quinta-feira, 12 de abril de 2012

Queiruga é herege ou incomoda? A quem?!

CALAR A QUEM INCOMODA
Pe. Mário Fernando Glaab
O poder não dá liberdade para a palavra
            Calar a quem incomoda: sempre foi assim e sempre o será. Quem tem poder faz; quem não o tem, leva! Contudo, não deveria ser assim. Em pleno século XXI o mundo e as relações humanas já deveriam ter chegado a um nível tal que de fato não fossem mais esses os parâmetros que ditam as normas. É ainda muito mais lamentável quando se vê claramente que o poder tem suas garras também nas igrejas ou comunidades que se dizem de fé. As igrejas, no mínimo, a partir dos princípios cristãos, deveriam procurar a verdade sem se deixar influenciar pelos poderes que querem passar por cima das cabeças dos menos favorecidos. Todavia, elas transformam frequentemente o poder em autoridade. Essa, uma vez conquistada, justifica-se a si mesma, torna-se mera desculpa que o forte usa para fazer com que os outros se sujeitem ao que ele quer[1]. Em nome da autoridade, que dizem vir de Deus, cometem todo tipo de disparates contra os mais fracos ou súditos.
            Na história da humanidade sempre se encontram casos e mais casos nos quais, usando o poder autoritariamente, uns calam os outros. São calados os que incomodam. Na história de Jesus de Nazaré não foi diferente. Os judeus que concentravam o poder político e religioso julgavam-se possuidores de autoridade e por isso calaram aquele que os incomodava com suas palavras e com sua maneira de agir. Ao calarem a Jesus fizeram exatamente o quê? Eliminaram aquele que os incomodava em seu status quo. Ser grandes na religião significava para eles ter autoridade sobre os outros. A autoridade exigia serviço dos súditos que viravam escravos. Quem os questionava não podia ser considerado como alguém com direitos iguais. Mas, como diz um grande teólogo, “Jesus é a Palavra de Deus que, diante da rejeição dos poderosos, se cala; e isso por amor” (Hans Urs von Balthasar). Calaram a própria Palavra de Deus em Jesus, mas a Palavra, pela Ressurreição, fala mais alto ainda, atingindo todas as criaturas.

Líderes e teólogos calados
            Em dois mil anos de história da Igreja são inúmeros os casos em que os verdadeiros incomodadores foram perseguidos e calados. Não poucas vezes pelas autoridades da própria Igreja, ou ao menos, por pessoas que se achavam poderosos e bem de dentro da Igreja. Temos a rica história de milhares de mártires de todos os tipos e gostos. Mais recentemente, na América Latina, as perseguições se voltam contra os líderes que se posicionam a favor da vida dos excluídos, dos pobres em geral e em favor do meio ambiente. Entre eles estão vivos na memória as investidas contra líderes comunitários, mas também contra pensadores, contra teólogos da Teologia da Libertação. Lembremos-nos de Dom O. Romero, Dom Pedro Casaldáliga, Leonardo Boff, José Comblin, Jon Sobrino; e agora por último, na Espanha, a Conferência Episcopal voltou-se contra o mundialmente conhecido teólogo do “repensar a teologia para a nossa época”, Andrés Torres Queiruga. Isso é mais do que lamentável.
            Queiruga recebeu uma notificação da Conferência Episcopal Espanhola apontando sete erros doutrinais em sua obra teológica. A partir dela pode-se afirmar que o catolicismo espanhol tem um novo herege. E, este é Andrés Torres Queiruga! Para quem já leu seus livros ou mesmo um ou outro artigo de Queiruga, só pode se perguntar: como é possível? Não é preciso ser teólogo ou crítico profissional para se perceber que as intenções, no caso da “notificação”, não são puras. Sabe-se que a maioria dos bispos espanhóis são assaz conservadores e que certamente estão com receio diante da clareza teológica do notificado. Sua teologia os incomoda. Ela os desafia a descerem de suas cátedras e irem ao encontro dos homens e mulheres com seus problemas e anseios para mostrar-lhes que Deus é Pai e os ama de fato, indistintamente. Ter coragem para sair das sacristias e, em praça pública, testemunhar a presença de Deus, mais ainda, do Ressuscitado – aquele que foi crucificado para que sua Palavra não fosse mais ouvida. Dar voz à “Palavra Calada”. Não teria sido bem mais digno, ao invés de condenar, chamar ao diálogo para esclarecer os pontos que, talvez, são obscuros? Deixemos tempo ao tempo.

O mal não pode ter a última palavra
            Atitudes radicais geralmente são exageros e são más. Blaise Pascal tem uma frase que expressa bem o que estamos afirmando, diz ele: “Os homens jamais fazem o mal tão completamente e com tanta alegria como quando o fazem a partir de uma convicção religiosa”[2]. Isso, se o pudermos interpretar, porque a convicção religiosa lhes tira toda consciência de culpa. Fazem-no achando que estão dando um grande préstimo para a Igreja e para a sociedade. Fazem-no com alegria e não levam em conta, nem minimamente, o mal que seus atos acarretam para o atingido e para tantos que são atingidos indiretamente.
            O caso Queiruga é apenas mais um caso de alcance internacional. Em nossas Igrejas e comunidades locais não é diferente. Basta estar atento para ver que também em nosso meio as vozes que incomodam são caladas. Não temos “grandes vozes” e nem grandes “autoridades”, porém, em escala menor os casos talvez sejam até mais numerosos do que os de repercussão nacional e mundial. O perigo de se usar a religião para controlar os súditos é constante. A religião através de seus líderes, muitas vezes, usa a lei para ganhar força e controlar as pessoas de que precisa para sobreviver. É necessário, mais do que nunca, recuperar a consciência de que Jesus de Nazaré, a Palavra de Deus feito Homem, é aquele que liberta e que envia a pregar (falar). É preciso crer que assim como a Palavra de Deus Calada voltou a falar com toda a força também os que incomodam e são calados por incomodarem, voltarão a falar com a mesma força que impulsiona o Ressuscitado a falar.


[1] Cf. YOUNG, P. W. A Cabana, Rio de Janeiro, Sextante, 2008, p. 112.
[2] Citado por Young, P. W, op. cit., p. 157.

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