PACTO
DAS CATACUMBAS (11)
O décimo primeiro ponto de Pacto das Catacumbas diz:
“Achando a colegialidade dos bispos sua realização a mais evangélica na
assunção do encargo comum das massas humanas em estado de miséria física,
cultural e moral – dois terços da humanidade – comprometemo-nos: - a
participarmos, conforme nossos meios, dos investimentos urgentes dos
episcopados das nações pobres; - a requerermos juntos ao plano dos organismos
internacionais, mas testemunhando o Evangelho, como o fez o Papa Paulo VI na
ONU, a adoção de estruturas econômicas e culturais que não mais fabriquem
nações proletárias num mundo cada vez mais rico, mas sim permitam às massas
pobres saírem de sua miséria”. Esse item não apresenta citações bíblicas para
se justificar. No entanto, apoia-se no conjunto da visão evangélica da
colegialidade. Aliás, a colegialidade episcopal foi um tema muito apreciado no
Concílio Vaticano II.
Nesta proposta os bispos renovam a consciência de que
todos eles são sucessores dos apóstolos de Jesus Cristo. A missão que dele
receberam deve ser concretizada na comunhão entre eles. Colegialidade quer
expressar justamente isso. Todos juntos empenhados na mesma causa: levar a
Boa-Nova de que Deus ama a todos indistintamente, aos confins da terra. Essa
boa notícia que os bispos receberam do próprio Jesus, necessariamente precisa
atingir os lugares mais recônditos da humanidade. Todos os seres humanos são
objeto do anúncio, mas as “massas humanas em estado de miséria física, cultural
e moral” são os primeiros na lista. Não poderia ser diferente uma vez que
Cristo veio para “anunciar a Boa-Nova aos pobres” (Lc 4,18). Ainda mais, quando
as estatísticas, da época, dizem que são “dois terços da humanidade”.
Mútua
colaboração
A consciência e o pacto não isentam da tarefa de mútua
colaboração entre os episcopados. Todos querem participar, conforme os meios de
que dispõem. As nações pobres hão de ver que os episcopados estão unidos na
busca de soluções diante da miséria de tantos seres humanos. Parece muito claro
que a intenção primeira não é de atrair fiéis para as igrejas; mas, participar
na urgente tarefa de diminuir as dores que os irmãos mais pobres padecem. Este
é um verdadeiro “investimento”, e, quem o vê, pode com facilidade chegar à
fonte, que não é outra que o Evangelho de Jesus de Nazaré.
Apoiar unidos, como colégio episcopal, os planos e
organizações internacionais que combatem a miséria no mundo, tem como mola
propulsora o Evangelho. Por isso a coerência, citando o testemunho de Paulo VI,
que ao discursar na ONU, deixou claro que todas as iniciativas internacionais
necessitam encontrar caminhos para ajudar os pobres – miseráveis – saírem da
condição que os mantêm oprimidos. A distância que separa as nações ricas e
nações pobres não se justifica, muito pelo contrário, deve diminuir até
desaparecer.
Esse compromisso foi muito corajoso e ousado. Os bispos
das nações pobres têm muito mais abertura para esse compromisso. Não é a mesma
coisa para aqueles que estão em situações mais cômodas. Quem possui pouco está
aberto para receber e para partilhar o pouco que tem; mas quem tem bastante
sente grande dificuldade para ajudar: ele sempre quer adiar para acumular mais
um pouco! E, como líder religioso, sofre a tentação de se unir aos que tiram
proveito da miséria alheia. Aliás, são eles que sustentam as dioceses, as
paróquias e comunidades!... Ir contra suas “estruturas econômicas e culturais
que fabricam nações proletárias” para se juntar aos colegas bispos que
denunciam injustiças, é desafiador. Exige desapego corajoso e sincera opção
preferencial pelos pobres. Quem o fez?
Uma
luz que “vem do fim do mundo”
Meio século após o compromisso fixado, pode-se perguntar
sobre o que de fato aconteceu. Será que os bispos que assinaram o pacto se
envolveram com os episcopados das nações mais pobres? Como colegiado se
posicionaram junto aos organismos internacionais com o intento de encontrar
saídas para as massas mais miseráveis? Ainda, conseguiram influenciar seus
colegas e o clero em geral para que também eles se colocassem na posição de uma
Igreja que serve, e não centrada em si mesma?
Certamente, depois de passados 50 anos, com preocupação é
preciso dizer que os desafios continuam. No entanto, não faltam exemplos, para
quem quer ver, de grandes mudanças. Em muitos países que historicamente foram
considerados pobres e produtores de miseráveis, aconteceram progressos imensos.
A igreja teve sua participação, tanto no anúncio positivo de outros caminhos,
quanto na denúncia dos erros que desqualificam o ser humano na sua dignidade.
Grande multidão de gente simples recebeu, em sua comunidade, importante
consciência de que ele é protagonista de sua própria história. A quantos foi
levada a mensagem evangélica de que sua vida é abençoada por Deus e, que assim,
deve-se unir aos irmãos e lutar para ter sempre mais vida. As lutas do povo,
inspiradas pela sã teologia da Igreja – teologia da libertação no seu sentido
genuíno -, foram marcas concretas de testemunho para se adotar estruturas mais
justas e igualitárias. Pobres ajudando pobres faz a história avançar.
Talvez o fruto mais saboroso que esta proposta produziu,
e que se está colhendo agora, 50 anos depois de pacto das catacumbas, tenha
sido a escolha de um papa que “vem do fim do mundo”; de um país da América
Latina. Alguém que fez a experiência de ser pobre junto aos pobres. Francisco,
antes de ser Francisco já se preocupou exemplarmente em ajudar os miseráveis
para sair de sua miséria. Agora, responsável primeiro por toda a Igreja, um
verdadeiro pastor, muito mais há de propor e fazer para fazer sair o maior
número possível da situação de extrema pobreza. Seu anúncio é o de alguém que
sabe valorizar o ser humano, e todo o ser humano, começando pelos últimos.
Francisco, na sua Exortação Apostólica Evangelii
Gaudium escreve: “Evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo”
(176). Com essa pequena frase, que será desenvolvida posteriormente, Francisco
deixa claro que não bastam palavras bonitas repetidas infinitamente. O que na
verdade transforma é estar no mundo como alguém que transforma esse mundo com a
luz e a força da Boa-Nova de Jesus Cristo. Anunciar o amor de Deus para o mundo
é amar esse mundo com o amor de Deus. E, o amor de Deus não é estático, mas ele
converte, liberta e transforma.
Deixemos que a luz vinda do fim do mundo nos ilumine, e
quem sabe, também nos queime. Queime os obstáculos que impedem nossa ação livre
e desinteressada na construção de um mundo melhor, onde não há mais miséria,
mas onde todos tenham vida e vida em abundância. Assim como Jesus descreveu o
Reino de Deus.
Pe. Mário
Fernando Glaab
WWW.marioglaab.blogspot.com.br