CELEBRAÇÕES
LITÚRGICAS POLUÍDAS
Pe. Mário
Fernando Glaab
No início do cristianismo as celebrações litúrgicas da
Igreja primitiva eram muito simples. Os fiéis se reuniam nas casas para ouvir a
pregação dos líderes, fazer orações e “repartir o pão”. Nestes encontros não
havia nada de pomposo. Restringia-se a um encontro familiar, ou melhor, um
encontro comunitário dos discípulos de Jesus que morrera, que ressuscitara e
que enviou o seu Espírito sobre eles. Reuniam-se para “fazer memória” do que
ele fez e mandou que eles fizessem. Com o passar dos anos foram se organizando
ritos para as diversas celebrações. Além das riquíssimas tradições judaicas, as
contribuições dos povos que se convertiam ao cristianismo iam se somando às
maneiras de celebrar. Importância enorme teve a construção dos templos próprios
para serem lugares sagrados. Cada vez mais as comunidades se reuniam em número
sempre maior, não mais nas casas, mas nos templos erigidos para essa
finalidade: casas de Deus e casas das comunidades, onde as liturgias se
revestiam do sagrado. Ao redor do essencial surgiram inúmeros acréscimos
simbólicos que porém, aos poucos, chegaram a confundir os fiéis nas
celebrações, desviando-os do principal.
Durante os séculos aconteceram renovações litúrgicas,
adaptações, avanços e aprofundamentos. Procurou-se dar aos fiéis de todos os
tempos acesso aos mistérios da fé, acentuando mais o mistério, outra vez mais a
participação dos fiéis. A partir do Concílio Vaticano II a Igreja empreendeu um
enorme esforço para se adequar às exigências dos tempos atuais, também na
liturgia. Uma das preocupações do Concílio foi o de “ler os sinais dos tempos”
e a partir deles reinterpretar as verdades sempre atuais da fé e expressá-las
convenientemente na celebração litúrgica. Especialistas trabalharam
incansavelmente para que o povo que pretende celebrar a sua fé pudesse chegar
ao essencial e não se perder no acessório.
O
espaço litúrgico para a missa
As igrejas, que na maioria foram construídas em outras
épocas necessitaram ser adaptadas aos novos tempos. O espaço litúrgico haveria de
ser direcionado para o mistério central da celebração. Isso criou dificuldades,
pois não é fácil modificar o que foi planejado com outra visão. Mesmo igrejas
novas, construídas depois do Concílio, nem sempre tiveram orientação renovada.
Em muitas cabeças as novidades litúrgicas ainda não produziram alterações
inovadoras; talvez até provocaram reações adversas. Igrejas modernas não são
necessariamente igrejas com espaços litúrgicos conforme a novidade conciliar.
Igrejas antigas, e novas também, esbanjam frequentemente imagens de todos os
tamanhos, cartazes, faixas, estantes, toalhas, flores, velas e um mundo de
objetos que desviam a atenção do que deveria ser central. Pergunta-se, por quê?
Certamente não é fácil dar os motivos para esse
emaranhado de símbolos e objetos de devoção. Porém uma coisa é certa: quando
essa variada abundância de coisas não consegue destacar o centro da fé e da
celebração que aí se realiza, ela se torna prejudicial. Bom seria se, ao invés
de ser material que confunde, fosse acentuar e sobressalientar a simplicidade
do necessário. Mas quando isso não acontece pode-se falar em “poluição” do
espaço litúrgico.
