sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Concílio Vaticano II hoje (12)

PACTO DAS CATACUMBAS (11)

            O décimo primeiro ponto de Pacto das Catacumbas diz: “Achando a colegialidade dos bispos sua realização a mais evangélica na assunção do encargo comum das massas humanas em estado de miséria física, cultural e moral – dois terços da humanidade – comprometemo-nos: - a participarmos, conforme nossos meios, dos investimentos urgentes dos episcopados das nações pobres; - a requerermos juntos ao plano dos organismos internacionais, mas testemunhando o Evangelho, como o fez o Papa Paulo VI na ONU, a adoção de estruturas econômicas e culturais que não mais fabriquem nações proletárias num mundo cada vez mais rico, mas sim permitam às massas pobres saírem de sua miséria”. Esse item não apresenta citações bíblicas para se justificar. No entanto, apoia-se no conjunto da visão evangélica da colegialidade. Aliás, a colegialidade episcopal foi um tema muito apreciado no Concílio Vaticano II.
            Nesta proposta os bispos renovam a consciência de que todos eles são sucessores dos apóstolos de Jesus Cristo. A missão que dele receberam deve ser concretizada na comunhão entre eles. Colegialidade quer expressar justamente isso. Todos juntos empenhados na mesma causa: levar a Boa-Nova de que Deus ama a todos indistintamente, aos confins da terra. Essa boa notícia que os bispos receberam do próprio Jesus, necessariamente precisa atingir os lugares mais recônditos da humanidade. Todos os seres humanos são objeto do anúncio, mas as “massas humanas em estado de miséria física, cultural e moral” são os primeiros na lista. Não poderia ser diferente uma vez que Cristo veio para “anunciar a Boa-Nova aos pobres” (Lc 4,18). Ainda mais, quando as estatísticas, da época, dizem que são “dois terços da humanidade”.

Mútua colaboração
            A consciência e o pacto não isentam da tarefa de mútua colaboração entre os episcopados. Todos querem participar, conforme os meios de que dispõem. As nações pobres hão de ver que os episcopados estão unidos na busca de soluções diante da miséria de tantos seres humanos. Parece muito claro que a intenção primeira não é de atrair fiéis para as igrejas; mas, participar na urgente tarefa de diminuir as dores que os irmãos mais pobres padecem. Este é um verdadeiro “investimento”, e, quem o vê, pode com facilidade chegar à fonte, que não é outra que o Evangelho de Jesus de Nazaré.
            Apoiar unidos, como colégio episcopal, os planos e organizações internacionais que combatem a miséria no mundo, tem como mola propulsora o Evangelho. Por isso a coerência, citando o testemunho de Paulo VI, que ao discursar na ONU, deixou claro que todas as iniciativas internacionais necessitam encontrar caminhos para ajudar os pobres – miseráveis – saírem da condição que os mantêm oprimidos. A distância que separa as nações ricas e nações pobres não se justifica, muito pelo contrário, deve diminuir até desaparecer.
            Esse compromisso foi muito corajoso e ousado. Os bispos das nações pobres têm muito mais abertura para esse compromisso. Não é a mesma coisa para aqueles que estão em situações mais cômodas. Quem possui pouco está aberto para receber e para partilhar o pouco que tem; mas quem tem bastante sente grande dificuldade para ajudar: ele sempre quer adiar para acumular mais um pouco! E, como líder religioso, sofre a tentação de se unir aos que tiram proveito da miséria alheia. Aliás, são eles que sustentam as dioceses, as paróquias e comunidades!... Ir contra suas “estruturas econômicas e culturais que fabricam nações proletárias” para se juntar aos colegas bispos que denunciam injustiças, é desafiador. Exige desapego corajoso e sincera opção preferencial pelos pobres. Quem o fez?

Uma luz que “vem do fim do mundo”
            Meio século após o compromisso fixado, pode-se perguntar sobre o que de fato aconteceu. Será que os bispos que assinaram o pacto se envolveram com os episcopados das nações mais pobres? Como colegiado se posicionaram junto aos organismos internacionais com o intento de encontrar saídas para as massas mais miseráveis? Ainda, conseguiram influenciar seus colegas e o clero em geral para que também eles se colocassem na posição de uma Igreja que serve, e não centrada em si mesma?
            Certamente, depois de passados 50 anos, com preocupação é preciso dizer que os desafios continuam. No entanto, não faltam exemplos, para quem quer ver, de grandes mudanças. Em muitos países que historicamente foram considerados pobres e produtores de miseráveis, aconteceram progressos imensos. A igreja teve sua participação, tanto no anúncio positivo de outros caminhos, quanto na denúncia dos erros que desqualificam o ser humano na sua dignidade. Grande multidão de gente simples recebeu, em sua comunidade, importante consciência de que ele é protagonista de sua própria história. A quantos foi levada a mensagem evangélica de que sua vida é abençoada por Deus e, que assim, deve-se unir aos irmãos e lutar para ter sempre mais vida. As lutas do povo, inspiradas pela sã teologia da Igreja – teologia da libertação no seu sentido genuíno -, foram marcas concretas de testemunho para se adotar estruturas mais justas e igualitárias. Pobres ajudando pobres faz a história avançar.
            Talvez o fruto mais saboroso que esta proposta produziu, e que se está colhendo agora, 50 anos depois de pacto das catacumbas, tenha sido a escolha de um papa que “vem do fim do mundo”; de um país da América Latina. Alguém que fez a experiência de ser pobre junto aos pobres. Francisco, antes de ser Francisco já se preocupou exemplarmente em ajudar os miseráveis para sair de sua miséria. Agora, responsável primeiro por toda a Igreja, um verdadeiro pastor, muito mais há de propor e fazer para fazer sair o maior número possível da situação de extrema pobreza. Seu anúncio é o de alguém que sabe valorizar o ser humano, e todo o ser humano, começando pelos últimos. Francisco, na sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium escreve: “Evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo” (176). Com essa pequena frase, que será desenvolvida posteriormente, Francisco deixa claro que não bastam palavras bonitas repetidas infinitamente. O que na verdade transforma é estar no mundo como alguém que transforma esse mundo com a luz e a força da Boa-Nova de Jesus Cristo. Anunciar o amor de Deus para o mundo é amar esse mundo com o amor de Deus. E, o amor de Deus não é estático, mas ele converte, liberta e transforma.
            Deixemos que a luz vinda do fim do mundo nos ilumine, e quem sabe, também nos queime. Queime os obstáculos que impedem nossa ação livre e desinteressada na construção de um mundo melhor, onde não há mais miséria, mas onde todos tenham vida e vida em abundância. Assim como Jesus descreveu o Reino de Deus.
Pe. Mário Fernando Glaab
WWW.marioglaab.blogspot.com.br


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