sábado, 17 de outubro de 2020

Finados - Cura pela Cruz.

 

CURADOS PARA CURAR

 

            A Congregação para a Doutrina da Fé na conclusão da Carta Samaritanus Bonus, publicada em julho passado, falando sobre o cuidado das pessoas nas fases críticas e terminais da vida, diz: “Curados por Jesus, tornamo-nos homens e mulheres chamados a anunciar o seu poder que cura, a amar e a cuidar do próximo como Ele nos testemunhou”. É um forte apelo para que os cristãos, como Jesus, estejam próximos com seu amor e seu cuidado, a todos os sofredores. Porém, parte da própria cura: “curados”. Assim, antes de curar alguém é necessário fazer a experiência de ser curado.

Curados

            Somente quem se sente curado pode curar. Todos nós sofremos com doenças físicas, psíquicas e espirituais. Isto é próprio da limitação humana, pois somos todos criaturas, e como tal, imperfeitos. E além de tudo, erramos tantas vezes, causando sofrimentos a nós e a outros.

            Então, antes de mais nada, cada um deve se humilhar e acolher a cura que lhe é oferecida. Claro que existem inúmeras formas de curas. As doenças mais leves podem ser curadas com meios ordinários; outras com a ajuda de profissionais da saúde; ainda outras, através de orientações espirituais e intercessões, e assim por diante. No entanto, o conjunto de todo sofrimento que se abate sobre o ser humano somente pode ser curado por alguém que está acima dele. Somente por alguém que tem “palavras de vida eterna”, uma vez que a morte, humanamente falando, dá a última palavra para esta vida terrestre.

            A fé em Jesus Cristo que, como Deus e como homem, está entre nós a nos conduzir para a vida plena onde “não haverá mais choro, nem grito, nem dor” cura todo sem-sentido, e dá um sentido que vai para o além. Portanto, antes de pretender curar alguém, dando-lhe um sentido que transcende a todas as dores humanas, é preciso que se faça a experiência de ser curado. Uma vez curados por Ele, é possível ajudar na cura de tantos “doentes” que estão pelos caminhos do mundo. O verdadeiro cristão – curado por Cristo – torna-se anunciador do poder curador de Jesus Cristo. Bem mais que dizê-lo, ele o anuncia, para que todos também o possam acolher.

 

A cruz do sofrimento

            A dor e o sofrimento são simbolizados pela cruz. Tomar a cruz significa assumir o desafio do sofrimento. Mas também as cruzes de madeira, de metal ou que qualquer outro material que usamos sobre nós, que estão em nossas mesas e em nossas paredes, são sinais muito fortes da confiança em Jesus; este que carregou sua cruz até o Calvário, morreu nela, e ressuscitou. Assim, a cruz dá um sentido transcendente às nossas cruzes. Mostra que, apesar de sofrermos e sabermos que iremos passar pela morte, com Ele seremos vencedores. Até mesmo a morte não terá a última palavra. A cruz nos leva para além da morte.

            Neste mês de novembro, quando iremos visitar os cemitérios, certamente veremos muitas cruzes sobre as sepulturas. Elas podem até nos dar a impressão da derrota, da morte. Mas não. Na verdade, quando os familiares colocam uma cruz sobre as sepulturas onde jazem seus entes queridos que já partiram, estão expressando sua fé e sua esperança naquele que passou pela morte e voltou à vida. Podemos dizer que colocar uma cruz sobre as sepulturas é “curar” aquele que aí está sepultado. É entregá-lo com confiança, sob a sombra da cruz, nas mãos de quem ressuscitou; e que nos fez experimentar um novo céu e uma nova terra que se aproximam.

 

Carregar a cruz

            Ter coragem de abraçar e carregar a cruz é bem mais do que fazer alguma renúncia ou penitência. É colocar-se junto à dor do próximo; é curá-lo com a cruz que nós assumimos. Não a nossa cruz, mas a cruz de Jesus; amar e cuidar do próximo como ele o fez. Não é fácil levar a cruz para onde o sofrimento pesa mais. Bem mais fácil seria - se possível fosse - eliminar com um toque de mágica tudo o que faz sofrer. Mas, levar a cruz é ajudar o sofredor a olhar para frente com esperança, é fazê-lo sentir que é amado por Deus, mesmo que a dor parece negá-lo.

            Da mesma forma, vir ao encontro dos falecidos com a cruz, não somente como um objeto, mas como vida na esperança, é gesto de coragem curador. É preciso, portanto, ter muita coragem para colocar uma cruz no sofrimento do irmão, assim como colocar a cruz sobre uma sepultura. Somente os “curados” por Jesus o fazem com sentido. Tudo mais não passa de ritualismo vazio. Sintamo-nos curados e curemos com a cruz de Jesus.

Pe. Mário Fernando Glaab.

 

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Nossa resposta à proclamação do Evangelho

PROCLAMAÇÃO DA BOA NOTÍCIA

 

            Escutamos sempre de novo, em nossas celebrações litúrgicas: “Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo...”, e acontece, às vezes, de nem tomarmos consciência do que isto quer dizer. A resposta sai quase que automaticamente: “Glória a vós, Senhor!” Por que “proclamação”, e por que “Evangelho”?

 

Proclamação

            O dicionário diz que proclamar é o mesmo que anunciar em público e em voz alta; afirmar com ênfase. É, portanto, o anúncio de algo que interessa a todos, e que está sendo feito com entusiasmo. É algo bem mais profundo que um aviso ou algum ensinamento teórico. A proclamação traz em si uma realidade que já está no anunciador e que se difunde nos destinatários da mesma. O anunciado atingirá a todos: o proclamador, porém mais ainda, àqueles aos quais é anunciado. Isto, em outras palavras, quer dizer que uma proclamação, para ser verdadeira, faz com que a coisa se torne atual, se concretize no presente e no lugar onde acontece. O anunciador e os ouvintes-acolhedores estarão todos envolvidos pelo conteúdo do que está sendo proclamado.

            Há grande diferença entre relatar um acontecimento para que seja conhecido pelos alunos, por exemplo; e proclamar que agora o colégio tem novo diretor. No primeiro caso, é apenas uma notícia que se soma aos conhecimentos dos alunos, porém, no segundo todos serão envolvidos pela figura e importância que o novo diretor representa. Quando, então, em nossas celebrações da Palavra, há proclamação, acontece algo bem diferente do que acontece durante uma aula ou durante um encontro de estudo, mesmo que estes sejam bíblicos.

            Então, as proclamações que são realizadas em nossas celebrações da Palavra são muito mais do que uma lembrança daquilo que aconteceu num passado com Jesus, com os profetas ou com os apóstolos. As proclamações atualizam o que foi dito ou feito por estes, mesmo que feitos há mais de dois mil anos.

 

Evangelho

            Evangelho é uma palavra grega que em nossa língua se traduz por “boa notícia”, “boa nova”. Evangelho é algo de novo e de bom que é para todos. E como é de Jesus Cristo, trata-se daquilo que Ele tem para dizer e para realizar em nosso favor hoje, da parte de Deus, do qual Ele é o Messias, o Filho. Não é uma notícia boa qualquer, porém aquela que o próprio Deus tem para nós. É a revelação de Deus, a notícia máxima. Boa Nova que contém todas as boas notícias para a humanidade. Lembramos que Jesus é a Palavra feito carne que está em nosso meio (cf. Jo 1,14), isto é, Deus convivendo, ou mais ainda, Deus vivendo a nossa vida para ser o Caminho, a Verdade e a Vida, na vida de cada um de nós. A Boa Nova é o próprio Jesus Cristo.

            Ao se dizer que é o Evangelho de Jesus Cristo, se diz que é a Boa Nova que somente pode ser acolhida como dom gratuito, e na fé. Ninguém, nem o mais sábio ou o mais santo consegue alcançar este Evangelho, mas ele vem como um presente do infinito amor de Deus. Somente Jesus o trouxe e, continua a trazê-lo. De nossa parte precisamos acolhê-lo com muita humildade, gratidão e fé. Não somos nós que estabelecemos a conexão com Ele, mas é Ele que vem a nós, que usa todos os meios para que nós possamos estar conectados. De nossa parte, ao acolher este Mistério de Amor, somos transformados e possibilitados para o compromisso. Já que é a Boa Nova que nos é anunciada, agora nós haveremos de ser também Gente Nova, isto é, gente que “deixa” o Evangelho frutificar e se difundir pelo mundo até os confins da Terra.

 

Glória ao Senhor

            “Glória a vós, Senhor” é a resposta da assembleia diante da proclamação do Evangelho. É a resposta da fé e da acolhida, liturgicamente pensada. Não se pode ficar, porém, somente na resposta litúrgica. Esta deve levar ao compromisso. Se de fato aí é anunciado (com ênfase) a Boa Notícia de Jesus Cristo, todos os que respondem “glória”, devem se deixar transformar pelo Cristo presente com o seu Reinado.

            Na catequese ou em encontros de formação muitas vezes se incentiva as pessoas a prestarem atenção nos textos bíblicos do domingo para aprender e conhecer sempre mais sobre Cristo. Certo. Mas é muito pouco! Mais que aprender e conhecer, é necessário acolher e viver. Não será num futuro, quando se conhecer toda a bíblia (algo impossível), que se estará pronto para viver a Palavra como cristão, mas é agora que se deve viver, ao menos começar a viver. “Ele está no meio de nós” é a resposta que damos tantas vezes nas celebrações. Será que ela é dita com a devida consciência?

            Alguém diz que Jesus Cristo veio ensinar uma doutrina ou uma moral para mostrar como as pessoas devem viver no bem e evitar o mal, e assim ir para o céu. Não. Jesus é o próprio Bem, é a própria Verdade. É nEle que se tem este bem e esta verdade. Aliás, hoje em dia, cada vez mais as pessoas não querem nem o bem nem o mal, mas apenas sua própria comodidade. Cresce a mentalidade da indiferença, do “tirar o corpo fora”. Porém é neste mundo que o Evangelho de Jesus Cristo precisa ser proclamado e precisa ser acolhido. A Igreja nunca pode esquecer que também ela acolhe e, em consequência, proclama. Não pode parar. Se quiser levar as pessoas para o céu se faz necessário viver com Cristo hoje e se dispor a colaborar com o seu Reinado aqui e agora.

Pe. Mário Fernando Glaab


quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Igreja: pregar o amor de Deus conforme Jesus.

O AMOR SEGUNDO CRISTO E A IGREJA

 

            Muito se fala, se escreve e se canta sobre o amor, mas pouco se reflete sobre o que se entende por amor na visão cristã. Longe de querer ensinar a doutrina cristã como um todo, porém pretendendo colaborar, eis uma pequena reflexão:

 

Evangelho de Jesus

            Necessariamente, ao se falar de uma característica cristã de amor, é preciso ter presente a pessoa de Jesus Cristo, o Homem de Nazaré. Afinal, o que Jesus veio anunciar sobre amor?

            A própria palavra “evangelho”, traduzida para nossa língua, quer dizer boa notícia. Ao nos referir ao Evangelho de Jesus Cristo, referimo-nos a algo de bom que ele veio anunciar. O que, e a quem? Aí está a questão central.

            Jesus, com sua pregação e seu modo ser e de agir, não trouxe um ensinamento novo, uma nova doutrina ou nova moral, mas ele revelou Deus. E a partir daí se estabelece doutrina e moral. Ele anunciou e mostrou aos seus ouvintes e observantes quem é Deus. Resumiu tudo na palavra “Pai”. Contudo, passou a sua vida explicando e mostrando o que isso significava. E completou esta obra quando aceitou a morte de cruz. Dessa forma ele revelou que este Pai é só amor. Ama incondicionalmente a todos. A Ressurreição foi a confirmação da obra de Jesus por parte do Pai. Jesus mostrou que Deus não pode não amar. Isto vai ao encontro do que o ser humano tem no mais profundo de sua consciência, pois a luz que habita no mais íntimo de cada um de nós nos diz: ninguém foi criado para o mal, porém todos existem para o bem, a partir do Deus Criador. Aí vemos que Jesus Cristo e o coração humano dizem a mesma coisa. Jesus nos revela o que está no mais profundo de nosso coração.

            A revelação de Jesus é para todos, no entanto, ele se lança de corpo e alma para levar esta boa notícia aos que mais precisam dela para viver com dignidade: os pobres, os pecadores, os desvalidos da sociedade, e para todos os que sofrem injustiças. Para estes ele repete: “Felizes, vós os pobres” porque sois amados por Deus. E promete-lhes justiça.

            Sem dúvida, esta revelação leva para uma realidade que transcende a nossa história, mas está bem fixada no aqui e no agora. A partir do que Jesus falou e fez, dá para concluir tranquilamente que a justiça de Deus não é neutra: ele olha sempre para baixo, tem caráter de proteção e de defesa para o inocente injustamente tratado. Aliás, foi justamente por causa disso que condenaram Jesus à morte. Pois isto incomodou os de cima, os privilegiados, os que viviam às custas dos pobres. Eliminaram-no para poderem continuar sua vida, explorando, matando e condenando.

            A vida de Jesus, então, não pode ser acusada de ideológica já que se situou até o fundo ao lado dos abandonados, sem jamais deixar de apontar para o céu, e pode dizer aos pobres, aos pecadores, aos explorados, marginalizados, com autenticidade assinada com seu sangue: “Bem-aventurados, vós os pobres”.

 

Igreja de Jesus

            Para a Igreja ser verdadeiramente “Igreja de Jesus”, precisa estar na mesma linha dele. Não deve se preocupar com ensinamentos bonitos, bem elaborados; mas, muito mais em estar em sintonia com o que Jesus revelou: que Deus é só amor e, que se volta com seu rosto paterno para seus filhos menores; que vê o caído à beira do caminho. Enquanto a Igreja estiver preocupada, em primeiro lugar, com ensinamentos espirituais e morais, deixando de lado este núcleo originário, ela não está sendo fiel ao seu fundador. Sua pregação deve sempre partir do Deus que ama a todos e quer que todos se salvem, fazendo-se Boa Nova para os que a sociedade considera à sua margem, e assim recuperá-los.

            Há críticas sobre os destinatários da pregação da Igreja, para estes ou para aqueles. Na verdade, ela deve pregar a todos, pobres e ricos. Porém, a forma como ela o faz, há de ser prudente. Deve evitar a tentação de justificar as riquezas como bênçãos de Deus, quando na verdade podem ser frutos de negociações injustas, de trabalhos mal pagos etc. Há de procurar conscientizar aos ricos quanto à sua pobreza por confiarem nos bens que passam e não aceitarem o verdadeiro amor em suas vidas. Diante da acusação de certas pregações desfocadas, um grande teólogo de nosso tempo escreve: “O grande erro da Igreja não foi tanto pregar aos ricos, mas o fato de essa pregação ter se transformado em uma confirmação da posição de classe deles” (González Faus). É necessário repetir sempre de novo que a Igreja não pode excluir os ricos do anúncio da salvação, mas deve adverti-los, em nome do Deus-Amor, de que eles correm o risco de se auto-excluirem; e por isso devem também fazer a experiência do Deus que os ama, não por serem ricos (e podem ajudar com seus bens), mas por que necessitam de libertação.

            Concluindo, assim como Deus ama indistintamente a todos – como Jesus ensinou e fez -, não mais os pobres porque são melhores, ou os ricos porque têm bens para dar, mas porque ele é Amor, e só amor; assim também a Igreja, na sua missão de anunciar e realizar o amor de Deus no mundo – dando continuidade à missão de Jesus -, deve também amar e anunciar a todos, tanto aos pobres como aos ricos, que são amados por Deus e, que ele quer libertar a cada um. A Igreja deve estar à disposição da Verdade que é Cristo que se fez pobre para estar com os pobres, e, nunca ceder à tentação das riquezas que prendem e matam.

Pe. Mário Fernando Glaab.

terça-feira, 7 de julho de 2020

Oração de súplica.


REZAR E CONFIAR

            Jesus nos ensinou a rezar. As Escrituras estão repletas de orações e de recomendações para que se ore. Cada um de nós, um mais outro menos, aprendeu a rezar em sua família e comunidade. Rezamos cada dia. Certamente tem pessoas que orem mais, outras bem menos. Porém, não é possível ser cristão sem orar.

Desafio para a fé.
            A oração parte da fé, leva à fé e é desafiada pela fé. Nada mais sem sentido do que uma prece sem fé. É um falar para as paredes, ou um palavreado sem alma. Qualquer oração deve conter uma base de confiança, e esta se apoia em alguém que é maior. Fé em Deus e no seu poder. Os hábitos, quanto mais repetidos, mais aumentam; assim também a fé, quando alimentada pela oração, aumenta. Portanto, a oração quando parte da fé, produz mais fé.
            Todavia, a fé de quem reza é desafiada, é provada. Há um processo, todo um caminhar para uma fé mais pura e mais profunda. Quando mais a pessoa avança, mais é desafiada. O maior desafio para a fé é o fracasso do justo, a injustiça contra o inocente, os pedidos não atendidos. Pede-se que o justo, o pobre e o doente sejam protegidos; mas o que se vê neste mundo violento, injusto e mau é justamente o contrário. O inocente que é condenado à morte é o maior desafio para a fé. Pede-se justiça, mas ela não acontece. Os malvados prosperam e os inocentes padecem e morrem. Como crer diante disso?

