“A IGREJA ESTÁ SENDO INJUSTA COMIGO!”
Pe. Mário Fernando Glaab
Introdução
Como sempre, mas em nossos dias cada vez mais, os casais cristãos se deparam com dificuldades nas relações matrimoniais. Os compromissos relacionados com a indissolubilidade do Matrimônio cristão são de fato um peso para a grande maioria. As leis que decorrem da questão indissolubilidade são pouco, conhecidas ou não levadas a sério. Trazem problemas enormes para os casais e para pastoral. Como explicar às pessoas que se frustraram no seu casamento e que, numa segunda tentativa vivem muito melhor do que na primeira, de estarem irregulares diante das leis da Igreja? E, que em consequência disso, não estão em condições legais para receber outros sacramentos, especialmente a Eucaristia? Dizê-lo até que é fácil, mas convencê-los, isso é quase impossível. Eles, geralmente revoltados contra a própria comunidade que os critica, não querem ouvir. Já estão convencidos de que não são piores do que ninguém; ou melhor, ninguém é melhor do que eles. As explicações não penetram em suas cabeças, pois o coração fala mais alto. E, quando simplesmente se apela para as leis da Igreja, retrucam afirmando que se sentem injustiçados por parte dela. "A Igreja está sendo injusta comigo. Será que eu não posso mais viver feliz?" – dizem – "por que os outros que fazem coisas piores do que eu e podem comungar tranquilamente, enquanto eu estou excluído?".
O Sacramento do Matrimônio
O Catecismo da Igreja Católica afirma claramente, como, aliás, a Igreja sempre ensinou, que "o amor dos esposos exige, por sua própria natureza, a unidade e a indissolubilidade de sua comunidade de pessoas que engloba toda a sua vida: ‘De modo que já não são dois, mas uma só carne’ (Mt 19,6)". E continua, "(a comunhão humana) é aprofundada pela vida da fé comum e pela Eucaristia recebida em comum" (1644).
A questão toda está sobre a consciência de que o verdadeiro amor assumido no Matrimônio é indissolúvel. A Igreja, baseada nos ensinamentos do Novo Testamento, sempre apresenta o Matrimônio como sinal (sacramento) do amor entre Cristo e sua Igreja (cf. Ef 5,31-32). E, pela própria maneira de se entender, também antropologicamente o amor responsável, necessariamente se chega à indissolubilidade. O grande teólogo alemão W. Kasper, escrevendo sobre o tema, lembra G. Marcel, que refletindo sobre a natureza do amor humano, conclui que "amar uma pessoa equivale a dizer: você não morrerá". Assim, já que você não vai morrer, o meu amor por você não vai acabar. Ainda mais, falando do vínculo da fidelidade matrimonial, o teólogo afirma que o amor matrimonial dos esposos cristãos "pela sua própria essência, não é um jugo imposto aos cônjuges, privando-os da liberdade, mas a suprema realização da liberdade, um não-poder-ser-já-de-outra-maneira existencial". Isso nos leva a concluir que a própria constituição humana exige um amor indissolúvel. O homem e a mulher são verdadeiramente homem e mulher, quando e somente quando nesta perspectiva, optarem livremente por um amor irreversível.
Tendo presente este ponto de partida, pode-se dizer que a Igreja, na sua doutrina sobre o Matrimônio e, mais ainda, na sua disciplina decorrente da doutrina, leva em conta a seriedade da questão. O Vaticano II, na Constituição Pastoral da Igreja Gaudium et Spes nos deixou a frase pragmática: "Nada de verdadeiramente humano é alheio à Igreja" (n. 1). Por isso é possível ver quando ela confia a seus filhos o tesouro da bênção matrimonial, uma entrega responsável de um compromisso: o testemunho sensível e eficaz do amor fiel e indissolúvel. Como ninguém é obrigado a se casar, a Igreja oferece este compromisso àqueles que livremente se apresentam para o casamento.
Desta forma, os esposos cristãos recebem da Igreja a missão de mostrar ao mundo que o amor de Deus para a humanidade, manifestado em Jesus Cristo, é para sempre. Ela lhes confia esta tarefa. Uma vez que eles a assumem, é dever de justiça como resposta a ela, desempenhar da melhor maneira possível a missão de ser sinal. E quanto mais sinal forem, tanto mais serão eficazes, isto é, tanto mais transmitem o amor de Deus, porque o amor é transmissível. Ele passa para os circunstantes e vai transformando o ambiente ao seu redor. O amor e a fidelidade de Deus se tornam presentes na história graças ao amor e à fidelidade existentes entre os cristãos. Desse modo, a Igreja é o sacramento global de Cristo, como Cristo é o sacramento de Deus. Isso que se afirma da Igreja em sua totalidade, encontra sua condensação e elaboração mais intensivas nos sacramentos concretos. É na vivência concreta dos sacramentos que a Igreja se apresenta e se realiza no mundo. Os casais cristãos se realizam como tais quando vivem o amor indissolúvel assumido no dia de seu casamento.
