segunda-feira, 26 de junho de 2017

Com os irmãos e com Deus

ORAR A DEUS COM OS IRMÃOS E AGIR EM FAVOR DOS IRMÃOS COM DEUS

            O Papa Francisco, na homilia proferida em Fátima por ocasião da canonização dos pequenos pastores Jacinta e Francisco Marto, a certa altura assim se expressou: “rezamos a Deus com a esperança de que nos escutem os homens; e dirigimo-nos aos homens com a certeza de que nos vale Deus”. Em primeira mão parece que o Papa está dizendo que a nossa oração deve ser feita com a intenção de ser ouvida pelas pessoas, para assim sermos reconhecidos. E até pode parecer que a oração dispense nosso compromisso, se é Deus que nos deve valer. Isso seria contrário ao que Jesus ensinou quando pede que não se façam orações para ser vistos e recompensados por isso (cf. Mt 6,7). Ao aprofundar a questão vemos que não é bem assim, porém tem um ensinamento profundo na afirmação de Francisco.

Oração e comunhão
            O cristão nunca está sozinho, mas sempre está em comunhão com os irmãos. Mesmo que recolhido em seu quarto, ou num ambiente onde se encontra totalmente só, sempre está ligado a seus irmãos na fé, na esperança e na caridade. Neste sentido, qualquer prece que o cristão dirige a Deus, sempre é expressão da comunidade cristã; ou melhor ainda, é fruto da comunhão que une os irmãos. Toda oração que alguém faz, mesmo aquela na qual coloca diante de Deus o seus desejos mais íntimos e particulares, é sempre algo que se forma a partir da comunidade à qual pertence o indivíduo.
            Desta maneira, é necessário que os homens “escutem” a oração para que seja também a oração deles, pois doutra forma, não seria mais oração cristã. Esse escutar não quer dizer que as pessoas precisam ser convocadas para ouvir, mas que se estabeleça entre o orante e os irmãos uma conexão de sentimentos. Aquilo que é expresso no diálogo de quem reza é, ao mesmo tempo, expressão daquilo que os homens anseiam no íntimo de seu ser. Por isso o Papa fala da necessidade de ter “esperança de que nos escutem”. O que é colocado diante de Deus na oração se conforma com o que os homens desejam colocar diante dele: louvor, gratidão, pedido de misericórdia, necessidades particulares, etc.
            Portanto, a verdadeira oração cristã é sempre fruto de comunhão, e, leva automaticamente a mais comunhão ainda. Ela tem a força da unidade para subir até Deus, mas igualmente conclama mais e mais os homens para a unidade. Oração é comunhão e comunhão leva à oração.

Ação e fé
            A ação cristã junto aos homens pode ser de inúmeras maneiras: admoestações, instruções, orações e trabalhos caritativos. Tudo é englobado na ajuda fraterna que visa construir uma sociedade mais justa e igualitária onde a vida de todos é preservada e valorizada.
            O Papa, ao dizer que quando nos dirigimos aos homens devemos fazê-lo “com a certeza de que nos vale Deus”, está afirmando a importância da fé. Não se faz nada de bom quando se confia somente em nossas pobres forças ou capacidades humanas. Somos tão limitados e o amor próprio – o orgulho – nos impede de sair de nós mesmos para o bem do outro. Contudo, quando nos deixamos conduzir pela fé no Deus que é Pai e que sabe o que cada um precisa, mesmo antes de tomarmos consciência disso, então as coisas mudam, e muito. Ações, sejam elas quais forem, quando feitas com fé, são capazes de verdadeiros milagres. Exemplos de serviço sem esperar nada em troca podem ser encontrados com abundância. E isso, geralmente entre os mais humildes; aqueles que têm fé mais pura. Os poderosos, os grandes deste mundo, não sabem realizar seus atos com a certeza da fé, uma vez que confiam no seu poder e na sua importância e, consequentemente suas intenções são outras.
            O homens precisam de pessoas que lhes vêm ao encontro para estabelecer comunhão. Mas estão saturados de falsos comunicadores, de interesseiros que lhes querem roubar a dignidade e a paz. Os cristãos não podem se furtar da tarefa de levar uma palavra de perdão, de vida e de paz ao mundo através de ações concretas e compromissadas. Somente com muita fé no Deus de Jesus de Nazaré, que manda seus discípulos a ser luz e sal da terra, é que os cristãos podem colaborar para que o mundo seja um pouco melhor, e que o Reino anunciado por Jesus se aproxime um pouco mais.
            Comunhão e fé, fé e comunhão andam juntas, na oração e na ação do cristão.
Pe. Mário Fernando Glaab

www.marioglaab.blogspot.com

domingo, 4 de junho de 2017

Maria escuta e consente

OBEDECER E CRER

            Ser obediente não é mesma coisa do que ter fé. Nem todo aquele que obedece crê; mas todo aquele que verdadeiramente acredita, confia e obedece. A obediência é um passo em direção da fé, mas a fé é muito maior do que a obediência. Esta última é apenas caminho que nem sempre leva para o nível superior da fé.

Maria é obediente na fé
            Contemplando a atitude de Maria, a Mãe de Jesus, diante do anúncio de que seria mãe, constata-se que ela é obediente, mas muito mais, ela crê além de todas as razões para obedecer. Obedecer, neste caso, é escutar, crer é consentir. Ela é obediente ao convite de Deus porque escuta, mas consente com o seu sim porque acredita na fidelidade de quem se revela. Maria, justamente por não entender, vai além do simples escutar e se submete totalmente às palavras do Anjo num ato de fé que abdica do agir e, deixa assim lugar para que Deus atue totalmente nela.
            Se Maria ficasse somente na escuta ela perguntaria “o que devo fazer?”, mas nunca chegaria ao “eis aqui a serva do Senhor”. Esta última é a resposta de quem se submete na fé sem medir consequências. Abre-se ao puro dom de Deus. Assim, no mistério de Encarnação, não há nenhuma ação humana, mas somente abertura para a ação de Deus. “E o Verbo se fez carne e veio morar entre nós” (Jo 1,14). É, na verdade, a liberdade sem mistura de constrangimento e de temor. Deus, por meio do Anjo, ajuda o ato de fé incondicional de Maria ao lhe dizer: “Não temas, Maria! Encontraste graça junto de Deus. Eis que conceberás em teu seio e darás à luz um filho” (Lc 3,30-31). A maravilha da concepção virginal é a resposta de Deus à fé de Maria, que crê em nome de toda a humanidade.

Escravos da lei, livres pela fé
            Não são poucos os cristãos que levam sua vida na escravidão da lei. Eles veem sua religião como um amontoado de leis que precisam ser observadas para não merecer o castigo e alcançar alguma recompensa. O cristianismo, como doutrina, possui seus mandamentos, sim. Quem os observa tem a segurança da lei. Mas a lei não deixa de ser uma imposição, que justamente por isso, dá o ensejo de se livrar dela. Submeter-se é preciso, porém a tentação de escapar por alguma interpretação favorável está sempre aí. Cria-se toda uma mentalidade legalista; imagina-se o peso do descumprimento e da obediência dos mandamentos. Tudo será colocado na balança. Conforme, para onde pende a balança, haverá castigos ou méritos.
            Esta visão, por mais justo que alguém pretende ser, provoca angústia e desconfiança. Ninguém pode se considerar totalmente puro, pois todos estão sujeitos ao erro. Em consequência Deus deixa de ser um Pai e se torna um carrasco. A expressão “cólera de Deus” não está totalmente no passado. Aliás, alguns pregadores usam de ameaças e da figura de Deus zangado, para forçar a “conversão” dos adeptos. Isto, na verdade, é forçar a situação. Não está baseado na lei do amor, ou melhor, não tem nada do amor de Deus, nem do amor dos irmãos. É tortura espiritual.
            Contudo, a fé em Jesus Cristo, quando é bem formada, leva ao consentimento de seu mandamento. O mandamento de Jesus é o amor. Não se pode experimentá-lo a não ser na liberdade gratuita. E isto somente se consegue com a fé de que tudo o que Ele ensinou com palavras e obras é verdadeiro. A convicção da verdade leva ao consentimento: “eu quero”. Torna-se opção livre e responsável, mas, justamente por isso, não se prende às questões do castigo e do mérito. Quem crê sabe abandonar-se no amor de Deus. Deixa que Ele – assim como Maria fez – conduza a história de sua vida, produzindo frutos, não para “vendê-los” mas para distribui-los como dons da graça aceitos na fé.
            Se a submissão à lei provoca angústia, a opção de fé produz a alegria da doação livre e generosa.
            Que Maria, a pobre serva do Senhor, com sua intercessão e com sua maneira de crer, ajude a todos nós para sermos cristãos de fato, não apenas de fachada, observantes de algumas leis.
Pe. Mário Fernando Glaab
www.marioglaab.blogspot.com.br