MENSAGEM
HUMANA E PALAVRA DE DEUS
Alguém disse que prefere uma linda mensagem no lugar da
explicação da Palavra de Deus. Essa tentação é frequente, tanto para ouvintes
como para pregadores. Para alguns é cansativo falar ou ouvir falar da Palavra
de Deus todos os domingos nas celebrações. Uma mensagem, quando bem feita, por
gente que coloca uma pitada de emoção, pode até interessar mais que os
evangelhos que já se conhece tão bem! Talvez atinja mais os ouvintes e desperte
neles sentimentos mais diversificados. Contudo, por mais bonita e profunda que
uma mensagem possa ser, ela nunca se iguala à Palavra de Deus.
Uma mensagem humana é sempre uma entre tantas mensagens
humanas. A Palavra de Deus é sempre uma e única. Não se diz “palavras do
Senhor” ou “palavras da Salvação”, mas Palavra do Senhor ou Palavra da
Salvação. Mesmo que as mensagens humanas, quando ditas por pessoas sábias e
santas, possam ser riquíssimas, há entre elas e a Palavra de Deus uma enorme
distância, pois “o meu pensamento não é o pensamento vosso, vossos caminhos não
são os caminhos meus” (Is 55,8). Se mensagens são ricas, a Palavra é a própria
riqueza. Uma boa mensagem humana busca da fonte que é a Palavra de Deus.
Na prática de numerosas homilias ou em belas mensagens
que se quer passar, conforme o momento e a situação, cai-se facilmente no erro
de “querer dizer algo” e para tal, busca-se apoio na Palavra inspirada. O
inverso, no entanto, é preciso aprender. A iniciativa sempre deve ficar com a
Palavra de Deus. Ela fala e, uma mensagem humana que quer ser boa, consegue
adaptá-la para determinada ocasião. Sabe iluminar o momento ou traduzir o
conteúdo que é a Palavra sempre atual e eterna para que também as pessoas que
estão no espaço e no tempo, aqui e agora, tenham acesso a ela. As mensagens são
sempre mensagens limitadas no tempo e no espaço, são as mensagens deste ou
daquele personagem. Podem ser retomadas, mas não “atualizadas”. A Palavra, pelo
contrário, é sempre atual, pois “passarão o céu e a terra, mas minhas palavras
não passarão”.
Experiência
das comunidades cristãs primitivas
Quando morre alguém importante, um sábio ou um santo, com
o passar dos anos via se à cata de sua história. Juntam-se todos os dados,
buscam-se seus ensinamentos, seus feitos, tudo é arquivado para constar e
enriquecer a história. Quem quiser usar da sabedoria ou de santidade do herói
falecido vai buscá-lo em sua história. Coloca-o no seu contexto histórico e no
espaço em que viveu e agiu. Com os discípulos de Jesus, logo após a sua morte e
ressurreição, aconteceu algo semelhante, mas também algo bem diferente. Eles
foram juntando seus ensinamentos, palavras e feitos, memorizaram e escreveram;
passaram-nos adiante. Porém, quando “usavam” esses ensinamentos, não os usavam
como se usam os ensinamentos de um herói morto, um herói do passado. Eles,
quando se lembravam de Jesus, quando recordavam suas palavras e contavam seus
feitos, quando os transmitiam aos novos ouvintes; não voltavam ao passado, mas
experimentavam o próprio Jesus Ressuscitado comunicando-se com eles. As
palavras que transmitiam não eram palavras do passado, mas a Palavra que é
atual, falando agora para eles. Os pregadores, os escritores ou os leitores,
não as faziam suas. Mas sabiam, pela fé, que esta era a Palavra, era o
Ressuscitado em pessoa que estava presente. Eles “reapresentavam” a Palavra
emprestando suas palavras, suas pregações e seus escritos humanos. Havia uma
verdadeira fusão entre a Palavra (feito carne) e as palavras dos discípulos.
Assim surgiu o conceito de “Evangelho” – Boa Notícia. Boa
notícia não para o passado que talvez ainda tenha algum significado para os
ouvintes de hoje, mas Notícia que tem toda a sua força, assim como a teve
quando anunciada aos ouvintes que estavam diante de Jesus histórico. Nestas
comunidades, as primeiras comunidades cristãs, os evangelhos eram lidos, não
como palavras ditas por Jesus no passado, mas como palavras que em cada tempo o
Senhor Ressuscitado está dizendo a seus ouvintes que querem ser seus
seguidores. As comunidades haviam recolhido as palavras de Jesus e seus feitos
como palavras de alguém que está vivo e continua falando ainda hoje aos que
creem nele.
Conclusão
Por tudo isso, um cristão nunca confunde a Palavra de
Deus, especialmente o Evangelho, com qualquer outro escrito ou mensagem, por
mais profunda ou linda que seja. Trocar a Palavra por uma mensagem humana é
muito grave. A Palavra de Cristo fala diretamente ao coração, as outras
palavras também podem chegar ao coração, mas passam por muitos caminhos, pois
são construções limitadas. Aliás, o Concílio Vaticano II o diz solenemente na Sacrosanctum Concilium 7: “Presente está
pela sua palavra, pois é Ele mesmo que fala quando se leem as Sagradas
Escritura na Igreja”.
Portanto, leiamos muitas e boas mensagens, muitos bons
livros, mas tenhamos consciência de que quem souber ler o Evangelho com fé o
escutará no fundo de seu coração, escutará o próprio Ressuscitado na intimidade
de seu ser.
Pe. Mário F.
Glaab
WWW.marioglaab.blogspot.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário