamos juntos construindo o Reino de Deus, Reino de justiça e vida para todos, a começar pelos mais humildes e miseráveis. Ter a maioria numérica pode conter em seu bojo orgulho e falsa segurança: ser bispo da Igreja Católica pode alimentar sentimentos de glória e poder, ao invés de despertar o compromisso do serviço ao Reino, preocupação constante em Jesus de Nazaré.
            Tentar estancar o fluxo evasivo de fiéis da Igreja Católica com documentos, projetos bem elaborados nas grandes assembleias, chamadas de atenção dirigidas aos padres e aos líderes das comunidades, pouco resultado produz. Documentos e projetos elaborados nas alturas dificilmente descem ao chão onde está o povo vivendo no cotidiano a sua vida, lutando pela sobrevivência, e quando muito, ouvindo alguma explicação da Palavra de Deus aos domingos. Os fiéis, e nem os padres, têm tempo e disposição para ler e estudar esse material que aparece, geralmente, em linguajem técnica e bastante filosófica. Os padres em suas paróquias, no contato com as situações concretas, com os desafios que o povo enfrenta todos os dias, não estão atentos às possíveis chamadas de atenção que os bispos fazem quando estão reunidos nas alturas.
            Concluindo, parece não ter muita repercussão, menos consequências ainda, o fato de os bispos se assustarem com a diminuição percentual dos católicos, em sua Assembleia Geral em Aparecida; deveriam, no entanto, cada um, levar o susto diante da realidade pobre de compromisso diante do Reino de Deus, quando de sua presença junto aos diocesanos nas comunidades concretas. O pastor deve estar junto das ovelhas. Somente quando o bispo, os sacerdotes, os líderes das comunidades e o povo em geral compartilham suas experiências de vida é que se abrem para o Reino de Deus, anunciado e inaugurado por Jesus. E a Igreja Católica quer e deve se colocar nessa direção. Jesus não ficou fazendo altas reuniões, discutindo elevados e inacessíveis projetos, mas se lançou ao trabalho direto com os últimos da sociedade de seu tempo, desmascarando as falsidades que tanto mal fizeram e continuam fazendo também hoje. Falar para um mundo descrente, belos e formosos, esnobando seus ternos e paramentos caríssimos, quando a maioria do povo é miserável, lutando por vez e por voz, não impressiona, nem converte ninguém. O que falta, na verdade, é o testemunho: “Ele morreu, mas ressuscitou e, está entre nós!” O que nunca deveria assustar os bispos, por causa da diminuição do número dos católicos, é a contração das contribuições financeiras para manterem as muitas e longas viagens para todos os cantos do país e para a Europa.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Queiruga é herege ou incomoda? A quem?!

CALAR A QUEM INCOMODA
Pe. Mário Fernando Glaab
O poder não dá liberdade para a palavra
            Calar a quem incomoda: sempre foi assim e sempre o será. Quem tem poder faz; quem não o tem, leva! Contudo, não deveria ser assim. Em pleno século XXI o mundo e as relações humanas já deveriam ter chegado a um nível tal que de fato não fossem mais esses os parâmetros que ditam as normas. É ainda muito mais lamentável quando se vê claramente que o poder tem suas garras também nas igrejas ou comunidades que se dizem de fé. As igrejas, no mínimo, a partir dos princípios cristãos, deveriam procurar a verdade sem se deixar influenciar pelos poderes que querem passar por cima das cabeças dos menos favorecidos. Todavia, elas transformam frequentemente o poder em autoridade. Essa, uma vez conquistada, justifica-se a si mesma, torna-se mera desculpa que o forte usa para fazer com que os outros se sujeitem ao que ele quer[1]. Em nome da autoridade, que dizem vir de Deus, cometem todo tipo de disparates contra os mais fracos ou súditos.
            Na história da humanidade sempre se encontram casos e mais casos nos quais, usando o poder autoritariamente, uns calam os outros. São calados os que incomodam. Na história de Jesus de Nazaré não foi diferente. Os judeus que concentravam o poder político e religioso julgavam-se possuidores de autoridade e por isso calaram aquele que os incomodava com suas palavras e com sua maneira de agir. Ao calarem a Jesus fizeram exatamente o quê? Eliminaram aquele que os incomodava em seu status quo. Ser grandes na religião significava para eles ter autoridade sobre os outros. A autoridade exigia serviço dos súditos que viravam escravos. Quem os questionava não podia ser considerado como alguém com direitos iguais. Mas, como diz um grande teólogo, “Jesus é a Palavra de Deus que, diante da rejeição dos poderosos, se cala; e isso por amor” (Hans Urs von Balthasar). Calaram a própria Palavra de Deus em Jesus, mas a Palavra, pela Ressurreição, fala mais alto ainda, atingindo todas as criaturas.

