segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Pandemia e liberdade cristã.

 

LIBERDADE E COMUNIDADE

 

            É interessante observar como as pessoas veem e se comportam diante de acontecimentos que atingem a todos, ou ao menos a muitos. Há as reações mais diversas possíveis. É o que podemos ver concretamente quanto à pandemia que mexe com todos nós. São inúmeras as reações das pessoas.

 

Diante da crise da pandemia

            Encontram-se muitas pessoas preocupadas que buscam uma saída para se defender a si e aos seus. Alguns buscam refúgio na ciência, aceitam as orientações de prevenção, esperam a solução pela vacina e pelo tratamento médico; outros tentam encontrar na fé a proteção; outros ainda, minimizam a coisa; dizem que não é bem assim, que dificuldades sempre têm, e que não é dessa vez que as coisas irão ser diferente. Por último existem também os negacionistas. São os que negam, não somente a gravidade, mas até a existência do problema. Na verdade, estes últimos, procuram desviar o olhar; esconder a cabeça na areia.

            Estas são algumas maneiras de as pessoas enfrentar a crise da pandemia que atinge o mundo todo, e que já vitimou muita gente pelo mundo afora, que está desafiando terrivelmente o nosso País. Qual será a melhor resposta que podemos e devemos dar diante destes acontecimentos que tanto sofrimento trazem consigo?

            Ciência e fé não se excluem. Nem uma nem outra sozinha têm a totalidade da resposta. Não há dúvida, que a ciência é fruto do desenvolvimento das capacidades que o ser humano recebeu de Deus. E, quando ele a usa para o bem, ela está conforme o plano deste mesmo Deus. As conquistas científicas devem ser para todos; nunca, para um pequeno grupo apenas, que por acaso pretende delas se apossar.

            A fé, quando verdadeira, confia no poder e na proteção de Deus. Isto não quer dizer que deixa de lado o esforço humano. Pelo contrário, quanto mais fé, tanto mais compromisso. O homem de fé sabe muito bem que Deus conta com o seu trabalho, e que deve ver no desenvolvimento e nas conquistas científicas a bênção do Senhor. Os trabalhos científicos respondem ao mandato de Deus de dominar a Terra. Portanto, não é verdadeira fé a daquele que se “esconde” em seu egoísmo, a atitude da pessoa que não vai à luta, mas diz que Deus deverá protegê-lo. Pode ser uma forma de tomar o nome de Deus em vão.

            Minimizar pode ser um grande perigo, fruto de imprudência e da irresponsabilidade. A crise está aí, ninguém a pode ignorar. Porém, à medida que se minimiza, não se dá a devida atenção e os cuidados para se precaver e cuidar dos outros. Isto pode ser muito perigoso.

            Negar é o pior que alguém pode fazer! Além de eliminar todo cuidado, ainda engana aos outros. Quem faz isto está fazendo um desserviço; está prejudicando a si e ao próximo. Não só mente, mas faz o mal ao outro, favorecendo a disseminação da doença. É ódio mesmo!

 

Que fazer? Ser livre em comunidade

            A crise mostra muito egoísmo disseminado. Em todas as atitudes ele pode estar presente e seduzir as pessoas. Nas soluções científicas o egoísmo pode se manifestar lá onde alguém, com mentalidade capitalista, quer se beneficiar egoisticamente, tirando lucros de algo que deve ser para todos. Infelizmente existem os que estão interessados em explorar também este campo.

            Nos que deixam toda responsabilidade apenas a Deus – ou até iludem aos outros a fazê-lo também -, o egoísmo é mais visível ainda. Além de não fazerem nada, levam outros ao engano. Às vezes, chegam até a roubar o próximo, aproveitando-se maldosamente da boa-fé das pessoas.

            Os que minimizam e os que negam a realidade crítica, não contribuem com nada. E, também eles são embusteiros. O egoísmo é a sua norma. Não pensam no outro, contudo, eles acham que sabem tudo e não ligam para o sofrimento do próximo.

            Alguém vai perguntar onde fica a liberdade de cada um? Sim. Somos livres, mas nunca para fazer o mal. E, mais ainda, prejudicar o outro que conosco forma comunidade. Todos somos livres para fazer o bem. E nossa liberdade vai até à liberdade do outro. Não somos ilhas, mas estamos em comunidade. A comunidade é um valor imenso, contudo, ela exige renúncia e sacrifício de cada membro para que tudo funcione bem.

