sexta-feira, 6 de junho de 2014

Melhorar as celebrações litúrgicas

CELEBRAÇÕES LITÚRGICAS POLUÍDAS
Pe. Mário Fernando Glaab

            No início do cristianismo as celebrações litúrgicas da Igreja primitiva eram muito simples. Os fiéis se reuniam nas casas para ouvir a pregação dos líderes, fazer orações e “repartir o pão”. Nestes encontros não havia nada de pomposo. Restringia-se a um encontro familiar, ou melhor, um encontro comunitário dos discípulos de Jesus que morrera, que ressuscitara e que enviou o seu Espírito sobre eles. Reuniam-se para “fazer memória” do que ele fez e mandou que eles fizessem. Com o passar dos anos foram se organizando ritos para as diversas celebrações. Além das riquíssimas tradições judaicas, as contribuições dos povos que se convertiam ao cristianismo iam se somando às maneiras de celebrar. Importância enorme teve a construção dos templos próprios para serem lugares sagrados. Cada vez mais as comunidades se reuniam em número sempre maior, não mais nas casas, mas nos templos erigidos para essa finalidade: casas de Deus e casas das comunidades, onde as liturgias se revestiam do sagrado. Ao redor do essencial surgiram inúmeros acréscimos simbólicos que porém, aos poucos, chegaram a confundir os fiéis nas celebrações, desviando-os do principal.
            Durante os séculos aconteceram renovações litúrgicas, adaptações, avanços e aprofundamentos. Procurou-se dar aos fiéis de todos os tempos acesso aos mistérios da fé, acentuando mais o mistério, outra vez mais a participação dos fiéis. A partir do Concílio Vaticano II a Igreja empreendeu um enorme esforço para se adequar às exigências dos tempos atuais, também na liturgia. Uma das preocupações do Concílio foi o de “ler os sinais dos tempos” e a partir deles reinterpretar as verdades sempre atuais da fé e expressá-las convenientemente na celebração litúrgica. Especialistas trabalharam incansavelmente para que o povo que pretende celebrar a sua fé pudesse chegar ao essencial e não se perder no acessório.

O espaço litúrgico para a missa
            As igrejas, que na maioria foram construídas em outras épocas necessitaram ser adaptadas aos novos tempos. O espaço litúrgico haveria de ser direcionado para o mistério central da celebração. Isso criou dificuldades, pois não é fácil modificar o que foi planejado com outra visão. Mesmo igrejas novas, construídas depois do Concílio, nem sempre tiveram orientação renovada. Em muitas cabeças as novidades litúrgicas ainda não produziram alterações inovadoras; talvez até provocaram reações adversas. Igrejas modernas não são necessariamente igrejas com espaços litúrgicos conforme a novidade conciliar. Igrejas antigas, e novas também, esbanjam frequentemente imagens de todos os tamanhos, cartazes, faixas, estantes, toalhas, flores, velas e um mundo de objetos que desviam a atenção do que deveria ser central. Pergunta-se, por quê?
            Certamente não é fácil dar os motivos para esse emaranhado de símbolos e objetos de devoção. Porém uma coisa é certa: quando essa variada abundância de coisas não consegue destacar o centro da fé e da celebração que aí se realiza, ela se torna prejudicial. Bom seria se, ao invés de ser material que confunde, fosse acentuar e sobressalientar a simplicidade do necessário. Mas quando isso não acontece pode-se falar em “poluição” do espaço litúrgico.
            Alguns critérios bem práticos para que o espaço litúrgico das igrejas seja funcional, destaque o essencial e não polua o ambiente, podem ser: 1) que o centro de tudo seja o altar, sobriamente ornamentado com uma toalha. Que o altar convide os fiéis a se “aproximarem” do coração de Deus, pois é sobre ele que Cristo se oferece em sacrifício. E que todos os que se aproximam do altar o façam para servir a esse sacrifício. O altar não é uma mesa qualquer que serve para aí se colocar papeis, flores, velas, para aí escrever ou colocar máquinas fotográficas e até celulares; 2) que ao lado do altar, na mesma direção dele, esteja o ambão; nem mais para frente ou mais para trás, nem em degrau inferior. Também ele sobriamente ornamentado. O lecionário, de preferência, seja visível sobre o ambão. Ao se colocar velas ou flores junto dele, estas não devem roubar a cena. Elas somente devem destacar o lugar donde é anunciada a Palavra de Deus; apontam para a “boca de Deus” que conduz à salvação. Igualmente os leitores devem ter consciência do que irão fazer: proclamar a Palavra de Deus. Para isso, o leitor precisa estar muito bem preparado. Ler bem, apesar de saber que não faz somente uma leitura. Ele se empresta a Deus para que Deus possa se comunicar; 3) do outro lado do altar, em lugar bem visível, está a cadeira do presidente, a sede. Esta cadeira, geralmente ladeada por duas menores, está aí para lembrar o Cristo Ressuscitado que está no meio dos seus. Esse lugar é ocupado somente pelo presidente da celebração, o sacerdote que age na pessoa de Cristo. Para não roubar a cena e “esconder” o presidente que está sentado ou junto à cadeira presidencial, recomenda-se que nas cadeiras ao lado dela não se coloque pessoas adultas – ministros -, mas somente coroinhas. Eles têm a finalidade de servir ao presidente e, como crianças, dar-lhe destaque; 4) bem visível na parede ao fundo do altar deve estar o crucifixo. Tanto que quem olha para o altar, necessariamente seja levado a contemplar o Crucificado; 5) imagens de santos, mesmo do padroeiro, podem ter seu lugar de honra no presbitério, mas não desviar do foco central que formam o conjunto até aqui descrito; 6) o sacrário, de preferência esteja em capela lateral. Lá o Santissimo ficará guardado para ser levado àqueles que não podem participar da celebração na igreja; e, para adoração individual ou em grupo. O translado de hóstias consagradas do altar para o sacrário e de lá para o altar durante a missa é sempre muito discreto. Os fiéis naquele momento estão concentrados na celebração da eucaristia, não na adoração.

