VIVER
OU ECONOMIZAR
Longe de pretender dar soluções para a questão tão
discutida nestes tempos de pandemia sobre o que é mais necessário, proteger a
vida das pessoas ou cuidar da economia, apenas quero fazer uma pequena reflexão
a partir da fé cristã que se alimenta da Palavra de Deus. Jesus diz: “amai-vos”
(Jo 15,12) e “quem quiser salvar a sua vida a perderá” (Mc 8,35), entre muitas
outras afirmações que poderiam nos servir como material para pensar.
Viver
e economizar para quê?
Boa pergunta. Quando
não se tem clara a resposta a esta pergunta as coisas podem tomar rumos
diferentes, e até catastróficos. Se o viver consistir apenas na busca de
satisfações, do ter, do poder, do prazer, enfim do consumir desenfreadamente,
ele logicamente se preocupa com a economia. Como organizar as coisas para cada
vez possuir mais? Caso a economia se justificar pela economia, a vida se torna
sua escrava. Mas, por outro lado, se a economia estiver ao serviço da vida,
tudo muda. Sua finalidade será viver.
Popularmente se diz que alguns “comem para viver, outros
vivem para comer”. Talvez seja simplório, mas ajuda a entender. Poderia se
dizer também que alguns vivem para economizar (acumular bens), outros
economizam para viver (trabalham com inteligência e esforço). Qual das duas
atitudes vai ao encontro do ensinamento evangélico? Salvar a vida e amar o
próximo, conforme o Divino Mestre ensina, vai em que direção? Sabemos que Jesus
deu a sua vida para que nós tivéssemos vida. Ele a perdeu, segundo a
“economia”, mas a recuperou para nós e para ele, segundo uma outra visão de
vida.
No mandamento do amor Jesus nos ensina que precisamos ir
além daquilo que se pode merecer, pois quando ele diz “como eu vos amei”, deixa
claro que o nosso amor deve ser gratuito, uma vez que nós não fizemos nada para
merecer o que ele fez por nós. Ele não nos perguntou se queríamos sua entrega
na cruz, simplesmente se entregou. Amar, então, é para nós o desafio de sairmos
de nós mesmos para nos perder no outro. Deixar de ser, para que o outro seja.
São João Paulo II, dirigindo-se às famílias, disse: “Amar significa dar e
receber aquilo que não se pode comprar nem vender, mas apenas livre e
reciprocamente oferecer” (Gratissimam
sane, 11), salientando assim a maravilha da gratuidade que o verdadeiro
amor contém.
Amar
para viver
A economia, os bens em geral, devem estar ao serviço da
vida de todos. E quem ama sabe disso; quem não ama não consegue entende-lo, uma
vez que adora os bens, fazendo-se deles servo.
Todos temos necessidades e contamos com a caridade do
próximo para atendê-las. Da mesma forma, sabemos que os outros têm necessidades
e que contam conosco para satisfazê-las. No entanto, geralmente raciocinamos
assim: eu ajudo conforme as minhas possibilidades e, aí cada um faz os seus
cálculos, posso ajudar com tanto, ou não posso, porque tenho estas e aquelas
despesas... Partimos de nosso mundo para o mundo do necessitado. Mas, será que
é isto que Jesus ensina ao dizer “como eu...”?
Chama-me a atenção uma passagem do Deuteronômio onde se
lê: “Se houver no meio de ti um pobre (...), não endureças teu coração, nem
feches tua mão a teu irmão pobre. Ao contrário, abre-lhe generosamente a tua
mão e empresta-lhe o que lhe falta em sua necessidade” (Dt 15,7-8). Aí se vê
que o pobre é o ponto de partida; é a sua necessidade que importa, não a nossa
quantidade de bens ou os nossos projetos. É a vida do pobre que está em jogo,
não a nossa economia. Essa foi a motivação de Jesus: ele olhou a nossa
necessidade e por ela se doou.
Portanto, acho não ser justo separar vida e economia, no
sentido de se optar ou por uma ou por outra. A vida sempre está em primeiro
lugar, e, a economia deve estar ao seu serviço. Todos necessitamos lutar para
ter o suficiente para defender a vida de todos, a começar pelos mais pobres e
fragilizados. É isto que a Palavra de Deus ensina, que Jesus viveu, e que nós,
seus discípulos precisamos aprender e colocar em prática. Que a vida de todos
esteja sempre em primeiro lugar e, que ninguém se arvore em achar que pode
“sacrificar” a vida dos mais fracos para salvar uma economia!
Pe. Mário Fernando Glaab.
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