Dois tipos de pedidos.
            A maioria de nossas orações são pedidos. Isto é uma manifestação de nossa limitação humana: dependemos de Deus e dos outros. Sinal de humildade. Algo bom. No entanto, há duas maneiras de suplicar: a) pedir dizendo o que deve ser. É, na verdade, e expressão do meu desejo, ou melhor da minha necessidade. Refere-se a causas terrenas que me julgo incapaz de resolver e, coloco diante do poder soberano de Deus, sem, no entanto, ultrapassar à transcendência dele. Dá-se “ordens” para Deus! Diz-se a Ele o que deveria fazer. “Senhor, faça o que eu faria se estivesse em seu lugar”! Pensando bem, este tipo de oração nos coloca acima da sabedoria e da bondade de Deus; b) pedir em comunhão de amor. É a oração que se coloca na ordem de Deus. Não é um pedido simplesmente, mas é verdadeira oração. É essencialmente comunhão com Deus, comunhão com sua vontade. Reconhece-se Deus como Deus, e se submete confiantemente ao seu mistério de amor. Esta oração significa deixar Deus ser Deus. Lembremos Jesus que no Orto reza: “Afasta de mim este cálice”, mas completa, “não se faça a minha vontade, porém a sua”. Se não tivesse completado seu pedido, ficaria somente no pedido, sem passar para a comunhão de amor.

Jesus, modelo de oração
            Jesus é o homem da oração. Os evangelhos estão cheios de passagens que mostram Jesus em oração. Mas eles também mostram Jesus agindo. Ele prega e age. Ele, por onde passa, faz o bem. É a fé em ação. Ele se coloca em comunhão contínua com o Pai. Quando exalta os pobres não ensina que o contrário da pobreza seja a prosperidade, porém deixa claro que é a justiça; e por ela luta até às últimas consequências. Não promete prosperidade aos seus seguidores, mas lhes promete a paz, fruto da justiça.
            A luta pela justiça foi o desafio mais duro, também para Jesus. Sua fé foi desafiada até o fim. Ele acabou condenado pelo bem que fez. Totalmente fracassado! Mas, deixou Deus ser Deus. Entregou-se confiantemente nas mãos do Pai. E morreu!
            A resposta de Deus veio: ressuscitou!
            Para o cristão chegar a rezar como Jesus rezou é uma caminhada. Pode parecer longa demais. Porém, é preciso caminhar, e não desistir nunca. Confiar, ele venceu. E, ele está conosco. Seu Espírito está sobre nós. Ele reza em nós e por nós. Mesmo que seja desafiador rezar, rezemos, pois a oração foi a força de Jesus, será também a nossa.
Pe. Mário Fernando Glaab.

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Pregar como Jesus pregou.


FALAR COM AUTORIDADE

            Conforme os evangelhos, as pessoas ficavam admiradas com os ensinamentos do Divino Mestre, pois eles diziam: “ensinava como quem tem autoridade e não como os doutores da Lei” (Mc 1,22). Mas, será que Jesus tinha mais preparo que os tais doutores? Donde lhe vinha essa autoridade para maravilhar o povo? Muito mais que examinar, por curiosidade, o que de fato aconteceu naquele contexto, fazemo-nos estas perguntas para que as respostas sejam úteis a nós e aos pregadores de hoje. Como deve ser a pregação para que tenha autoridade e atraia também hoje as pessoas, chame a atenção principalmente dos pobres, dos excluídos, e dos necessitados de todo tipo, que são os que hoje aguardam a Boa Notícia de Deus, rico em misericórdia?

Indiferença?
            Diante de tantas palavras ditas ao vento por uma multidão de pregadores; pregadores dos mais variados tipos, tem-se a impressão que a maioria das pessoas fica indiferente. As mensagens são tantas que não chamam mais a atenção. Tantas vozes e tantos apelos que se misturam e confundem, e isto dos mais diversos modos. Diretamente, corpo a corpo, nos púlpitos, nas praças, na mídia, nos meios de comunicação, de dia, de noite, aos domingos e durante a semana. Conforme, chegam até a perturbar o sossego. Os métodos usados também são os mais variados possíveis, alguns bem sofisticados, outros nem tanto.
            Seria este o motivo da indiferença? Mas, será que de fato reina indiferença na maioria do povo quando o assunto é pregação religiosa ou evangélica? Como se explica que alguns pregadores, mesmo não tendo preparo sofisticado, atraem multidões, apesar de frequentemente ser por pouco tempo? Questões a serem pensadas.
            Não dá para esquecer que existe muito anúncio tendencioso e até falso. Isto sempre houve, mas hoje parece ser mais perceptível, são as famosas fake News, que enganam facilmente os mais incautos. No entanto, entre os ouvintes há atitudes bem variadas. Uns peneiram com cuidado para dar atenção ao que de fato lhes pode trazer algum bem, outros vão atrás do que querem ouvir; aquilo que os justifica no seu jeito de viver. Estes últimos procuram a sua própria verdade, não interessa se é ou não verdade. E há os que se fazem surdos a tudo.