            Para que exista verdadeiramente comunidade é preciso que o bem de todos ocupe o primeiro lugar. Cada um deve colaborar para que o bem comum seja atingido. Isto é exigência em qualquer comunidade, porém muito mais, na comunidade cristã, uma vez que ela, a partir de Jesus Cristo se fundamenta no amor mútuo, “amai-vos como eu vos amei”.

            Concretamente, quem diante de crise tão séria, como é a pandemia da Covid 19, age egoisticamente pensando somente em si, é um malfeitor. Alguém que diz “eu não vou tomar a vacina porque sou livre e faço o que bem entendo”, está prejudicando não somente a si, mas está fazendo o mal a numerosos outros. Ele não tem liberdade para tal. Afirma o grande historiador da Igreja, Pe. Beozzo, “Não somos livres, quando estamos em comunidade, para fazer o mal aos outros”. E quem não leva a sério as recomendações das autoridades sanitárias, não quer cuidar de si, está fazendo o mal ao próximo; e assim, destruindo a comunidade.

            É bom lembrar que além de pertencermos à comunidade cristã, pertencemos à comunidade humana que está no mundo todo. Somos responsáveis por toda a humanidade. Que o Espírito de Deus seja nossa luz para este grande desafio.

Pe. Mário Fernando Glaab.

sábado, 12 de dezembro de 2020

A Palavra de Deus e as palavras humanas

 

ESCOLHER OU OUVIR A PALAVRA

 

            Para nós cristãos existe a Palavra e as palavras. Entendemos como Palavra a que é de Deus, e como palavras as que são dos homens. A Palavra de Deus é única, é verdadeira e imutável, é sempre a mesma; as palavras dos homens são várias, limitadas e, muitas vezes mudam, conforme a situação e o momento. Quando muito, estão no encalço da verdade, mas em si não são a Verdade. A Verdade é somente Deus. E nós, os cristãos, cremos que esta Verdade se manifesta plenamente em Jesus Cristo.

 

A Palavra em palavras humanas

            No Evangelho de João encontramos, logo no início, uma afirmação central para a fé cristã. Ele diz: “A Palavras se fez carne e veio morar entre nós, e nós contemplamos a sua glória, glória como do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14). É o mistério da encarnação do Filho de Deus: Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.

            Jesus viveu no tempo e no espaço; há dois mil anos na Palestina. Viveu na tradição deste povo, com seus costumes, sua cultura religiosa e sua fé. Era a Palavra falando nas palavras do seu povo. Tudo, na vida de Jesus de Nazaré, era manifestação de Deus, porém numa linguagem acessível às pessoas que com ele se encontravam. Claro que, da parte de quem com ele se encontrava, era necessário acolhida, boa vontade, que se transformava em fé. Nem todos viam nele o mistério de Deus. Muitos não o acolheram, se opuseram, e até o odiaram. Assim, não tiveram a graça de se encontrarem com a Palavra, pois viram nele apenas palavras que julgavam ser falsas.

            Porém, como diz João, os que o acolheram contemplaram sua glória. Isto é, transpuseram os limites do humano para chegar ao divino. Este é também o desafio para os discípulos de todos os tempos, também o nosso!

 

Saber discernir

            Estamos num mundo onde se escutam muitas palavras. É preciso escolher as que mais nos interessam; ouvi-las e peneirá-las para ficar com aquelas que de fato podem ser boas e úteis para nós. Isso não é tarefa fácil, e frequentemente acontece de nos perder em tantas ofertas, tantas escolhas que nos atordoam.

            Com relação à Palavra não deve ser assim. Não devemos colocá-la entre as muitas palavras. Apesar de usar nossas palavras (humanas), ela é sempre a Palavra. Ela não está diante de nós como as palavras humanas que precisam ser selecionadas. Ela exige decisão: sim ou não. Quem lhe dá seu sim, há de levá-lo a sério, e deixar que ela o ilumine e conduza. Quem lhe dá um não, há de ser coerente com sua escolha, no sentido de não a usar para justificar suas intenções que são particulares.

            No entanto, às vezes queremos usar da Palavra em nosso favor. Escolhemos passagens dos evangelhos ou das Escrituras para justificar o que já concebemos antes. Selecionamos certas passagens para justificar nossas atitudes. Só das que gostamos. Ou então escolhemos textos para “dar uma lição” aos outros. Isto é reprovável.

