quinta-feira, 8 de maio de 2014

A Palavra proclamada, não lida.

MENSAGEM HUMANA E PALAVRA DE DEUS

            Alguém disse que prefere uma linda mensagem no lugar da explicação da Palavra de Deus. Essa tentação é frequente, tanto para ouvintes como para pregadores. Para alguns é cansativo falar ou ouvir falar da Palavra de Deus todos os domingos nas celebrações. Uma mensagem, quando bem feita, por gente que coloca uma pitada de emoção, pode até interessar mais que os evangelhos que já se conhece tão bem! Talvez atinja mais os ouvintes e desperte neles sentimentos mais diversificados. Contudo, por mais bonita e profunda que uma mensagem possa ser, ela nunca se iguala à Palavra de Deus.
            Uma mensagem humana é sempre uma entre tantas mensagens humanas. A Palavra de Deus é sempre uma e única. Não se diz “palavras do Senhor” ou “palavras da Salvação”, mas Palavra do Senhor ou Palavra da Salvação. Mesmo que as mensagens humanas, quando ditas por pessoas sábias e santas, possam ser riquíssimas, há entre elas e a Palavra de Deus uma enorme distância, pois “o meu pensamento não é o pensamento vosso, vossos caminhos não são os caminhos meus” (Is 55,8). Se mensagens são ricas, a Palavra é a própria riqueza. Uma boa mensagem humana busca da fonte que é a Palavra de Deus.
            Na prática de numerosas homilias ou em belas mensagens que se quer passar, conforme o momento e a situação, cai-se facilmente no erro de “querer dizer algo” e para tal, busca-se apoio na Palavra inspirada. O inverso, no entanto, é preciso aprender. A iniciativa sempre deve ficar com a Palavra de Deus. Ela fala e, uma mensagem humana que quer ser boa, consegue adaptá-la para determinada ocasião. Sabe iluminar o momento ou traduzir o conteúdo que é a Palavra sempre atual e eterna para que também as pessoas que estão no espaço e no tempo, aqui e agora, tenham acesso a ela. As mensagens são sempre mensagens limitadas no tempo e no espaço, são as mensagens deste ou daquele personagem. Podem ser retomadas, mas não “atualizadas”. A Palavra, pelo contrário, é sempre atual, pois “passarão o céu e a terra, mas minhas palavras não passarão”.

Experiência das comunidades cristãs primitivas
            Quando morre alguém importante, um sábio ou um santo, com o passar dos anos via se à cata de sua história. Juntam-se todos os dados, buscam-se seus ensinamentos, seus feitos, tudo é arquivado para constar e enriquecer a história. Quem quiser usar da sabedoria ou de santidade do herói falecido vai buscá-lo em sua história. Coloca-o no seu contexto histórico e no espaço em que viveu e agiu. Com os discípulos de Jesus, logo após a sua morte e ressurreição, aconteceu algo semelhante, mas também algo bem diferente. Eles foram juntando seus ensinamentos, palavras e feitos, memorizaram e escreveram; passaram-nos adiante. Porém, quando “usavam” esses ensinamentos, não os usavam como se usam os ensinamentos de um herói morto, um herói do passado. Eles, quando se lembravam de Jesus, quando recordavam suas palavras e contavam seus feitos, quando os transmitiam aos novos ouvintes; não voltavam ao passado, mas experimentavam o próprio Jesus Ressuscitado comunicando-se com eles. As palavras que transmitiam não eram palavras do passado, mas a Palavra que é atual, falando agora para eles. Os pregadores, os escritores ou os leitores, não as faziam suas. Mas sabiam, pela fé, que esta era a Palavra, era o Ressuscitado em pessoa que estava presente. Eles “reapresentavam” a Palavra emprestando suas palavras, suas pregações e seus escritos humanos. Havia uma verdadeira fusão entre a Palavra (feito carne) e as palavras dos discípulos.
            Assim surgiu o conceito de “Evangelho” – Boa Notícia. Boa notícia não para o passado que talvez ainda tenha algum significado para os ouvintes de hoje, mas Notícia que tem toda a sua força, assim como a teve quando anunciada aos ouvintes que estavam diante de Jesus histórico. Nestas comunidades, as primeiras comunidades cristãs, os evangelhos eram lidos, não como palavras ditas por Jesus no passado, mas como palavras que em cada tempo o Senhor Ressuscitado está dizendo a seus ouvintes que querem ser seus seguidores. As comunidades haviam recolhido as palavras de Jesus e seus feitos como palavras de alguém que está vivo e continua falando ainda hoje aos que creem nele.

Conclusão
            Por tudo isso, um cristão nunca confunde a Palavra de Deus, especialmente o Evangelho, com qualquer outro escrito ou mensagem, por mais profunda ou linda que seja. Trocar a Palavra por uma mensagem humana é muito grave. A Palavra de Cristo fala diretamente ao coração, as outras palavras também podem chegar ao coração, mas passam por muitos caminhos, pois são construções limitadas. Aliás, o Concílio Vaticano II o diz solenemente na Sacrosanctum Concilium 7: “Presente está pela sua palavra, pois é Ele mesmo que fala quando se leem as Sagradas Escritura na Igreja”.
            Portanto, leiamos muitas e boas mensagens, muitos bons livros, mas tenhamos consciência de que quem souber ler o Evangelho com fé o escutará no fundo de seu coração, escutará o próprio Ressuscitado na intimidade de seu ser.
Pe. Mário F. Glaab

WWW.marioglaab.blogspot.com.br

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