Gratuidade
do amor de Deus por nós
Sentir-se abandonado por Deus é desesperador. Qualquer
criatura não amada por ninguém, nem mesmo por Deus, entra em desespero. Nada
mais a sustém. Ela morre, uma vez que não faz sentido viver assim.
Contradição
lógica
O Novo Testamento traz dois textos que parecem se excluir
mutuamente. Um diz: “Nós que cremos, reconhecemos o amor que Deus tem para
conosco” (1Jo 4,16); o outro, de Jesus moribundo, traz o grito: “Meu Deus, meu
Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34). Não seria este uma afirmação de
falta de fé em Jesus no auge de sua entrega pela sua causa? A lógica pura não
funciona. Por traz destas palavras inspiradas fala mais alto, não a lógica, mas
o amor vivido e experimentado na fé.
Ao se dizer que o amor de Deus é reconhecido pela fé,
sabe-se que foi esta a experiência de Jesus e de seus discípulos em todos os
tempos. Também hoje. Quem não adere, comprometendo-se com Ele, nunca vai
reconhecer o mistério deste amor. Deus, em Jesus ama gratuitamente. Exclui os
méritos, a observância das leis, das normas ou da religião, mas para todos tem
uma mensagem de paz. À medida em que alguém se deixa tocar por Jesus é
envolvido na experiência do amor de Deus, que não se explica com palavras e
argumentos humanos. No grito de Jesus coloca-se o confronto com o máximo da
miséria humana. O abandono de tudo e de todos. Não se justifica o grito!
Contudo, no mais profundo da miséria experimentada por Jesus, naquele momento
dramático da cruz, vislumbramos a mais pura fé, a mais esplêndida confiança.
“Meu Deus, meu Deus, por que...?” Somente pode gritar assim, nas condição desse
abandono, quem viveu, vive e viverá sempre na confiança de que Deus estava e
estará presente. O abandono é ausência, mas de Alguém que, com certeza, estava
aqui, e, que o estará novamente. Alguém que escuta, apesar de não se vê-lo e
senti-lo. É morte física, sim; morte para Deus, não; desespero humano, sim;
desconfiança no Pai, não.
Amor
gratuito
O mundo tem muita dificuldade para crer no amor de Deus.
Mentalidade esta que afeta também as religiões, que ensinam, com seus
preceitos, sua moral, suas leis, como se deve proceder para ter a bênção e as
graças de Deus. Aquele que faz tudo conforme as regras da religião será amado
por Deus. A partir dessa visão se estabelecem critérios para avaliar as
religiões como mais ou menos eficientes. Provas de eficiência são bem-vindas!
Deus, no entanto, age diferentemente. Ele não se submete
aos critérios dos sábios e dos prudentes ou poderosos deste mundo. Ele se
revela como o Deus que é “só-amor” nos e pelos pequenos e humildes (cf. Mt
11,25-26). Faz com que estes experimentam gratuitamente seu amor, não porque
são melhores que os ricos, sábios e poderosos, mas porque lhe estão mais
disponíveis. Creem mais facilmente porque não têm os muros do orgulho (bens,
sabedoria humana, força e poder) trancando o espaço interior – o coração – de
sua vida. Deus ama gratuitamente, oferece os segredos de seu amor. Aquele que
crer, experimenta e, consequentemente participa do círculo amoroso. O amor de
Deus é para que o ser humano possa amar. Deus pede o que dá e dá o que pede.
A gratuidade do amor do Pai surpreendeu até mesmo a
Jesus. Jesus bendiz ao Pai, surpreso, por fazer o contrário daquilo que todos
fazem. Para Jesus a eleição dos simples e pobres para experimentar “estas
coisas” já é parte dos mistérios do Reino de Deus. Quem sabe acolher o amor gratuito
de Deus, como os simples e os pobres, estará colaborando na atualização do
Reino definitivo de Deus; onde prosperará somente o amor.
Pe. Mário
Fernando Glaab
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