            Na verdade, isso acontece porque não queremos ter a Palavra muito perto de nós, uma vez que ela nos corrige, é exigente e propõe conversão. Nós preferimos andar pelos nossos caminhos, usar a nossa luz ao invés da luz da Palavra.

            Aquele que de fato é discípulo da Palavra – ou quer sê-lo – sabe ouvir. Não escolhe esta ou aquela passagem que lhe agrada. Ele acolhe a Palavra como um todo. Deixa-se orientar por ela. Não se faz de mestre dos outros, mas discípulo que quer compartilhar com os outros a sua experiência. Ele se alegra por poder ouvir sempre de novo o que a Palavra tem a lhe dizer ao coração.

            Portanto, é a Palavra que possui a iniciativa, orienta e conduz; não cabe a nós escolher o que queremos ouvir, porém estar atento ao que o Senhor fala.

Pe. Mário Fernando Glaab.

sábado, 14 de novembro de 2020

ANO NOVO, VIDA NOVA.


PERDOAR E RECOMEÇAR

 

            O fim do ano está aí; um novo ano se anuncia. Sabemos muito bem que numerar os anos é uma conveniência. O tempo sempre continua, ou melhor, nós continuamos no tempo. E na verdade, somos nós que dizemos que 31 de dezembro é o último dia do ano velho e 1 de janeiro é o primeiro dia de um novo ano. As coisas continuam no seu ritmo, sem levar em conta se é fim ou início de ano.

            No entanto, para nós que estamos no tempo, é ao menos oportuno fazer uma reflexão sobre o tempo que passou, o tempo que se chama hoje e, o tempo que virá (esperamos que para todos nós!).

 

Olhando para trás

            Não temos dúvida de que este ano que está se findando foi atípico. Trouxe muitos desafios e dificuldades para praticamente todos nós. Tivemos a surpresa assustadora da pandemia com todas as suas consequências. Muito sofrimento, dor, separações, mortes etc. Isto se refletiu nos relacionamentos familiares, laborais, eclesiais e, em toda a sociedade.

            Não podemos esquecer que a nível mundial aumentou o número de refugiados e de pobres em muitos países. Humilhações de todos os tipos; até as atitudes racistas cresceram. Em nosso Brasil, ao invés de se buscar convivência pacífica, o ódio, a violência, a mentira, a corrupção (até em ambientes religiosos) o descalabro com o meio-ambiente e com os grupos minoritários cresceram demais!

            Se por um lado nos sentimos obrigados a agradecer por estarmos bem, ou ao menos estarmos aqui, podendo viver e aguardar um novo ano; por outro lado precisamos tomar consciência dos nossos erros, pedir perdão e tentar perdoar.

            Este é o tempo que chamamos “hoje”. É hoje que olhamos para trás e para frente, mas com os pés no chão; uma vez que o passado já se foi, o futuro ainda não veio, mas o presente está aqui. Olhar para o futuro com esperança faz bem, e é necessário ter confiança em Deus e nas pessoas de boa vontade. Porém de nada vale tudo isso, se no presente não tivermos a coragem de corrigir o que no passado não deu certo, o que não foi bom.

 

Perdão

            É muito difícil pedir perdão, e mais ainda, perdoar. Na verdade, somente quem ama de fato sabe fazer isto; ao ponto de se afirmar que perdoar é divino. Nós cristãos aprendemos que o amor é uma virtude infusa por Deus (teologal) em nossos corações quando nos tornamos filhos dEle no dia de nosso batismo.

            Em sua nova Encíclica, Fratelli Tutti, o Papa Francisco ensina que “se o perdão é gratuito, então pode-se perdoar até a quem tem dificuldade de se arrepender e é incapaz de pedir perdão” (FT 250). Sábias palavras! Isto é possível somente para quem sabe ser pecador e, que se humilha diante de Deus com o coração contrito, acolhe gratuitamente Seu perdão. Sabe que não o merece, mas que é por pura graça do amor sem medida do Deus Amor. A partir dessa experiência – possível somente na caridade – é que se pode perdoar a quem nos ofendeu; mesmo, como diz o Papa, se ele tem dificuldade de se arrepender.

            Portanto, façamos hoje o esforço para nos abrir à experiência do amor misericordioso de Deus, e, a partir dele, pedir perdão a todos, também à natureza, ao meio ambiente, por todo bem que deixamos de fazer, por toda ofensa que fizemos; imbuídos do amor de Deus, perdoar a tudo, aos que nos ofenderam, mas também aos acontecimentos que não nos agradaram. Assim poderemos nos programar para um novo tempo, para o que desejamos a nós e aos outros no novo ano.

 

Recomeçar

            Nada melhor para recomeçar é ter presente o que já se foi, o que se vive hoje, para planejar o amanhã. O amanhã a Deus pertence, mas quem está nas mãos de Deus pode e deve sonhar com um amanhã sempre melhor. Quanto mais nós nos abrirmos ao amor de Deus, tanto melhor será o nosso futuro. Isto se faz num contínuo diálogo com Deus, com as pessoas e com o mundo que nos cerca. Todos devem ter o seu lugar e merecer o devido respeito. Sem diálogo sincero e respeitoso nada se faz e nada se consegue.

            Em um mundo tão violento e disseminador de ódio, onde se coloca a confiança nas armas que matam, termino com mais uma citação do Papa Francisco: “Armemos os nossos filhos com as armas do diálogo! Vamos ensinar-lhes o bom combate do encontro! ”. (FT 217). Não podemos esquecer que a violência (armas) gera violência, mas o amor (diálogo) cura e salva.

Pe. Mário Fernando Glaab.

sábado, 17 de outubro de 2020

Finados - Cura pela Cruz.

 

CURADOS PARA CURAR

 

            A Congregação para a Doutrina da Fé na conclusão da Carta Samaritanus Bonus, publicada em julho passado, falando sobre o cuidado das pessoas nas fases críticas e terminais da vida, diz: “Curados por Jesus, tornamo-nos homens e mulheres chamados a anunciar o seu poder que cura, a amar e a cuidar do próximo como Ele nos testemunhou”. É um forte apelo para que os cristãos, como Jesus, estejam próximos com seu amor e seu cuidado, a todos os sofredores. Porém, parte da própria cura: “curados”. Assim, antes de curar alguém é necessário fazer a experiência de ser curado.

Curados

            Somente quem se sente curado pode curar. Todos nós sofremos com doenças físicas, psíquicas e espirituais. Isto é próprio da limitação humana, pois somos todos criaturas, e como tal, imperfeitos. E além de tudo, erramos tantas vezes, causando sofrimentos a nós e a outros.

            Então, antes de mais nada, cada um deve se humilhar e acolher a cura que lhe é oferecida. Claro que existem inúmeras formas de curas. As doenças mais leves podem ser curadas com meios ordinários; outras com a ajuda de profissionais da saúde; ainda outras, através de orientações espirituais e intercessões, e assim por diante. No entanto, o conjunto de todo sofrimento que se abate sobre o ser humano somente pode ser curado por alguém que está acima dele. Somente por alguém que tem “palavras de vida eterna”, uma vez que a morte, humanamente falando, dá a última palavra para esta vida terrestre.

            A fé em Jesus Cristo que, como Deus e como homem, está entre nós a nos conduzir para a vida plena onde “não haverá mais choro, nem grito, nem dor” cura todo sem-sentido, e dá um sentido que vai para o além. Portanto, antes de pretender curar alguém, dando-lhe um sentido que transcende a todas as dores humanas, é preciso que se faça a experiência de ser curado. Uma vez curados por Ele, é possível ajudar na cura de tantos “doentes” que estão pelos caminhos do mundo. O verdadeiro cristão – curado por Cristo – torna-se anunciador do poder curador de Jesus Cristo. Bem mais que dizê-lo, ele o anuncia, para que todos também o possam acolher.

 

A cruz do sofrimento

            A dor e o sofrimento são simbolizados pela cruz. Tomar a cruz significa assumir o desafio do sofrimento. Mas também as cruzes de madeira, de metal ou que qualquer outro material que usamos sobre nós, que estão em nossas mesas e em nossas paredes, são sinais muito fortes da confiança em Jesus; este que carregou sua cruz até o Calvário, morreu nela, e ressuscitou. Assim, a cruz dá um sentido transcendente às nossas cruzes. Mostra que, apesar de sofrermos e sabermos que iremos passar pela morte, com Ele seremos vencedores. Até mesmo a morte não terá a última palavra. A cruz nos leva para além da morte.

