sábado, 18 de fevereiro de 2017

Cristão e comunidade

COMUNIDADE CRISTÃ É COMUNHÃO

            Por muitos anos se entendia que a comunidade cristã ideal é aquela onde os pobres são humildes e os ricos bons. Isso, foi pregado e ensinado até mesmo por pessoas importantes das altas esferas eclesiásticas. Eles, certamente tinham boas intenções, mas, será que de fato isso era o melhor para as comunidades? Queriam, sem dúvida, harmonia entre os diversos segmentos da sociedade. Porém, aprofundando mais o sentido da pessoa e do evangelho de Jesus de Nazaré, percebe-se que isso está longe de ser conforme o que ele viveu e anunciou.

Pobres humilhados e ricos bons
            Partindo das bem-aventuranças, muitas vezes, a Igreja caía na confusão de ensinar que Deus queria a pobreza das pessoas para que pudessem gozar de felicidade. Confundia pobreza (miséria) com liberdade de espírito. Ser pobre, no contexto da pregação de Jesus, é muito mais do que não ter bens; é estar livre deles para aceitar a pessoa e a proposta de Jesus, seu Reino de justiça e de paz.
            Ensinava aos pobres que necessitavam ser humildes e submissos para que assim pudessem ser ajudados. Não deviam ser “teimosos”, nem “reclamões”. E mais ainda, deviam rezar pelos ricos, para que eles sempre tivessem muitos bens e, assim sendo bons, os ajudassem sempre de novo!
            Igualmente, a partir da interpretação superficial de diversos textos bíblicos, principalmente do Antigo Testamento, justificavam-se as riquezas dos ricos com as bênçãos de Deus dados aos bons. Hoje sabe-se que a “heresia”  chamada de teologia da prosperidade faz justamente isso! Alguém possui muitos bens porque Deus o abençoou, dizia-se.
            Para que Deus continuasse a olhar com bons olhos para os ricos, pedia-se que fossem sempre bons; que ajudassem os pobres. (Falava-se com entusiasmo dos ricos que dão esmolas). Os ricos que deram algo para a comunidade são reconhecidos, e muitas vezes colocados em destaque, e, têm seus privilégios.
            O pobre que sofre e morre sem a mínima dignidade, sem condições de sustentar e educar sua família, é sem sorte e, pior, padece porque Deus assim o quer! Blasfêmia!

Deus é comunhão
            Mesmo que a partir do Vaticano II a Igreja e o mundo são convidados a olhar a realidade com outros olhos – os do Evangelho e da pessoa de Jesus de Nazaré -, ainda se constata muito da visão errada, como vimos. Deus, com certeza, nunca quis esta divisão entre seus filhos, ricos bons e pobres humilhados. Ele, para quem crê no mistério trinitário, é Pai, é Filho e é Espírito de Amor. Isto é, comunhão. O Pai ama e se doa ao Filho; o Filho ama e se doa ao Pai; e, este Amor é o Espírito. Comunhão perfeita.
            O Deus Uno e Trino não nos ensina uma boa moral, mas Ele mesmo se comunica e se doa. Que quer dizer isso? Muito mais do que dar conselhos aos pobres e outros tantos aos ricos; quer dizer que este Deus convida tanto pobres como ricos a entrar no seu mistério, deixando-se transformar pelo amor verdadeiro que se doa. É a graça de Deus oferecida ao ser humano. É Deus mesmo que se comunica para que o ser humano possa experimentá-lo e começar a viver vida nova.
            Se o Pai, o Filho e o Espírito Santo são comunhão, os cristãos – que professam este mistério – tem a missão de retratar esta comunhão no mundo. Claro é que tal comunhão sempre será imperfeita, uma vez que o ser humano é imperfeito, mas colaborando com a graça de Deus, o ser humano pode fazer “grandes coisas”.

Ser cristão
            Não existe outra saída, ser cristão de verdade não admite continuar aceitando que é normal existirem os ricos abençoados e os pobres amaldiçoados. Jesus é claríssimo: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mc 8,34), isto desafia a qualquer um. Aceitar a graça de Deus exige transformação. Se Deus é doação total, o cristão deve começar a se doar, e onde houver qualquer injustiça, qualquer sinal de egoísmo, lá ele vai ser uma pedra de tropeço. O cristão não pode se acomodar. Ele, necessariamente, vai ter que lutar contra tudo o que causa separação entre as pessoas, também o que causa a separação entre os “ricos bons” e os “pobre humilhados”. É o que a Igreja em nosso continente sul-americano tem anunciado com muita força nas últimas décadas: o Evangelho precisa transformar as estruturas e os sistemas corruptos que são causa de tantos males.
            O cristão, coerente com sua fé, não pode aceitar interesses espúrios, negociações vantajosas, mas prejudiciais aos outros, falsas ideologias que justificam os lucros exorbitantes dos gananciosos. Se, para Deus, o amor é o seu natural, como dizem os grandes teólogos, também para o cristão o amor deve ser o seu natural.
            Se, conforme Jesus anunciou, no Reino, Deus não é o Senhor, mas o Pai misericordioso, também entre os cristãos não podem mais haver os “senhores” e os “súditos”, mas somente os irmãos, lá reina a paz, fruto da justiça e do amor. Amor este, infundido pelo Espírito do Pai e do Filho, mas acolhido e vivido em comunidade. Portanto, a comunidade cristã não pode ser outra coisa do que comunhão. Caso em nossas comunidades não existir uma verdadeira busca desta comunhão, ainda não entendemos nada do mistério do Deus-Amor revelado por Jesus de Nazaré, que tantas vezes proclamamos com o Senhor, sem saber o que isso implica.
Pe. Mário Fernando Glaab

www.marioglaab.blogspot.com

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