terça-feira, 3 de julho de 2012

Vaticano II - 50 anos

50 ANOS DA ABERTURA DO VATICANO II - 11 DE OUTUBRO/12

            No dia 11 de outubro de 2012 completar-se-ão 50 anos desde a abertura do Concílio Vaticano II. Meio século de história da Igreja no mundo e com o mundo a partir da renovação que o Concílio propôs e provocou. Renovação, mais assumida por alguns segmentos da Igreja, menos assumida por outros. Tempos de mais entusiasmo, outros de menos entusiasmo. A grande pergunta é: 50 anos depois, o Vaticano II ainda é atual ou já é do passado?
            Ao olhar para os 50 anos que estão entre a abertura do Concílio e o hoje da história que vivemos, não podemos esquecer que entre as afirmações mais fecundas do Vaticano II está a identificação da Igreja como “Povo de Deus”. Essa visão tão abrangente há de jogar luz sobre a nossa consciência de membros da Igreja que estão na história concreta. Como Povo de Deus no mundo necessitamos nos perguntar se de fato a Igreja está levando a sério essa sua identidade também hoje. Às vezes se tem a impressão de que, com o passar dos anos deu saudades da “Igreja pré-conciliar”. Já a partir do Sínodo de 1985 o enfoque foi deslocado para “Igreja como mistério”. Facilmente, seguindo tal enfoque novo, volta-se para a concepção de Igreja que se caracteriza pelas funções ministeriais, em detrimento da dignidade de todos os batizados. Quando se parte da concepção Povo de Deus tudo é colocado na visão do serviço. Vê-se a Igreja como servidora de todos, para levar ao mundo o Reino de Deus que é justiça e fraternidade; e a autoridade dos pastores na Igreja passa a ser vista a partir do mesmo serviço que prestam. Todo batizado tem direitos e deveres que se expressam no serviço comum. Os hierarcas são vistos como diáconos do povo e têm a tarefa de organizar e coordenar os diversos serviços, deixando a cada fiel proceder conforme suas capacidades, despertando nele responsabilidade verdadeira. O abandono da visão de Povo de Deus em prol da de Comunhão leva novamente ao centralismo hierárquico. A importância do leigo diminui drasticamente e a Igreja volta a depender somente do clero. No entanto, é bom lembrar que, os leigos sempre são e devem ser parceiros na evangelização. Nunca podem ser considerados como objetos a serem evangelizados. Todos precisam ser evangelizados e se evangelizarem mutuamente, mas a missão vai além desse círculo clero-leigos. Quando os clérigos veem seus leigos como “lugar de investimento” onde procuram “retorno”, a concepção de Igreja Povo de Deus não existe mais, pois a Igreja que depende só do clero não vai a lugar nenhum! Nos últimos anos, conforme alguns pastoralistas afirmam, os leigos estão perdendo a sua importância nas comunidades católicas. Novamente o poder se concentra no pároco, no bispo ou no ministro. Os conselhos paroquiais, até os conselhos presbiterais, perderam grande parte de sua importância. A representatividade dos conselhos quase não existe mais, e os membros ficam reduzidos a “meia dúzia de amigos do bispo ou do padre”! Pe. Libânio, grande teólogo e atento observador, diz com certa ironia: “Atualmente muitos conselhos paroquiais se assemelham ao Salmo 123 quando ele diz: como os olhos dos escravos olham para a mão dos seus patrões; como os olhos da escrava olham para a mão da sua patroa, assim nossos olhos estão voltados para o Senhor (123,2), entendendo por “escravos” os leigos e por “Senhor” o pároco ou o bispo”[1]. Para que nossas paróquias e nossas dioceses sejam adultas, verdadeiramente povo de Deus, precisam de ousadia para anunciar e testemunhar o Evangelho; Evangelho inculturado, e não somente reproduzir o que vem de cima.
            Estamos perto da comemoração dos 50 anos da abertura do Concílio Vaticano II. Parece, no entanto, que em muitas dioceses essa comemoração ainda não está no calendário. Talvez estejam preocupados com belos projetos, diretrizes e planos pastorais, mas esquecem do fundamental: retornar ao “Pentecostes” do Vaticano II. Ele há de jogar luzes sobre a situação atual da Igreja em nosso mundo brasileiro. Questões diversas poderão ser interpretadas e reinterpretadas à luz do Vaticano II, como é o caso da diminuição dos católicos no Brasil. O Vaticano II, na verdade, teve aceitação entusiasmada nos primeiros decênios, principalmente por parte do “Povo de Deus”, isto é, dos mais humildes, mas que foi freado nesses últimos decênios, e isso principalmente por parte da hierarquia. José M. Vigil, teólogo nicaraguense, diz que o Vaticano II “foi o Concílio que suscitou maior e mais entusiasta aceitação da parte do Povo de Deus, e também a maior resistência do próprio povo ao movimento de ‘restauração’, implementado pela hierarquia contra ele”[2]. Não será essa uma causa da saída de tantos fiéis das fileiras católicas?!
            Certa diocese dá sinais claros de que a ideia Igreja Povo de Deus foi substituída por “Igreja mistério” quando em seu Estatuto Diocesano insiste que as comunidades não podem ter comissões ou diretorias onde a presidência seria exercida por um membro da mesma, mas podem somente ter conselhos onde o presidente sempre é o pároco. Quem de fato manda é sempre o pároco (clericalismo!). Pergunta-se, nesse caso concreto, onde está o valor do leigo? Não seria este o exemplo mais claro da comparação do Pe. Libânio, visto acima?
            Falta pouco tempo para os 50 anos da abertura do Concílio, mas como o Concílio se prolongou por mais de três anos até o encerramento, fica a sugestão para que se pense em cada diocese e em cada paróquia atividades comemorativas, mesmo que no início ainda não estejam tão bem conectadas. Que se programem estudos, debates e todo tipo de iniciativas para diversos níveis; semanas teológicas para o clero, professores de teologia e pessoas iniciadas no assunto, mas também palestras, cursos encontros e celebrações para o povo com menos formação teológica. Que ninguém fique sem ser atingido e convocado. Que este pequeno artigo seja uma mínima contribuição, no sentido de acordar aqueles, tanto hierarcas quanto fieis leigos, que ainda estão dormindo e não perceberam a importância do momento histórico que vivemos. E, como última sugestão para os interessados: leiam o precioso livrinho de Dom Demétrio Valentini, Revisitar o Concílio Vaticano II, editado pelas Paulinas; aliás, leiam toda a coleção Revisitar o Concílio. Boa leitura.
Pe. Mário Fernando Glaab
www.marioglaab.blogspot.com


[1] Citado por Manoel Godoy no Simpósio de Teologia da Faculdade Vicentina de Curitiba (09-11/05/12).
[2] Entrevista concedia à revista IHU On-line.

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