Alguns critérios bem práticos para que o espaço litúrgico
das igrejas seja funcional, destaque o essencial e não polua o ambiente, podem
ser: 1) que o centro de tudo seja o altar, sobriamente ornamentado com uma
toalha. Que o altar convide os fiéis a se “aproximarem” do coração de Deus,
pois é sobre ele que Cristo se oferece em sacrifício. E que todos os que se
aproximam do altar o façam para servir a esse sacrifício. O altar não é uma
mesa qualquer que serve para aí se colocar papeis, flores, velas, para aí
escrever ou colocar máquinas fotográficas e até celulares; 2) que ao lado do
altar, na mesma direção dele, esteja o ambão; nem mais para frente ou mais para
trás, nem em degrau inferior. Também ele sobriamente ornamentado. O lecionário,
de preferência, seja visível sobre o ambão. Ao se colocar velas ou flores junto
dele, estas não devem roubar a cena. Elas somente devem destacar o lugar donde
é anunciada a Palavra de Deus; apontam para a “boca de Deus” que conduz à
salvação. Igualmente os leitores devem ter consciência do que irão fazer:
proclamar a Palavra de Deus. Para isso, o leitor precisa estar muito bem
preparado. Ler bem, apesar de saber que não faz somente uma leitura. Ele se
empresta a Deus para que Deus possa se comunicar; 3) do outro lado do altar, em
lugar bem visível, está a cadeira do presidente, a sede. Esta cadeira, geralmente
ladeada por duas menores, está aí para lembrar o Cristo Ressuscitado que está
no meio dos seus. Esse lugar é ocupado somente pelo presidente da celebração, o
sacerdote que age na pessoa de Cristo. Para não roubar a cena e “esconder” o
presidente que está sentado ou junto à cadeira presidencial, recomenda-se que
nas cadeiras ao lado dela não se coloque pessoas adultas – ministros -, mas
somente coroinhas. Eles têm a finalidade de servir ao presidente e, como crianças,
dar-lhe destaque; 4) bem visível na parede ao fundo do altar deve estar o
crucifixo. Tanto que quem olha para o altar, necessariamente seja levado a
contemplar o Crucificado; 5) imagens de santos, mesmo do padroeiro, podem ter
seu lugar de honra no presbitério, mas não desviar do foco central que formam o
conjunto até aqui descrito; 6) o sacrário, de preferência esteja em capela lateral.
Lá o Santissimo ficará guardado para ser levado àqueles que não podem
participar da celebração na igreja; e, para adoração individual ou em grupo. O
translado de hóstias consagradas do altar para o sacrário e de lá para o altar
durante a missa é sempre muito discreto. Os fiéis naquele momento estão
concentrados na celebração da eucaristia, não na adoração.
Os
ritos da celebração
Mesmo que a celebração da missa seja pré-estabelecida,
ela admite bastante criatividade. Conforme o tempo litúrgico ou a ocasião em
que se celebra, podem-se acrescentar símbolos, mensagens e orações. No entanto,
também nesse aspecto, a simplicidade é fundamental. Tudo o que se faz tem como
finalidade a comunicação entre o mistério e os fiéis. Quando uma celebração
fica sobrecarregada de gestos, mensagens, comentários e até de cantos, ela, ao
invés de favorecer a comunicação com o sagrado, torna-se “incomunicação”.
Confunde e ofusca o essencial. E, por outro lado, é tão agradável quando a
celebração decorre na simplicidade, convidando todos a se ater no essencial.
Assim o coração humano sente o coração de Deus e, percebe o pulsar do coração
dos irmãos.
Também aqui temos alguns critérios que podem ajudar: 1)
que os comentários sejam breves, e, sempre convidem a “olhar” para o que
acontece no ambão ou sobre o altar. Que nunca tomem o lugar desses. Quem quer
se comunicar é Deus com sua Palavra e com a doação de seu Filho. O comentarista
deve saber disso; não é ele que vai se comunicar: ele “aponta” para o ambão ou
para o altar; 2) os cantos igualmente sejam breves. E, nunca - nunca mesmo! –
são executados para fazer show. O
responsável pelos cantos precisa ajudar a assembleia para que se possa
expressar cantando. Com os cantos toda a assembleia exulta de júbilo no Senhor;
3) não convém que a toda hora entrem objetos como imagens, bandeiras, e outros
símbolos. Uma ou outra vez tais entradas podem favorecer a união da vida do
dia-a-dia das pessoas com o mistério de Cristo; mas não devem se tornar
corriqueiras; 4) as homilias sejam um compartilhar da Palavra de Deus; um
continuar atualizando o que Deus disse. Homilias longas cansam e não produzem
frutos bons; 5) muito barulho e muita movimentação durante a celebração são
inconvenientes. O silêncio é importante. Todos precisam de tempo para
interiorizar a mensagem e para rezar no profundo de seu coração; 6) avisos –
sempre no final da missa -, devem ser concisos e não muito numerosos. Não é o
momento de fazer “sermão”, ou até, de reclamar e chamar a atenção das pessoas.
Convém que todos se sintam membros do Corpo Místico de
Cristo e da Igreja, e assim experimentar o amor infinito de Deus nas
celebrações eucarísticas. As nossas liturgias devem ser com o povo e não para o
povo. As celebrações necessitam levar os fiéis, incluindo o padre e a equipe
litúrgica de celebração, a serem um só coração e uma só alma, e que despertem a
comunidade para o compromisso com a vida e os mais sofredores do mundo.
É, portanto, de grande importância que se “limpe” de vez
em quando nossas liturgias, pois não raras vezes elas estão bem “poluídas”.