Olhando sob este ponto de vista, deve-se admitir que a Igreja deposita muita confiança nos casais por ela abençoados por assumirem o Matrimônio cristão. Pode-se dizer que ela os coloca no mundo em seu nome para que, na vida do dia a dia, anunciem a todos que Deus é amor, através de sua maneira de viver o amor responsável e duradouro. A Igreja por eles se faz presente em todas as camadas da sociedade. Cada casal cristão enriquece grandemente a Igreja. Os casais que têm esta consciência sentem-se pequenos diante da missão. Não se cansam de pedir as graças para bem desempenhá-la. Em todos os momentos agradecem os muitos auxílios que a comunidade lhes dá, seja pela certeza de não estarem sozinhos, seja pela formação e pelas orações.
As dificuldades
O Matrimônio deveria ser uma experiência fantástica. Duas pessoas que se amam deveriam jubilar em ouvir dizer que o seu amor não diminuirá: “Forte como a morte é o amor” (Ct 8,6). Ao invés, às vezes elas recebem esta experiência como uma condenação. E, facilmente, com o passar dos anos, por motivos, os mais diversos possíveis, a linda experiência de viver o amor abençoado por Deus e confiado a eles pela Igreja, termina. Sem querer fazer uma apreciação sobre as muitas causas do desaparecimento desse amor, apenas se quer constatar o fato. Em nossos dias, talvez muito mais rápida do que outrora, vem, nestes casos, a separação. As pessoas não suportam viver continuamente com os sofrimentos que isso acarreta. Tudo os leva a dizer não um ao outro e, procurarem outro caminho.
E agora, como fica a questão com relação à Igreja? Deixemos a culpa moral para os moralistas. A lei, por outro lado, é dura. Também os canonistas devem enfrentar o problema com os olhos voltados para uma pastoral mais enraizada nas experiências do dia a dia. O que logo se constata da parte dos cônjuges, agora frustrados, é uma terrível revolta contra o parceiro, contra Deus e contra a comunidade. Muitos, no início, se isolam. Pouco mais adiante, geralmente já com outro companheiro ou outra companheira, voltam ao convívio da comunidade, como se nada tivesse acontecido. Todavia, quando são interpelados por alguém sobre sua real situação legal diante da Igreja, suas atitudes práticas com relação aos sacramentos (Penitência e Eucaristia), aí então o discurso muda. A culpa quase nunca é assumida. Esquece-se a doutrina e igualmente a beleza do Matrimônio. Vê-se apenas a situação complicada em que a pessoa concreta se encontra. A questão do sinal sensível e eficaz desapareceu nas muitas discussões e brigas. E, como afirma um grande conhecedor dos problemas familiares, professor Muraro, "os cristãos que não vivem o amor de modo fiel dão origem, de fato, a uma situação estranha e contraditória, pois por um lado continuam a se declarar fiéis a Cristo, de outro lado rejeitam ou ao menos não vivem o seu ensinamento sobre o amor, e até chegam a institucionalizar esta rejeição com um novo matrimônio. Assim desmentem abertamente com a vida aquilo que afirmam com os lábios, colocando-se no interior da comunidade como negação do amor fiel, e dando origem a um contra-testemunho nos confrontos do mundo para o qual Cristo veio a fim de salvá-lo com o seu amor fiel, paciente e misericordioso".
O mais triste é a ideia de que a Igreja, com as suas leis está sendo injusta com eles. Quantas vezes pessoas em estado irregular criticam, não tanto a Igreja como um todo, mas os hierarcas responsáveis pela comunidade onde elas vivem! Dizem: "Estão sendo injustos comigo!" E continuam – "eu também tenho direito de ser feliz". É verdade. Cada um tem direito de ser feliz. Mas será também verdade que a hierarquia está sendo injusta com eles? Pode até ser, em certo ponto, mas...
Agora volta a questão da grande confiança que a Igreja colocara no casal quando ele se apresentou para o casamento. Quem não está cumprindo o compromisso assumido de testemunhar o amor de Deus em favor da humanidade, sendo um sinal sensível e eficaz? Será que a Igreja não tem muito mais razão em se sentir injustiçada? Mais uma traição de filhos seus nos quais ela depositava tanta confiança.
Conclusão
Com intenção de aprofundar a questão que cada vez mais atormenta as consciências, não tanto dos diretamente envolvidos (que geralmente não possuem consciências formadas), mas dos pastores das comunidades, queremos nos colocar ao lado de todos os que se sentem angustiados. Impedir que afirmações equivocadas apareçam como verdadeiras. Que situações confusas criadas por pessoas que erraram despertem sentimentos de compaixão falsos. E por isso, defender os princípios certos, assim como incentivar a preparação cada vez mais aprimorada para a vida matrimonial. O acompanhamento dos casais, principalmente jovens, por parte de agentes de pastoral experientes, é de suma importância. Muito deve ser feito para que os sacramentos sejam compreendidos não como ritos mágicos, mas o que de fato são. E como são entendidos pela Igreja: Sinais sensíveis e eficazes da graça de Cristo. E, para terminar, quero citar as palavras do grande moralista, Pe. B. Häring: "É decisiva para a pastoral e para a prática matrimonial da Igreja a justa perspectiva sacramental que se tem da ordenação salvífica. Uma compreensão errada ou unilateral, em sentido ritualístico, dos sacramentos, atrofia muitas energias e muitas vezes torna impossíveis as soluções por si racionais".
www.marioglaab.blogspot.com.br
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