sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Bênção, Gratidão e Compromisso

ABENÇOAR É AGRADECER
Pe. Mário Fernando Glaab
            Ouvimos em todas as missas que Jesus tomou o pão e o vinho e os abençoou, ou se quisermos, deu graças e os entregou aos seus discípulos. Abençoar é o mesmo que agradecer. Mas Jesus agradeceu a quem e por quê? Sem dúvida, a Deus, seu Pai. Mas não somente a ele, pois o gesto que segue o agradecimento ao Pai tem importância singular.

Bênção e compromisso
            Jesus, o Mestre Divino, quando agradece ensina a bendizer. Bendiz a Deus, mas ao mesmo tempo ele bendiz seus discípulos, pois é a eles que dá os alimentos, ou melhor, é entre eles que o alimento que vem da bondade do Pai será distribuído. Esta atitude reveste-se com a dimensão do compromisso, pois não basta agradecer sem se comprometer. Quem agradece automaticamente se compromete. Jesus, ao agradecer, reconhece que tudo vem do Pai de bondade, contudo sabe que essa bondade é para todos, e que ele não pode guardá-la só para si. Imediatamente compartilha o alimento que é sinal dessa bondade divina. Mostra assim que o melhor agradecimento é direcionar o presente para a finalidade que lhe é própria. O alimento é para alimentar. Então, agradecer pelo alimento quer dizer, em primeiro lugar, reconhecer Deus como o doador de todas as coisas – aquele que fez tudo para o bem das criaturas -, bendizer o seu nome, pois sem a sua bênção, nada existiria; e em segundo lugar, deixar e fazer com que o alimento nutre as criaturas que são obras de seu amor. Dessa maneira, o que agradece também abençoa, uma vez que assim colabora com a mesma obra de Deus, como ela é planejada.
            Muda-se, então, completamente a ideia de bênção. Pedir a bênção para alguém ou para alguma coisa não tem mais o sentido de solicitar algo a mais que normalmente não se ganharia, mas expressa o compromisso de compartilhar a vida, a alegria ou a dor com a pessoa que se quer abençoar; é o compromisso de direcionar a coisa abençoada para sua verdadeira finalidade: o bem das pessoas para as quais a determinada coisa existe. Deus não precisa e não quer nada para si, porém dá tudo para nós, seres humanos e criaturas suas. Por isso se pode, e se deve, abençoar tudo. Todas as criaturas de Deus são boas quando o ser humano as respeita e as coloca no seu devido lugar. Abençoar é bendizer a Deus por fazer todas as coisas boas, é agradecer e direcioná-las para seu devido fim. Aí é que entra a colaboração humana. Quando alguém pede que Deus abençoe seus familiares diz que está contente com esses familiares e, que assim, vai viver mais intensamente sua familiaridade com os mesmos. Quando alguém pede que Deus o abençoe para poder, com saúde, trabalhar, está dizendo que reconhece a vida e a saúde como um dom da bondade divina, e que vai se esforçar para cuidar de sua saúde, vai colocar o seu trabalho em favor do próximo e da harmonia entre as criaturas, nunca para a sua soberba, e menos ainda, para a dominação. Da mesma forma, ao se pedir que Deus abençoe algum objeto, independente do que seja, antes de tudo se deve agradecer a Deus por criar todas as coisas e as colocar ao nosso dispor, em seguida, comprometer-se em usar das coisas criadas para o bem de todos. Bênção e egoísmo, ou interesse particular, se excluem mutuamente.

Pedir a bênção de Deus para os pobres
            O costume, muito em voga entre nós, de pedir que Deus abençoe os pobres, doentes e sofredores, ou mesmo nossos superiores ou súditos, merece uma reflexão especial e séria. Esse pedido, feito em forma de oração, pode ser covarde. Explicando, o pedido pode ser entendido assim: Deus que cuide deles, pois eu não tenho condições de ajudá-los, mas como sou bom, rezo por eles! Será que Deus pode resolver o problema dessas pessoas e não o faz, porém se eu o lembrar do que deve fazer, ele irá se compadecer? Neste caso eu seria melhor do que Deus. Nessa lógica algo não está certo!
            Deve ficar claro de que não se abençoa o pobre enquanto pobre, isto é, não se agradece pelo pobre enquanto pobre, mas se abençoa e se agradece pelo pobre enquanto ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus. Se Jesus nasceu e viveu pobre não abençoou a pobreza em si, mas os que vivem na pobreza porque são eles que por primeiro merecem a compaixão de Deus que criou a todos e não quer que ninguém sofra por lhe faltar o necessário para levar vida digna. Jesus abençoou os pobres fazendo-se igual a eles, ajudando-os assim a encontrar o caminho para a vida, trouxe-lhes a vida em abundância. Abençoar um necessitado implica, a partir da visão cristã, o sério compromisso de valorizá-lo naquilo que ele é: ser humano amado por Deus. É colocar-se junto dele e com ele encontrar meios para superar o que o faz sofrer. O sofrimento do infeliz não pode passar ao largo do cristão, mais ainda do cristão que reza concretamente pelos sofredores. Jesus rezou pelos seus discípulos e não os abandonou. Ficou com eles até o fim. Fica igualmente com cada um de nós, por pior que seja a situação em que nos encontrarmos. Alguém poderia perguntar se tem sentido rezar por pessoas que estão longe, pedir a bênção para elas, uma vez que se sabe com certeza que não é possível fazer algo por elas. Tem sentido, sim. Todavia, é preciso crer que estando unidos a todos os humanos no amor de Cristo, ao rezar por alguém distante, deve-se “compensar” a oração na convivência pacífica e compromissada com aqueles que estão mais próximos. É na comunhão entre todos que nos abençoamos mutuamente, e agradecemos ao Deus pelo maravilhoso dom da vida.
            Uma última palavra com relação à bênção aos superiores ou aos súditos: pedir que Deus abençoe os superiores ou os súditos contém em si a gratidão pela existência deles. A gratidão faz com que se assuma com responsabilidade a função que nos vem dessa relação. O melhor agradecimento (bênção) que se pode dar a um superior é assumir na responsabilidade a função que cabe como súdito, não por obrigação, mas por amor responsável; assim como a melhor bênção que um superior pode dar ao seu súdito é ser verdadeiramente superior – um pai abençoa o seu filho quando é verdadeiramente pai para ele, o filho abençoa seu pai quando é verdadeiramente filho dele. Essa relação não é cancelada nem mesmo pela distância que possa haver entre os dois. A bênção e a gratidão não são atos, mas atitudes.
            Jesus a abençoou (deu graças) a tal ponto de se doar sem reservas. Deu-se todo: “Isto é meu corpo entregue; meu sangue derramado”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário