quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Amar é conhecer


O conhecimento pelo amor

            Existem muitas formas de conhecimento: conhecimento teórico, prático, profundo, superficial etc. Tudo depende de como alguém se aproxima do objeto que quer conhecer. Ao se tratar de uma pessoa a ser conhecida, as coisas são mais complexas ainda. Não basta dizer que se conhece alguém, é preciso explicar melhor sobre o que se sabe de determinada pessoa. Mesmo que se tenha um vasto conhecimento, sempre existem “mistérios” que não são captados. E, que na medida em que se aprofunda a forma de aproximação, vão surgindo novos horizontes, novos aspectos; sempre da mesma pessoa.

O conhecimento que vem da fé
            A fé também é uma maneira de conhecer. Ela escapa das comprovações científicas, mas não deixa de ser conhecimento. Mais ainda, quando leva ao compromisso do amor como consequência.
            Temos um exemplo no evangelho de João onde Jesus, ao se encontrar com o cego de nascença que havia curado, e que havia enfrentado os judeus que não aceitavam sua cura, lhe pergunta: “Tu crês no Filho do Homem?”; ao que ele responde: “Quem é, Senhor, para que eu creia nele?”, e Jesus se lhe apresenta com tal. O cego curado se prostra e afirma: “Eu creio, Senhor!” (cf. Jo 9,35-38). O cego curado, a partir daquele momento conhece o Filho do Homem de uma outra forma, bem mais profunda do que os demais, que talvez tinham inúmeras informações sobre Jesus que ele não tinha; mas que não criam. Ele crê por ter experimentado amor. O amor faz conhecer mais profundamente. Certas pessoas e realidades não são conhecidas, a não ser por amor. Quem conhece melhor a mãe do que um filho? E isso não por acúmulo de dados, mas por via do amor experimentado, mesmo sem explicações racionais e lógicas.
            A criança acredita nos seus pais e por isso sabe, pelo amor, quem são eles. Muito mais se sabe sobre Deus, quanto mais se crê e se ama. Aliás, Jesus Cristo é, talvez o ser humano mais estudado de todos os seres humanos que já pisaram sobre a face da terra; mas só o conhece verdadeiramente (até onde é possível para a limitação humana) quem o ama. O amor a Jesus dá outra dimensão que escapa a tudo o que as ciências podem captar. Este amor é sempre compromisso com o Amado, no sentido de se fazer um com Ele. No caso de Jesus, quem o ama, fazendo o que Ele faz, experimenta-o nas obras. Se Jesus ama os pobres, os pecadores, os desvalidos, os marginalizados; também quem com ele está comprometido, ama os mesmos. E aí conhece realidades que de outra forma nunca iria conhecer. Conhece o mistério de Jesus no amor aos últimos, àqueles aos quais ninguém quer amar.
            O cego curado, talvez nos ajude a compreender um pouco do conhecimento amoroso de Jesus para com ele (e para nós): Jesus acreditou nele, e por isso amou. Aprendemos que não se deve amar por causa do valor que o amado tem, mas pelo amor que se lhe pode dar.

Amar a Igreja para conhecê-la
            São muitos os que criticam impiedosamente a Igreja, esquecendo de que antes é preciso conhecê-la. Sabem, sem dúvida, dos pecados do passado e também dos erros no presente de alguns de seus pastores. Porém, com muita facilidade atribuem à Igreja os pecados deles. Como se isso os justificasse a ficar de fora. Quanto mais fora estiverem, menos conhecimento terão.
            Por outro lado, quem de fato crê que a Igreja recebe de Jesus a missão de levar a Boa-Nova a todos os cantos desta terra, e que para isso Ele conta com todos os membros dela, coloca-se na esfera da resposta amorosa. Sente o peso dos pecados sobre seus ombros, mas sabe que é amado, e que no amor colabora no projeto de transformar o mundo para ser um pouco melhor; para trazer vida e alegria para a humanidade. Em outras palavras, colaborar na instauração do Reino de Deus já aqui e agora. Portanto, só conhece a Igreja quem a ama e com ela se compromete. Os que ficam criticando por fora são injustos e correm o perigo de praticarem coisas bem piores do que as que acusam da Igreja.
            Concluindo, é bom e necessário buscar conhecer sempre mais, mas deve-se estar atento para não se esquecer de que existem muitas formas de conhecer; e que as coisas mais profundas exigem aproximações mais profundas. Amar comprometidamente é uma forma de conhecimento que nem todos buscam, mas que também os pequenos e humildes conseguem alcançar.
Pe. Mário Fernando Glaab.

sábado, 5 de outubro de 2019

Julgados, mas julgamos!


Que mundo queremos?

            Impressionados com o mundo cheio de maldade, de injustiça e de corrupção às vezes nos perguntamos: que mundo queremos, afinal? É este que está aí, ou queremos um outro? Um outro mundo é possível?
            Não é tão fácil responder. Mas, a partir de um olhar cristão, vamos tentar uma reflexão. Com certeza, não é assim que o cristão sonha o mundo criado por Deus e no qual o Reino de Cristo se constrói e se faz presente. Tendo Jesus de Nazaré e o seu projeto como base, o cristão busca uma maneira diferente de estar nele e de colaborar na transformação dele em um lugar bom para se viver e, onde há espaço para todos, e mais ainda, para todas as manifestações de vida.

Julgados pelo mundo
            O mundo nos julga. Aliás, todos são julgados pelo mundo. Quem está conforme a maneira de ser do mundo é aprovado por ele; quem é diferente, é reprovado por ele. Basta ter os olhos aberto para percebê-lo. Alguns o mundo coloca como seus modelos, como seus heróis e mitos; outros como seus opositores, como os que incomodam e prejudicam o andamento. Quem não se adapta ao seu ritmo, à sua maneira de estabelecer sua “ordem”, é considerado obstáculo.
            Mais do que nunca, os cristãos são julgados pelo mundo de hoje. O mundo, enquanto traça seus próprios caminhos, defendendo seus interesses, lança um forte juízo sobre os cristãos por terem outros projetos, os projetos do Reino de justiça, de perdão, de fraternidade e de inclusão. Quando os interesses do mundo e dos cristãos não se afinam, o mundo emplaca os cristãos de atrasados, de alienados e de comunistas. Cada vez mais, fruto da mentalidade mundana de nosso tempo, preocupar-se com o pobre é visto como sendo comunista! Pobre é vagabundo e desordeiro, e quem o defende não é nada mais do que um deles!
            Até o Evangelho é julgado: ele não pode ser lido em seu contexto histórico, mas somente no sentido de dar conselhos práticos para ter sucesso na vida; ter prosperidade. Jesus é tirado de sua história e de seu ambiente geográfico; colocado nos tronos onde não incomoda; e muito longe das multidões de pobres de nossas periferias. Mas aí, com certeza, ele não se encontra.

Julgamos o mundo
            Não é só o mundo que nos julga; mas nós, como cristãos também julgamos o mundo. Aderindo ao projeto de Jesus de Nazaré mostramos outros valores que desafiam o mundo e seu interesses. É Jesus, seu Evangelho – o Reino – que no cristão estão julgando o mundo. Dizem, sempre de novo: “Felizes os pobres!” (cf. Mt 5,3); e, “todas as vezes que fizestes isso a um destes mínimos que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes!” (cf. Mt 25,40). Isto com palavras, mas principalmente com a forma de agir e de se relacionar com o mundo, e nele, com todo e qualquer tipo de pobre. É aí que se mostra que ser verdadeiramente cristão – seguidor de Cristo Jesus – não deve nada ao comunismo, e que o mundo é muito injusto e mentiroso ao classificar dessa forma os cristãos engajados na realidade e desejosos de construir um mundo mais justo, mais fraterno e melhor para todos viverem.
            Jesus foi julgado, mas este julgamento lançou luz sobre o seu projeto. Defender o pobre, o pequeno, o injustiçado valeu-lhe a morte na cruz; mas é o sinal mais forte e eficaz da justiça divina: Deus justo para com os que sempre são injustiçados. Deu a vida por eles. Portanto, também nós – os cristãos – não somos só julgados, mas julgamos o mundo, ou seja, sentenciamos com eficácia, colocamos o mundo na ordem à qual o mundo é chamado toda vez que praticamos a justiça do Reino. O cristão é sinal de contradição: o mundo destrói e mata; o cristão constrói e faz viver. Sejamos cristãos autênticos, criticados e perseguidos pelo mundo, mas sinais de vida e vitória para os homens de boa vontade. De que lado estamos? É possível outro mundo? É possível ser cristão hoje? Que Jesus sempre seja nosso caminho, verdade e vida.
Pe. Mário Fernando Glaab