sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Concílio Vaticano II hoje (7)

PACTO DAS CATACUMBAS (6)
            O sexto ponto do Pacto das Catacumbas assim se expressa: “No nosso comportamento, nas nossas relações sociais, evitaremos aquilo que pode parecer conferir privilégios, prioridades ou mesmo uma preferência qualquer aos ricos e aos poderosos (ex.: banquetes oferecidos ou aceitos, classes nos serviços religiosos). Cf. Lc 13,12-14; 1Cor 9,14-19.”
            Os textos bíblicos citados pelos bispos dizem o seguinte: “Vendo-a, Jesus a chamou e lhe disse: ‘Mulher, estás livre da tua doença’. Ele impôs as mãos sobre ela, que imediatamente se endireitou e começou a louvar a Deus. O chefe da sinagoga, porém, furioso porque Jesus tinha feito uma cura em dia de sábado, se pôs a dizer à multidão: ‘Há seis dias para trabalhar. Vinde, pois, nesses dias para serdes curados, mas não em dia de sábado”. E, “Eu, porém, não tenho usado de nenhum destes direitos. E não vos escrevo estas coisas para os reclamar. Antes morrer do que... – esse meu título de glória ninguém me tirará! Pois, anunciar o evangelho não é para mim motivo de glória. É antes uma necessidade que se me impõe. Ai de mim, se eu não anunciar o evangelho! Se eu o fizesse por iniciativa minha, teria direito a uma recompensa. Mas se o faço por imposição, trata-se de uma incumbência a mim confiada. Então, qual é a minha recompensa? Ela está no fato de eu anunciar o evangelho gratuitamente, sem fazer uso do direito que o evangelho me confere. Assim, livre em relação a todos, eu me tornei escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível”.
Na passagem do evangelho de Lucas encontramos Jesus, num dia de sábado, “perdendo” seu tempo com uma mulher doente. Não podemos esquecer que mulheres, e ainda mais, mulheres doentes, não possuíam valor algum na sociedade de então, ainda mais diante dos chefes das sinagogas. Perder tempo com uma pessoa dessas, na sinagoga e em dia de sábado, era no mínimo, muito estranho e sem sentido. Por isso a fúria do chefe da sinagoga. Jesus não deveria privilegiar os piedosos que vieram à sinagoga para cultuar a Deus e observar as prescrições relacionadas ao sábado?! O texto de São Paulo é ainda mais esclarecedor. Ele mostra que o evangelizador não pode esperar nada a não ser testemunhar o seu compromisso de fé, a partir de sua missão: ai de mim se não evangelizar!

Aquilo que pode parecer...
            Os bispos nesse item são verdadeiramente ousados. Ao se comprometerem de, no comportamento e nas relações sociais evitar aquilo que pode parecer conferir privilégios, prioridades ou preferências, eles estão supondo que na verdade os comportamentos e as relações não fazem isto jamais; podem, no entanto, parecer como tais. Mas nem isso – o parecer - deve dar motivo de escândalo.
            Não conferir privilégios aos ricos e aos poderosos é próprio de quem age gratuitamente, isto é, sem interesses. Não espera recompensa, não vende seu trabalho, sua dignidade. Fazer o bem sem olhar a quem. Jesus de Nazaré tinha plena liberdade para fazer o bem a qualquer pessoa, não levava em conta sua riqueza ou sua condição social, nem mesmo a sua situação diante da lei e da religião. Não é, porém, o que se tem visto no comportamento de muitos bispos, padres e líderes comunitários em nossas igrejas. Os ricos e poderosos quase sempre conseguem algumas exceções: é que eles podem ajudar de “outras maneiras”, diz-se. Mais grave se torna o relacionamento entre bispos e padres, quando estes últimos têm mais riquezas e mais poderes. Salvo raras exceções, os clérigos melhor aquinhoados quase sempre levam vantagens sobre os demais. Afinal, a parte financeira é extremamente importante, justifica-se. Não é nada incomum que bispos e padres aceitem convites para ricos banquetes, mas tomar um café na casa do pobre é perder tempo. Afinal, é necessário cuidar para não perder a dignidade em meio a essa gentalha que não entende as coisas!

O caminho da gratuidade
            O caminho da gratuidade é quase sempre difícil. Para seguir por esse caminho é necessário aprender coisas como estas: dar sem esperar muito, perdoar quase sem exigir, ser paciente com as pessoas pouco agradáveis, ajudar pensando só no bem do outro. É o que ensina o Divino Mestre quando em Lucas ele aconselha: “quando deres um almoço ou um jantar, não convides teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes, nem os vizinho ricos, porque eles retribuirão (...), convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos” (Lc 14,12-13).
            Esse caminho da gratuidade, logo após o Concílio Vaticano II (após o pacto) teve grande aceitação, especialmente na América Latina onde a teologia da libertação falava muito da “opção preferencial pelos pobres”. Percebia-se que muitos cristãos, entre eles bispos, padres, religiosos e líderes comunitários, queriam ouvir deveras o apelo do Evangelho e viviam pensando nos mais deserdados do mundo. Com o passar dos anos, infelizmente, muita coisa mudou. Novamente alguns pensam que a “opção pelos pobres” é uma linguagem perigosa inventada pelos teólogos da libertação, sempre com interesses políticos de esquerda, e condenada por Roma com toda a razão. Isto, todavia, não é verdade. A opção preferencial pelos pobres é uma palavra de ordem que saiu do íntimo de Jesus de Nazaré. Pode-se afirmar, sem medo de errar, que quem escuta o coração de Deus começa a privilegiar em sua vida os mais necessitados.

Retomar o propósito
            Cinquenta anos depois do Vaticano II está mais do que na hora de retomar o propósito dos bispos no pacto das catacumbas. Nada melhor do que usar o corajoso testemunho do Papa Francisco que não esconde o desejo de uma Igreja pobre, uma Igreja que não privilegia os ricos e os poderosos, mas que como Jesus, vai ao encalço dos mais desvalidos, dos mais abandonados da sociedade, levando a eles a mensagem da paz. Que tal se retomássemos o propósito de buscar uma sociedade na qual cada um pensasse nos mais fracos e indefesos? Uma sociedade muito diferente da atual, na qual aprendêssemos a amar não a quem melhor nos paga, mas a quem mais precisa de nós.
            Talvez seja bom saber, como nos lembra Frei Betto, que todos nós cristãos somos discípulos de um prisioneiro político. Jesus não morreu de doença ou de acidente em Jerusalém. Foi preso, torturado e condenado à morte na cruz por dois poderes políticos: o de Herodes e o de Pilatos. Quem nos aprova e quem nos condena? Pensemos.
Pe. Mário Fernando Glaab
WWW.marioglaab.blogspot.com.br



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