Autoridade do Mestre
            Jesus era verdadeiramente mestre. E, ele era diferente dos mestres da Lei. Mas o que o diferenciava deles? Eles tomavam como argumento a Lei e sabiam argumentar citando os pais (patriarcas, profetas, legisladores). Jesus, na verdade, não fazia assim. Ele repetidas vezes diz: “Eu, porém, vos digo...” Donde lhe vinha esta autoridade?
            Jesus falava daquilo que tinha em seu coração, aquilo que era a sua vida. Falando de Deus, seu Pai, ou do Reino de Deus, ele não se apoiava no que outros disseram, mas o que ele próprio experimentava e vivia. Era a sua experiência de Filho e de possuidor do Reino de Deus. Identificava-se com o que dizia. Vivenciava o que pregava. Observando a pregação e os gestos de Jesus, pode-se dizer que ele fala com autoridade não por citar as palavras das autoridades ou concordar com elas, mas sim pelo fato de a sua palavra ter raiz no coração, onde se encontra com seu Pai.
            Claro que Jesus não agradou a todos. Alguns se opunham à sua pregação procurando desmoralizá-lo. Porém, talvez seja justamente aí que está a questão da autoridade. As palavras de Jesus e seu modo de ser perturbavam. Os mais humildes, pobres e puros viam nele a ação de Deus; os orgulhosos, os ricos e os contaminados pela maldade viam nele alguém que os desmascarava. A autoridade de Jesus incomodava.
            Também hoje, certos pregadores não chamam a atenção por não terem nem autoridade e nem jeito: falam para as paredes; outros pregam com artimanhas e vão ao encontro do que as pessoas querem ouvir, enganam seus ouvintes, e estes lhes dão ouvidos motivados por interesses particulares. Neste caso, dá para questionar as intenções, tanto dos pregadores quanto dos ouvintes. Porém, existem também hoje pregadores que, como o Divino Mestre, falam do que têm no coração. Sua autoridade é sua experiência e sua vivência dos valores do Reino de Deus. Igualmente estão aí os ouvintes – agora fiéis – que sintonizam, não primeiramente, com o pregador, mas com o Mestre. Esta é a verdadeira autoridade no falar e no ouvir.
            Portanto, diante de muitas ofertas e tanta indiferença, fica o desafio para quem se sente chamado à pregação, assim como para todo aquele que quer ouvir o que Deus tem a dizer, para que purifiquem seus corações de intenções espúrias, de interesses egoístas, do desejo de tirar vantagens da Palavra e da vontade de Deus. Ouvir vivendo, vivendo pregando; tudo a partir do coração e para o coração, onde mora Deus.
Pe. Mário Frenando Glaab.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

A vida vence a morte.


O AMOR NÃO SE PERDE

            É próprio do cristão acreditar na força do amor. Um grande teólogo, ao observar a falta de esperança em muitos cristãos, perguntava: “Acaso não sabemos que não existe amor que se perde?”, e continuava afirmando, “Sabemos pela nossa fé que o que o amor construiu não será destruído pelos obstáculos, mesmo que assim pareça. O amor que é autêntico realiza, invisivelmente, a nova terra, onde veremos, maravilhados, a construção daquilo que aqui nos parecia fracassar” (J. L. Segundo). Ao afirmar que nenhum amor se perde, diz-se, em outras palavras, que Jesus de Nazaré morreu e ressuscitou. Ou ainda, que Deus enviou ao mundo seu Filho para anunciar-lhe a Boa Notícia de que a vida vence sobre a morte.