            Neste mês de novembro, quando iremos visitar os cemitérios, certamente veremos muitas cruzes sobre as sepulturas. Elas podem até nos dar a impressão da derrota, da morte. Mas não. Na verdade, quando os familiares colocam uma cruz sobre as sepulturas onde jazem seus entes queridos que já partiram, estão expressando sua fé e sua esperança naquele que passou pela morte e voltou à vida. Podemos dizer que colocar uma cruz sobre as sepulturas é “curar” aquele que aí está sepultado. É entregá-lo com confiança, sob a sombra da cruz, nas mãos de quem ressuscitou; e que nos fez experimentar um novo céu e uma nova terra que se aproximam.

 

Carregar a cruz

            Ter coragem de abraçar e carregar a cruz é bem mais do que fazer alguma renúncia ou penitência. É colocar-se junto à dor do próximo; é curá-lo com a cruz que nós assumimos. Não a nossa cruz, mas a cruz de Jesus; amar e cuidar do próximo como ele o fez. Não é fácil levar a cruz para onde o sofrimento pesa mais. Bem mais fácil seria - se possível fosse - eliminar com um toque de mágica tudo o que faz sofrer. Mas, levar a cruz é ajudar o sofredor a olhar para frente com esperança, é fazê-lo sentir que é amado por Deus, mesmo que a dor parece negá-lo.

            Da mesma forma, vir ao encontro dos falecidos com a cruz, não somente como um objeto, mas como vida na esperança, é gesto de coragem curador. É preciso, portanto, ter muita coragem para colocar uma cruz no sofrimento do irmão, assim como colocar a cruz sobre uma sepultura. Somente os “curados” por Jesus o fazem com sentido. Tudo mais não passa de ritualismo vazio. Sintamo-nos curados e curemos com a cruz de Jesus.

Pe. Mário Fernando Glaab.

 

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Nossa resposta à proclamação do Evangelho

PROCLAMAÇÃO DA BOA NOTÍCIA

 

            Escutamos sempre de novo, em nossas celebrações litúrgicas: “Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo...”, e acontece, às vezes, de nem tomarmos consciência do que isto quer dizer. A resposta sai quase que automaticamente: “Glória a vós, Senhor!” Por que “proclamação”, e por que “Evangelho”?

 

Proclamação

            O dicionário diz que proclamar é o mesmo que anunciar em público e em voz alta; afirmar com ênfase. É, portanto, o anúncio de algo que interessa a todos, e que está sendo feito com entusiasmo. É algo bem mais profundo que um aviso ou algum ensinamento teórico. A proclamação traz em si uma realidade que já está no anunciador e que se difunde nos destinatários da mesma. O anunciado atingirá a todos: o proclamador, porém mais ainda, àqueles aos quais é anunciado. Isto, em outras palavras, quer dizer que uma proclamação, para ser verdadeira, faz com que a coisa se torne atual, se concretize no presente e no lugar onde acontece. O anunciador e os ouvintes-acolhedores estarão todos envolvidos pelo conteúdo do que está sendo proclamado.

            Há grande diferença entre relatar um acontecimento para que seja conhecido pelos alunos, por exemplo; e proclamar que agora o colégio tem novo diretor. No primeiro caso, é apenas uma notícia que se soma aos conhecimentos dos alunos, porém, no segundo todos serão envolvidos pela figura e importância que o novo diretor representa. Quando, então, em nossas celebrações da Palavra, há proclamação, acontece algo bem diferente do que acontece durante uma aula ou durante um encontro de estudo, mesmo que estes sejam bíblicos.

            Então, as proclamações que são realizadas em nossas celebrações da Palavra são muito mais do que uma lembrança daquilo que aconteceu num passado com Jesus, com os profetas ou com os apóstolos. As proclamações atualizam o que foi dito ou feito por estes, mesmo que feitos há mais de dois mil anos.

 

Evangelho

            Evangelho é uma palavra grega que em nossa língua se traduz por “boa notícia”, “boa nova”. Evangelho é algo de novo e de bom que é para todos. E como é de Jesus Cristo, trata-se daquilo que Ele tem para dizer e para realizar em nosso favor hoje, da parte de Deus, do qual Ele é o Messias, o Filho. Não é uma notícia boa qualquer, porém aquela que o próprio Deus tem para nós. É a revelação de Deus, a notícia máxima. Boa Nova que contém todas as boas notícias para a humanidade. Lembramos que Jesus é a Palavra feito carne que está em nosso meio (cf. Jo 1,14), isto é, Deus convivendo, ou mais ainda, Deus vivendo a nossa vida para ser o Caminho, a Verdade e a Vida, na vida de cada um de nós. A Boa Nova é o próprio Jesus Cristo.

            Ao se dizer que é o Evangelho de Jesus Cristo, se diz que é a Boa Nova que somente pode ser acolhida como dom gratuito, e na fé. Ninguém, nem o mais sábio ou o mais santo consegue alcançar este Evangelho, mas ele vem como um presente do infinito amor de Deus. Somente Jesus o trouxe e, continua a trazê-lo. De nossa parte precisamos acolhê-lo com muita humildade, gratidão e fé. Não somos nós que estabelecemos a conexão com Ele, mas é Ele que vem a nós, que usa todos os meios para que nós possamos estar conectados. De nossa parte, ao acolher este Mistério de Amor, somos transformados e possibilitados para o compromisso. Já que é a Boa Nova que nos é anunciada, agora nós haveremos de ser também Gente Nova, isto é, gente que “deixa” o Evangelho frutificar e se difundir pelo mundo até os confins da Terra.

 

Glória ao Senhor

            “Glória a vós, Senhor” é a resposta da assembleia diante da proclamação do Evangelho. É a resposta da fé e da acolhida, liturgicamente pensada. Não se pode ficar, porém, somente na resposta litúrgica. Esta deve levar ao compromisso. Se de fato aí é anunciado (com ênfase) a Boa Notícia de Jesus Cristo, todos os que respondem “glória”, devem se deixar transformar pelo Cristo presente com o seu Reinado.

            Na catequese ou em encontros de formação muitas vezes se incentiva as pessoas a prestarem atenção nos textos bíblicos do domingo para aprender e conhecer sempre mais sobre Cristo. Certo. Mas é muito pouco! Mais que aprender e conhecer, é necessário acolher e viver. Não será num futuro, quando se conhecer toda a bíblia (algo impossível), que se estará pronto para viver a Palavra como cristão, mas é agora que se deve viver, ao menos começar a viver. “Ele está no meio de nós” é a resposta que damos tantas vezes nas celebrações. Será que ela é dita com a devida consciência?

            Alguém diz que Jesus Cristo veio ensinar uma doutrina ou uma moral para mostrar como as pessoas devem viver no bem e evitar o mal, e assim ir para o céu. Não. Jesus é o próprio Bem, é a própria Verdade. É nEle que se tem este bem e esta verdade. Aliás, hoje em dia, cada vez mais as pessoas não querem nem o bem nem o mal, mas apenas sua própria comodidade. Cresce a mentalidade da indiferença, do “tirar o corpo fora”. Porém é neste mundo que o Evangelho de Jesus Cristo precisa ser proclamado e precisa ser acolhido. A Igreja nunca pode esquecer que também ela acolhe e, em consequência, proclama. Não pode parar. Se quiser levar as pessoas para o céu se faz necessário viver com Cristo hoje e se dispor a colaborar com o seu Reinado aqui e agora.

Pe. Mário Fernando Glaab


quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Igreja: pregar o amor de Deus conforme Jesus.

O AMOR SEGUNDO CRISTO E A IGREJA

 

            Muito se fala, se escreve e se canta sobre o amor, mas pouco se reflete sobre o que se entende por amor na visão cristã. Longe de querer ensinar a doutrina cristã como um todo, porém pretendendo colaborar, eis uma pequena reflexão:

 

Evangelho de Jesus

            Necessariamente, ao se falar de uma característica cristã de amor, é preciso ter presente a pessoa de Jesus Cristo, o Homem de Nazaré. Afinal, o que Jesus veio anunciar sobre amor?

            A própria palavra “evangelho”, traduzida para nossa língua, quer dizer boa notícia. Ao nos referir ao Evangelho de Jesus Cristo, referimo-nos a algo de bom que ele veio anunciar. O que, e a quem? Aí está a questão central.

            Jesus, com sua pregação e seu modo ser e de agir, não trouxe um ensinamento novo, uma nova doutrina ou nova moral, mas ele revelou Deus. E a partir daí se estabelece doutrina e moral. Ele anunciou e mostrou aos seus ouvintes e observantes quem é Deus. Resumiu tudo na palavra “Pai”. Contudo, passou a sua vida explicando e mostrando o que isso significava. E completou esta obra quando aceitou a morte de cruz. Dessa forma ele revelou que este Pai é só amor. Ama incondicionalmente a todos. A Ressurreição foi a confirmação da obra de Jesus por parte do Pai. Jesus mostrou que Deus não pode não amar. Isto vai ao encontro do que o ser humano tem no mais profundo de sua consciência, pois a luz que habita no mais íntimo de cada um de nós nos diz: ninguém foi criado para o mal, porém todos existem para o bem, a partir do Deus Criador. Aí vemos que Jesus Cristo e o coração humano dizem a mesma coisa. Jesus nos revela o que está no mais profundo de nosso coração.

            A revelação de Jesus é para todos, no entanto, ele se lança de corpo e alma para levar esta boa notícia aos que mais precisam dela para viver com dignidade: os pobres, os pecadores, os desvalidos da sociedade, e para todos os que sofrem injustiças. Para estes ele repete: “Felizes, vós os pobres” porque sois amados por Deus. E promete-lhes justiça.

            Sem dúvida, esta revelação leva para uma realidade que transcende a nossa história, mas está bem fixada no aqui e no agora. A partir do que Jesus falou e fez, dá para concluir tranquilamente que a justiça de Deus não é neutra: ele olha sempre para baixo, tem caráter de proteção e de defesa para o inocente injustamente tratado. Aliás, foi justamente por causa disso que condenaram Jesus à morte. Pois isto incomodou os de cima, os privilegiados, os que viviam às custas dos pobres. Eliminaram-no para poderem continuar sua vida, explorando, matando e condenando.

            A vida de Jesus, então, não pode ser acusada de ideológica já que se situou até o fundo ao lado dos abandonados, sem jamais deixar de apontar para o céu, e pode dizer aos pobres, aos pecadores, aos explorados, marginalizados, com autenticidade assinada com seu sangue: “Bem-aventurados, vós os pobres”.

 

Igreja de Jesus

            Para a Igreja ser verdadeiramente “Igreja de Jesus”, precisa estar na mesma linha dele. Não deve se preocupar com ensinamentos bonitos, bem elaborados; mas, muito mais em estar em sintonia com o que Jesus revelou: que Deus é só amor e, que se volta com seu rosto paterno para seus filhos menores; que vê o caído à beira do caminho. Enquanto a Igreja estiver preocupada, em primeiro lugar, com ensinamentos espirituais e morais, deixando de lado este núcleo originário, ela não está sendo fiel ao seu fundador. Sua pregação deve sempre partir do Deus que ama a todos e quer que todos se salvem, fazendo-se Boa Nova para os que a sociedade considera à sua margem, e assim recuperá-los.

            Há críticas sobre os destinatários da pregação da Igreja, para estes ou para aqueles. Na verdade, ela deve pregar a todos, pobres e ricos. Porém, a forma como ela o faz, há de ser prudente. Deve evitar a tentação de justificar as riquezas como bênçãos de Deus, quando na verdade podem ser frutos de negociações injustas, de trabalhos mal pagos etc. Há de procurar conscientizar aos ricos quanto à sua pobreza por confiarem nos bens que passam e não aceitarem o verdadeiro amor em suas vidas. Diante da acusação de certas pregações desfocadas, um grande teólogo de nosso tempo escreve: “O grande erro da Igreja não foi tanto pregar aos ricos, mas o fato de essa pregação ter se transformado em uma confirmação da posição de classe deles” (González Faus). É necessário repetir sempre de novo que a Igreja não pode excluir os ricos do anúncio da salvação, mas deve adverti-los, em nome do Deus-Amor, de que eles correm o risco de se auto-excluirem; e por isso devem também fazer a experiência do Deus que os ama, não por serem ricos (e podem ajudar com seus bens), mas por que necessitam de libertação.

            Concluindo, assim como Deus ama indistintamente a todos – como Jesus ensinou e fez -, não mais os pobres porque são melhores, ou os ricos porque têm bens para dar, mas porque ele é Amor, e só amor; assim também a Igreja, na sua missão de anunciar e realizar o amor de Deus no mundo – dando continuidade à missão de Jesus -, deve também amar e anunciar a todos, tanto aos pobres como aos ricos, que são amados por Deus e, que ele quer libertar a cada um. A Igreja deve estar à disposição da Verdade que é Cristo que se fez pobre para estar com os pobres, e, nunca ceder à tentação das riquezas que prendem e matam.

Pe. Mário Fernando Glaab.

terça-feira, 7 de julho de 2020

Oração de súplica.


REZAR E CONFIAR

            Jesus nos ensinou a rezar. As Escrituras estão repletas de orações e de recomendações para que se ore. Cada um de nós, um mais outro menos, aprendeu a rezar em sua família e comunidade. Rezamos cada dia. Certamente tem pessoas que orem mais, outras bem menos. Porém, não é possível ser cristão sem orar.

Desafio para a fé.
            A oração parte da fé, leva à fé e é desafiada pela fé. Nada mais sem sentido do que uma prece sem fé. É um falar para as paredes, ou um palavreado sem alma. Qualquer oração deve conter uma base de confiança, e esta se apoia em alguém que é maior. Fé em Deus e no seu poder. Os hábitos, quanto mais repetidos, mais aumentam; assim também a fé, quando alimentada pela oração, aumenta. Portanto, a oração quando parte da fé, produz mais fé.
            Todavia, a fé de quem reza é desafiada, é provada. Há um processo, todo um caminhar para uma fé mais pura e mais profunda. Quando mais a pessoa avança, mais é desafiada. O maior desafio para a fé é o fracasso do justo, a injustiça contra o inocente, os pedidos não atendidos. Pede-se que o justo, o pobre e o doente sejam protegidos; mas o que se vê neste mundo violento, injusto e mau é justamente o contrário. O inocente que é condenado à morte é o maior desafio para a fé. Pede-se justiça, mas ela não acontece. Os malvados prosperam e os inocentes padecem e morrem. Como crer diante disso?

Dois tipos de pedidos.
            A maioria de nossas orações são pedidos. Isto é uma manifestação de nossa limitação humana: dependemos de Deus e dos outros. Sinal de humildade. Algo bom. No entanto, há duas maneiras de suplicar: a) pedir dizendo o que deve ser. É, na verdade, e expressão do meu desejo, ou melhor da minha necessidade. Refere-se a causas terrenas que me julgo incapaz de resolver e, coloco diante do poder soberano de Deus, sem, no entanto, ultrapassar à transcendência dele. Dá-se “ordens” para Deus! Diz-se a Ele o que deveria fazer. “Senhor, faça o que eu faria se estivesse em seu lugar”! Pensando bem, este tipo de oração nos coloca acima da sabedoria e da bondade de Deus; b) pedir em comunhão de amor. É a oração que se coloca na ordem de Deus. Não é um pedido simplesmente, mas é verdadeira oração. É essencialmente comunhão com Deus, comunhão com sua vontade. Reconhece-se Deus como Deus, e se submete confiantemente ao seu mistério de amor. Esta oração significa deixar Deus ser Deus. Lembremos Jesus que no Orto reza: “Afasta de mim este cálice”, mas completa, “não se faça a minha vontade, porém a sua”. Se não tivesse completado seu pedido, ficaria somente no pedido, sem passar para a comunhão de amor.

Jesus, modelo de oração
            Jesus é o homem da oração. Os evangelhos estão cheios de passagens que mostram Jesus em oração. Mas eles também mostram Jesus agindo. Ele prega e age. Ele, por onde passa, faz o bem. É a fé em ação. Ele se coloca em comunhão contínua com o Pai. Quando exalta os pobres não ensina que o contrário da pobreza seja a prosperidade, porém deixa claro que é a justiça; e por ela luta até às últimas consequências. Não promete prosperidade aos seus seguidores, mas lhes promete a paz, fruto da justiça.
            A luta pela justiça foi o desafio mais duro, também para Jesus. Sua fé foi desafiada até o fim. Ele acabou condenado pelo bem que fez. Totalmente fracassado! Mas, deixou Deus ser Deus. Entregou-se confiantemente nas mãos do Pai. E morreu!
            A resposta de Deus veio: ressuscitou!
            Para o cristão chegar a rezar como Jesus rezou é uma caminhada. Pode parecer longa demais. Porém, é preciso caminhar, e não desistir nunca. Confiar, ele venceu. E, ele está conosco. Seu Espírito está sobre nós. Ele reza em nós e por nós. Mesmo que seja desafiador rezar, rezemos, pois a oração foi a força de Jesus, será também a nossa.
Pe. Mário Fernando Glaab.