Os ritos da celebração
            Mesmo que a celebração da missa seja pré-estabelecida, ela admite bastante criatividade. Conforme o tempo litúrgico ou a ocasião em que se celebra, podem-se acrescentar símbolos, mensagens e orações. No entanto, também nesse aspecto, a simplicidade é fundamental. Tudo o que se faz tem como finalidade a comunicação entre o mistério e os fiéis. Quando uma celebração fica sobrecarregada de gestos, mensagens, comentários e até de cantos, ela, ao invés de favorecer a comunicação com o sagrado, torna-se “incomunicação”. Confunde e ofusca o essencial. E, por outro lado, é tão agradável quando a celebração decorre na simplicidade, convidando todos a se ater no essencial. Assim o coração humano sente o coração de Deus e, percebe o pulsar do coração dos irmãos.
            Também aqui temos alguns critérios que podem ajudar: 1) que os comentários sejam breves, e, sempre convidem a “olhar” para o que acontece no ambão ou sobre o altar. Que nunca tomem o lugar desses. Quem quer se comunicar é Deus com sua Palavra e com a doação de seu Filho. O comentarista deve saber disso; não é ele que vai se comunicar: ele “aponta” para o ambão ou para o altar; 2) os cantos igualmente sejam breves. E, nunca - nunca mesmo! – são executados para fazer show. O responsável pelos cantos precisa ajudar a assembleia para que se possa expressar cantando. Com os cantos toda a assembleia exulta de júbilo no Senhor; 3) não convém que a toda hora entrem objetos como imagens, bandeiras, e outros símbolos. Uma ou outra vez tais entradas podem favorecer a união da vida do dia-a-dia das pessoas com o mistério de Cristo; mas não devem se tornar corriqueiras; 4) as homilias sejam um compartilhar da Palavra de Deus; um continuar atualizando o que Deus disse. Homilias longas cansam e não produzem frutos bons; 5) muito barulho e muita movimentação durante a celebração são inconvenientes. O silêncio é importante. Todos precisam de tempo para interiorizar a mensagem e para rezar no profundo de seu coração; 6) avisos – sempre no final da missa -, devem ser concisos e não muito numerosos. Não é o momento de fazer “sermão”, ou até, de reclamar e chamar a atenção das pessoas.
            Convém que todos se sintam membros do Corpo Místico de Cristo e da Igreja, e assim experimentar o amor infinito de Deus nas celebrações eucarísticas. As nossas liturgias devem ser com o povo e não para o povo. As celebrações necessitam levar os fiéis, incluindo o padre e a equipe litúrgica de celebração, a serem um só coração e uma só alma, e que despertem a comunidade para o compromisso com a vida e os mais sofredores do mundo.

            É, portanto, de grande importância que se “limpe” de vez em quando nossas liturgias, pois não raras vezes elas estão bem “poluídas”.

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