sexta-feira, 5 de abril de 2013

Vaticano II hoje (2)

PACTO DAS CATACUMBAS (PONTO 1)

            Na apresentação do tema que queremos desenvolver destacamos a importância dos sinais dos tempos a serem interpretados, conforme ensina o Vaticano II; insistimos no hoje da história a ser assumido e na necessidade de também nós sermos humildes para reconhecer que temos muitas deficiências em nossa vida de pobres seguidores de Jesus de Nazaré. Tomaremos agora o primeiro ponto do Pacto das Catacumbas e tentaremos ouvir o que o Espírito tem a nos dizer para, a exemplo dos bispos que o assinaram há 50 anos, sermos mais coerentes com a Igreja e sua missão no mundo de hoje. O item diz: Procuraremos viver segundo o modo ordinário da nossa população, no que concerne à habitação, à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo que daí se segue. Cf. Mt 5,3; 6,33s; 8,20. (Mt 5,3 diz: “Felizes os pobres no espírito, porque deles é o Reino dos Céus”; 6,33s: “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo. Portanto, não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá sua própria preocupação! A cada dia basta o seu mal”; e, 8,20: “Jesus lhe respondeu: ‘As raposas têm tocas e os pássaros do céu têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça’”).

Modo ordinário população
            Na introdução do Pacto das Catacumbas os bispos dizem que “esclarecidos sobre as deficiências de nossa vida de pobreza segundo o Evangelho” se propõem a superá-las com atitudes concretas. É chegada a hora de verificar se o ordinário da vida dos bispos e dos líderes da Igreja e das Igrejas confere com o “ordinário da população”. Não é preciso ser especialista na arte de observar para constatar que, naquele tempo, e também hoje, na maioria dos casos, os dois pesos não se igualam. O ordinário da vida dos bispos (padres, pastores e líderes) não confere com o ordinário da vida da população. Sem entrar em detalhes, basta ver o modo de se apresentar em público dos pastores de almas: suas vestes e seus modos requintados estão muito distantes das vestes e modos humildes de se apresentar da imensa massa populacional de nossa sociedade.
            É dificultoso entender como os líderes querem, dessa forma, em nome da Igreja, estar verdadeiramente presente no mundo para levar a ele a palavra de salvação nas alegrias e nas esperanças, nas tristezas e nas angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem (cf. GS 1). O modo de se apresentar dos bispos e demais, quase sempre demonstra que o povo em geral é considerado ignorante, pobre, pecador e que, para haver igualdade, ele é que deve deixar para trás todas estas deficiências, pois os pastores já alcançaram os seu status. Esconde-se aí a ideia errada de que o cristão, quando alcança maturidade, não pode ser como os demais, mas forma uma “classe à parte”; uma elite abençoada. É aí que se aninha a heresia da prosperidade. Aliás, a teologia da prosperidade está em alta, principalmente em igrejas neopentecostais, mas não só; está em quase todas as cabeças. No entanto, se Jesus chama de felizes os pobres, se as comunidades primitivas não se consideravam diferentes aos demais, e se o mesmo Jesus diz estar no mais desvalido, como se pode não procurar viver segundo o modo ordinário da população? Mesmo que em muitos textos bíblicos do Antigo Testamento apareça a visão de que a riqueza é sinal de bênção, esta visão não é evangélica. Há ricos, e entre eles também os líderes das igrejas, que de maneira quase espontânea pensam que seu êxito econômico e sua prosperidade são o melhor sinal de que Deus aprova sua vida. Puro engodo!
            Felizmente o Papa Francisco, alguns bispos, padres, pastores e líderes das comunidades, também hoje, têm coragem de ir para mais perto do povo. Muitos têm coragem de ir onde o povo está, alegrando-se, sofrendo e lutando com ele, sem se julgar melhor e mais abençoado do que ninguém. A vida do povo é a vida do cristão.

Habitação, alimentação e meios de locomoção
            Provavelmente todos já escutaram a expressão “hoje comi como um padre!”. Não há dúvida de que é maldosa, mas não deixa de ser inquiridora. Por que será que se tornou tão popular? Outra: até pouco tempo, quando alguém chegava a uma cidade do interior e queria encontrar a casa do padre não lhe era nada difícil: a casa mais bonita do lado da igreja (quando era a do bispo, nem se fala!). À exceção do Cardeal de Buenos Aires, ver um bispo se locomover aos subúrbios das grandes cidades usando os meios de transportes do povo, é um milagre.
Entre o clero novo, não tem como negar, cresce assustadoramente o desejo de vida boa. Já no período de formação os jovens querem exigir do bom e do melhor. Há infelizmente casos nos quais a cozinheira das casas paroquiais, das residências episcopais e das casas de religiosos tem a obrigação de ser muito criativa, pois a alimentação, além de ser variada, não pode ser como a do povo pobre. Sobras são jogadas fora! Os mendigos não conseguem chegar perto dos refeitórios, pois as casas, muito bem construídas, têm proteção e a campainha está desligada. Sabe-se que alguns bispos nos tempos imediatos do pós-concílio – os que assinaram o pacto das catacumbas – vários padres e outros pastores de almas não se furtaram a estar com o povo, saíram de seus palácios (Dom Helder, Dom Paulo etc.), também enfrentando as peripécias dos meios de transporte, tão desafiantes. Hoje, no entanto, esse exemplo diminuiu enormemente. Justifica-se afirmando não ter tempo para perder e que a saúde deve ser preservada. E a saúde do povo pobre? Bem, essa... Cuidar da saúde do povo pobre deve ser tarefa do governo!

Conclusão
            O primeiro item assumido no Pacto das Catacumbas termina dizendo “e a tudo que daí se segue”. É a coerência cristã no cotidiano da vida. É o bispo, o padre, o religioso, o pastor e o líder do povo que está para o povo. Ele não é melhor que o povo, pois faz parte dele, mas com o povo pobre, confiando na presença de Jesus Cristo como Ressuscitado e vencedor do mal, na colaboração mútua, em estreita comunhão, trabalhando na construção do Reino de Deus que é paz, justiça e fraternidade. Ele não pode ser rico e egoísta, enganando-se a si mesmo e ao povo; ele não pode enganar-se, acreditando-se “pobre de espírito” no íntimo de seu coração, porque quem tem alma de pobre não continua desfrutando tranquilamente seus bens enquanto ao lado dele há gente necessitada até das coisas elementares. Que bom, se todo líder, antes de falar ou dar sua bênção tivesse a humildade de se inclinar para pedir as preces e a bênção de seu povo para se iluminar das luzes do Espírito e para se impregnar do amor do mesmo Espírito! (Não podemos esquecer nunca o gesto profético do Papa Francisco antes de abençoar o povo pela primeira vez).
Pe. Mário Fernando Glaab
www.marioglaab.blogspot.com.br

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