O amor renova tudo
            No mundo existe a força das armas, do ódio, da corrupção e da injustiça. O amor, em contrapartida, parece tão frágil, por vezes é engolido nas artimanhas da violência. Os homens de boa vontade, entre eles os cristãos, são provados e desafiados duramente. Caso não estiverem bem fundamentados na fé e na esperança, chegam a pensar que suas ações realizadas no amor e pelo amor estão perdidas para sempre. Podem achar que diante da onda do mal, o bem se perde irreparavelmente. Foi assim que terminou a vida terrena de Jesus. O Pai não tirou seu Filho da cruz. Ele morreu gritando. Onde foi parar toda a sua vida de doação? Todo amor que teve para o Pai e para os semelhantes? Teria se perdido? Nesse exato momento somente a fé pode iluminar: “Pai, em tuas mãos entrego o meu Espírito”. Fé até as últimas consequências que abre uma brecha para luz da esperança. “A esperança não decepciona”: Jesus ressuscitou. Está vivo e distribui vida e esperança para todas as vítimas do mundo e da história. A partir da vitória do amor, pode-se afirmar, com certeza, que nada do que é amor verdadeiro se perde. O amor ressuscita na nova terra, mesmo que agora não seja possível enxergá-lo. Por mais pisoteado que tenha sido, ele não se perdeu.
            Existem pessoas, tanto cristãs como não-cristãs, que, seguindo a sua fé, vivem o amor no maior esquecimento do mundo. O mundo nem sabe que eles existem e amam. Seus feitos não aparecem nem nos jornais, nem nas igrejas. São desconhecidos e, parece que não conseguem transformar nada. Os efeitos do mal os abafam completamente. Os cristãos (os não-cristãos têm os seus caminhos próprios) alimentam, no entanto, no mistério de Jesus, morto e ressuscitado, a esperança que se faz definitiva. Ela, a esperança revelada pela páscoa de Jesus, constitui-se o centro da sabedoria cristã. Sabedoria esta que é preciso levar para o homem de hoje, estabelecendo com ele uma relação dialogal. Pois, em todo ser humano há o desejo do bem, mas talvez ainda não tivesse oportunidade para se confrontar com a grande revelação de Deus em Jesus Cristo. Os cristãos, ao dialogar com qualquer ser humano, querem aprender dele e colaborar com ele. Quem sabe, no diálogo sincero, tanto um como o outro, podem experimentar autêntico amor, e assim, na esperança, antecipar algo de novo da terra prometida por Deus a toda criatura, onde o egoísmo não tem mais lugar.
            De fato, o amor liga tão radicalmente, que quem ama se torna dependente do amado. É isso que se experimenta no amor de Deus. Ele mesmo, por sua vez, ama tanto a sua criatura, ao ponto de se entregar totalmente por ela. Diz um poeta que o amor de Deus pelos seres humanos é tanto que “é assim que deve temer e esperar até do último dos seres humanos. É mister que espere o que quer que venha à mente do pecador”. E continua: “Nada pode fazer sem nós. O Criador depende agora de sua criatura. Aquele que é tudo... depende, espera de quem não é nada. Aquele que tudo pode, espera daquele que nada pode... porque a este se entregou inteiramente... Com toda confiança” (Ch. Péguy). Se for essa a experiência de quem ama, como se pode pensar no desaparecimento do amor? Se Deus aposta tudo, e se esse tudo ressuscita para poder continuar universalmente com todo o ser amado, isto é, com todos os homens de todos os tempos e lugares, não é possível duvidar, mesmo por menor que seja, de qualquer ato de amor. O amor não se perde, ele ressuscita. Quanto maior for a dor suportada e a injustiça da morte sofrida, tanto maior a glória da ressurreição.

O amor assume tudo.
            Se, portanto, Deus ama indistintamente a todos os seres humanos, criaturas de seu amor, nenhum gesto de amor, por mais escondido ou primitivo que seja, há de passar em branco. Os cristãos, pelo fato de terem acesso à revelação de Deus em Jesus Cristo, têm o compromisso sério de sinalizar para o mundo, aprendendo também com ele, que Deus vai até onde está a última de suas criaturas. E no diálogo com o mundo, lá onde estão os últimos, o cristão vai testemunhando e aprendendo, uma vez que Deus já está lá. Diálogo é compartilhar. Dar do que se tem e receber daquilo que o outro possui, caso contrário não é diálogo, mas monólogo, ou pior, imposição. Essa também há de ser a primeira preocupação da moral cristã: não faz sentido proibir, mas pelo contrário, o sentido da ação está na felicidade que se experimenta ao poder amar. O amor, sim, pode assumir preceitos, por mais dolorosos que forem; mas o temor, a proibição (“é pecado!”), só desumaniza. Nada de imposto pode atrair o ser humano que se sente amado, e por isso, livre. Ninguém pode obrigar ninguém a amar. Somente o ser livre pode se entregar por e com amor.
Pe. Mário Fernando Glaab.

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Por que ir à missa?


A MISSA DOMINICAL

            Nestes tempos de pandemia, quando, por questões de cuidado, as igrejas estão fechadas e muitos fiéis estão angustiados por não poderem participar das missas dominicais, vem-me à mente o caso da mulher que disse ao pároco: “Mas padre, o senhor não vai exigir que o meu filho que vai fazer a primeira Eucaristia venha à missa todos os domingos. O domingo é para nós o dia do descanso. E não vamos permitir que a Igreja perturbe esse nosso direito!”. Talvez poucos dizem isto, mas muitos pensam assim.