Líderes e teólogos calados
            Em dois mil anos de história da Igreja são inúmeros os casos em que os verdadeiros incomodadores foram perseguidos e calados. Não poucas vezes pelas autoridades da própria Igreja, ou ao menos, por pessoas que se achavam poderosos e bem de dentro da Igreja. Temos a rica história de milhares de mártires de todos os tipos e gostos. Mais recentemente, na América Latina, as perseguições se voltam contra os líderes que se posicionam a favor da vida dos excluídos, dos pobres em geral e em favor do meio ambiente. Entre eles estão vivos na memória as investidas contra líderes comunitários, mas também contra pensadores, contra teólogos da Teologia da Libertação. Lembremos-nos de Dom O. Romero, Dom Pedro Casaldáliga, Leonardo Boff, José Comblin, Jon Sobrino; e agora por último, na Espanha, a Conferência Episcopal voltou-se contra o mundialmente conhecido teólogo do “repensar a teologia para a nossa época”, Andrés Torres Queiruga. Isso é mais do que lamentável.
            Queiruga recebeu uma notificação da Conferência Episcopal Espanhola apontando sete erros doutrinais em sua obra teológica. A partir dela pode-se afirmar que o catolicismo espanhol tem um novo herege. E, este é Andrés Torres Queiruga! Para quem já leu seus livros ou mesmo um ou outro artigo de Queiruga, só pode se perguntar: como é possível? Não é preciso ser teólogo ou crítico profissional para se perceber que as intenções, no caso da “notificação”, não são puras. Sabe-se que a maioria dos bispos espanhóis são assaz conservadores e que certamente estão com receio diante da clareza teológica do notificado. Sua teologia os incomoda. Ela os desafia a descerem de suas cátedras e irem ao encontro dos homens e mulheres com seus problemas e anseios para mostrar-lhes que Deus é Pai e os ama de fato, indistintamente. Ter coragem para sair das sacristias e, em praça pública, testemunhar a presença de Deus, mais ainda, do Ressuscitado – aquele que foi crucificado para que sua Palavra não fosse mais ouvida. Dar voz à “Palavra Calada”. Não teria sido bem mais digno, ao invés de condenar, chamar ao diálogo para esclarecer os pontos que, talvez, são obscuros? Deixemos tempo ao tempo.

O mal não pode ter a última palavra
            Atitudes radicais geralmente são exageros e são más. Blaise Pascal tem uma frase que expressa bem o que estamos afirmando, diz ele: “Os homens jamais fazem o mal tão completamente e com tanta alegria como quando o fazem a partir de uma convicção religiosa”[2]. Isso, se o pudermos interpretar, porque a convicção religiosa lhes tira toda consciência de culpa. Fazem-no achando que estão dando um grande préstimo para a Igreja e para a sociedade. Fazem-no com alegria e não levam em conta, nem minimamente, o mal que seus atos acarretam para o atingido e para tantos que são atingidos indiretamente.
            O caso Queiruga é apenas mais um caso de alcance internacional. Em nossas Igrejas e comunidades locais não é diferente. Basta estar atento para ver que também em nosso meio as vozes que incomodam são caladas. Não temos “grandes vozes” e nem grandes “autoridades”, porém, em escala menor os casos talvez sejam até mais numerosos do que os de repercussão nacional e mundial. O perigo de se usar a religião para controlar os súditos é constante. A religião através de seus líderes, muitas vezes, usa a lei para ganhar força e controlar as pessoas de que precisa para sobreviver. É necessário, mais do que nunca, recuperar a consciência de que Jesus de Nazaré, a Palavra de Deus feito Homem, é aquele que liberta e que envia a pregar (falar). É preciso crer que assim como a Palavra de Deus Calada voltou a falar com toda a força também os que incomodam e são calados por incomodarem, voltarão a falar com a mesma força que impulsiona o Ressuscitado a falar.


[1] Cf. YOUNG, P. W. A Cabana, Rio de Janeiro, Sextante, 2008, p. 112.
[2] Citado por Young, P. W, op. cit., p. 157.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Homenagem a um "Herege"

Obs.: Divulgo a “singela homenagem” do colega Pe. Daniel ao grande teólogo A. T. Queiruga que sofre dura perseguição do episcopado espanhol. A intenção é provocar o interesse pela teologia de Queiruga e estar atento ao debate das questões de fé.  Quero registra igualmente a minha tristeza diante do acontecido. Pe. A. T. Queiruga é, para mim, um dos teólogos mais lúcidos e humanos que muito me ajudou para entender as questões atuais de teologia. Eis o texto do Pe. Daniel:


Uma singela homenagem “ao mestre herege”

Sexta-feira santa, não é um dia qualquer, mas dia de silêncio e reflexão interior. “A hora mais “misteriosa do Gólgota de todos os tempos”. Mas, o tempo mais escuro não pode impedir o novo amanhecer. Ainda que muitos anseiam reviver um passado “tormentoso e ao mesmo tempo vergonhoso”.
O catolicismo espanhol tem, a partir da última sexta-feira, um novo herege. Trata-se de Andrés Torres Queiruga, nascido em 1940 na paróquia de Aguiño, Ribeira (A Coruña).
Ele é professor de teologia no Instituto Teológico Compostelano e de filosofia da religião na Universidade de Santiago de Compostela. Os bispos espanhóis, mediante uma chamada Notificação, o acusam de sete erros que se referem ao “realismo da ressurreição de Jesus Cristo, enquanto acontecimento histórico (milagroso) e transcendente”, ao “caráter indedutível da Revelação” e à “unicidade e universalidade da mediação salvífica de Cristo e da Igreja”.
Eu particularmente achava que os tempos da inquisição e das perseguições já tinham acabado na Igreja Católica. Mas pelo jeito, a cada vez que um teólogo tenta ajudar a mudar a mentalidade do povo, sempre renasce aquela velha e antiquada forma de chamar um pensador de: “hereges”. O termo é tão antiquado que as novas gerações, nem conhecem esse termo.
A Notificação, de apenas 20 páginas, defende que o teólogo galego “quer romper com uma concepção da Revelação como ditado e entende como uma descoberta de Deus já presente e, nesse sentido, não mais misteriosa do que outro conhecimento. Deus não precisa ‘chegar’, porque já está sempre. Por isso, a revelação efetiva é sempre uma experiência já realizada, algo com o qual o sujeito religioso se encontra no próprio ato de tomar consciência dela. [...] Tomada nessa estrutura original e sob esse aspecto, a revelação não é nem mais misteriosa nem menos simples do que um ato cognitivo qualquer”.
Convencido da ortodoxia de seus escritos, Torres Queiruga desafia seus inquisidores para que, se em algum escrito veem que se possa danificar a fé, o demonstrem “com razões que corrijam ou refutem” as que o condenado oferece. Ele também diz que está vivendo essa censura como "uma desqualificação pessoal” que, objetivamente, o expõe “a uma calúnia pública em matéria muito grave”.
Segundo Andrés Torres Queiruga, a condenação irá causar “uma perturbação desnecessária nos fiéis e é um duro golpe para a credibilidade pública da fé, que muitas julgarão, mais uma vez, como sobrecarregada por um peso autoritário e por uma negação da liberdade intelectual”, segundo o teólogo Galego.
Desde sua casa em Santiago de Compostela, Andrés Torres Queiruga, se mostra francamente surpreendido: “Não sei de nada e estranho muito, porque ninguém falou comigo. Não tive nenhum tipo de diálogo sobre questões que mereçam ser esclarecidas ou discutidas. Por outra parte, minha teologia é sempre positiva: não somente é dialógica e nunca agressiva, mas também porque nunca questionei a interpretação tradicional de alguma verdade de fé, esforçando-me ao mesmo tempo em buscar uma alternativa construtiva e atualizada” afirmou o teólogo Católico.
Caro Professor Andrés Torres Queiruga, eu sou um privilegiado, porque tenho lido todos os seus livros, acompanhados suas inúmeras palestras, suas entrevistas, sei da sua simplicidade, aquele sorriso um tanto tímido, mas ao mesmo tempo carregado de amor pela Igreja de Jesus.

Seu discurso caro Professor Torres Queiruga é, sobretudo, um discurso para dar razão à esperança. Este discurso se encontra tanto em seus artigos e ensaios teológicos em relação à conjuntura, como em suas reflexões teológicas e homilias em relação ao ano litúrgico. O Senhor, é um “profeta da esperança” que guia, conforta, exorta e anima seus leitores e seus ouvintes, em meio a tantas vozes de “conservadorismo ultrapassado” que gostam de reviver os piores fantasmas da historia da Igreja do passado.
O senhor, Professor Andrés não é um “pensador herege”, o senhor é um cristão autentico porque baseada na fé da ressurreição, surge sua convicção de que é a vida e não a morte que tem a última palavra na história. Isto foi o que lhe motivou como “teólogo na sombra da violência” dar razão à esperança em uma situação de violência e muita incerteza, pela qual o senhor hoje esta crucificado.
Aqueles que os acusam de “heresia” professor Torres Queiruga, talvez, não tiveram tempo de ler aquelas sabias palavras de Jesus Cristo: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; chorai por vós mesmas e por vossos filhos..., pois, se assim tratam a árvore verde, que se não fará à seca?” (Lc 23,28.31).

Padre Daniel Andrés Baez Brizueña. É Licenciado em Teologia. Bacharel em Ciências das Religiões. Licenciado em Letras. Pós Graduado em Ciências Políticas. Atualmente cursa Filosofia na UNESPAR Campus União da Vitoria FAFI/UV. Aluno do Curso de Marketing da UNINTER/Polo São Mateus do Sul. Aluno de Pós-graduação de Filosofia e Ciências Sociais da UNESPAR Campus União da Vitoria FAFI/UV.