Dia do Senhor
            Infelizmente são muitos que pensam desta forma. As crianças estão todos os dias na escola, têm atividades esportivas e, no domingo querem descansar e sair com os pais ou amigos para passear, para se divertir. Eles têm esse direito, e não sobra mais tempo para a Igreja.
            Lembremos que o domingo, como dia livre dos trabalhos, é primeiramente um presente do cristianismo. Na tradição judaica, conforme a Lei, era o sábado que devia ser santificado. Para os cristãos, o primeiro dia da semana, por ser o dia da ressurreição do Senhor e o dia da vinda do Espírito Santo, tornou-se um dia de festa. Cada domingo é uma “pequena Páscoa”. Já com o imperador Constantino, em 313, este dia foi declarado como tal para todo o império romano. Em seguida se estendeu para as outras nações pelo mundo afora.
            Porém, para nós cristãos, não se trata apenas do dia em que não se trabalha ou do dia livre. Não trabalhar, dormir mais e descansar é muito pouco para caracterizar o domingo. Temos um jeito de descansar com o qual somos presenteados de paz; que nos renova interiormente, nos dá força interior e nos revigora. Aos domingos nos reunimos para celebrar a Morte e a Ressurreição de Cristo; encontramo-nos com Deus na Santa Missa. Em cada domingo, na missa e no encontro com os irmãos, acolhemos as graças de Deus que nos renovam. Acolhemos o amor de Deus e nos orientamos para os verdadeiros valores da vida; rezamos uns pelos outros, com Cristo Jesus em nosso meio. Celebramos a Vida em todas as suas dimensões, com grande alegria.

Preceito que liberta
            Participar da missa aos domingos continua sendo preceito; mas, se não deve visto como um peso, e assim, se tornará uma causa de alegria, uma libertação. Existem, sim, dificuldades, principalmente para crianças e adolescentes, em certas celebrações, onde não há envolvimento, onde não se entende o que está acontecendo. As vezes as equipes de liturgia não atuam bem, ou se fala demais sobre coisas que não são atualização da Palavra de Deus...
            Contudo, tudo isso não há de justificar a não-participação. Cada um, como fiel, pode e deve se sentir responsável para que tudo funcione bem. Existem oportunidades para se manifestar: são tantas as reuniões que as paróquias oferecem onde os paroquianos podem falar.
            Preceito pode ser algo bom, pois se fizermos somente o que gostamos seremos escravos de nossos próprios desejos. Isso não convém para o nosso caráter. O preceito da missa dominical realiza o cristão, e ele se sente bem quando pode participar da Eucaristia em sua comunidade. Que tal, se diante das desculpas dos filhos para não irem à missa os pais dissessem: “Até pode ser, mas você vai conosco, não primeiramente por obrigação, mas por causa do amor de Deus e da Igreja”? Talvez as coisas tomariam outro rumo.

Motivação
            Nós, os fiéis, temos o dever de participar da missa dominical, para que Jesus Cristo, cuja Morte e Ressurreição celebramos e que está vivo entre nós, possa tocar os corações humanos. A missa deve ser atrativa. Isso nem sempre acontece. Então precisamos lembrar que cada missa é resposta ao “Fazei isto em memória de mim!”. A missa dominical é nosso encontro sacramental com Jesus. Ao menos uma vez por semana necessitamos desse encontro mais íntimo. São muitas as maneiras de estar perto de Deus, mas a missa é única. Quem entende a missa dominical desta forma e se dispõe para este encontro com Deus, este encontra um verdadeiro descanso para si. O domingo lhe traz força, renovação e paz interior. Quem não vai à missa perde algo de grande importância para sua vida.
            Portanto, neste tempo de pandemia, que é todo diferente, em que as pessoas desejam ir à missa, mas por precauções com a saúde pública não podem, é oportuno fazer uma reflexão mais profunda sobre os verdadeiros valores que buscamos. O que de fato orienta a nossa vida de cristãos? É Cristo, a Igreja, a comunidade, o próximo? Os nossos domingos ainda se caracterizam como o “dia do Senhor”, ou...? Quando terminar o tempo da pandemia (se ainda estivermos entre os vivos!), como será o nosso domingo? O que podemos fazer hoje para não nos sentirmos longe da Igreja, das missas e do Cristo que bate à nossa porta nos necessitados? Aproveitemos este tempo. Certamente será uma oportunidade para conversão.
            Que Maria, a Mãe de Jesus, nos ajude a guardar estas coisas em nosso coração, meditando sobre elas.
Pe. Mário Fernando Glaab.