quinta-feira, 2 de agosto de 2012

A Teologia é atual

ATUALIDADE DA REFLEXÃO E DA PRÁTICA TEOLÓGICA
Pe. Mário Fernando Glaab
            Na era da informática, ou da facilidade proporcionada pela internet, dispensadora do esforço intelectual, a impressão que se tem, é que cada vez mais, a reflexão cede lugar para as soluções imediatas que satisfazem desejos igualmente imediatos. Pouca prática duradoura permanece após consultas tão acessíveis que exigem tão pouco esforço. Os jovens - e não somente eles – são cada vez mais levados por esse mundo virtual imediato a se desligar dos desafios reais que a sociedade enfrenta e que a faz sofrer. Longe dos problemas, ficam também longe de uma reflexão séria que poderia se transformar em prática engajada no processo de transformação.
            Essa questão afeta as pessoas em todos os campos, também em suas práticas religiosas. A fé das pessoas parte de espaços e de tempos concretos e leva novamente aos mesmos espaços e tempos. A maneira de se viver cristãmente não escapa dessa lei. Constata-se que nos últimos tempos a vivência cristã em nosso meio está num processo contínuo de distanciamento entre fé e vida. A fé, se é que pode ainda ser chamada assim, está cada vez mais no nível do belo aéreo. Celebram-se ritos esplendorosos nas igrejas ou em praça pública, que ao invés de expressar vida em luta contra os males que afligem multidões de excluídos, mostram uma fé alienante e abstrata. As vestes litúrgicas e os utensílios sagrados acentuam o esplendor. Uma forte crise se abateu sobre a teologia católica e também sobre a Teologia da Libertação como um todo. Não que ela tenha desaparecido, nem que faltem teólogos sérios e comprometidos; mas seus apelos, gritos e lamentos encontram poucos ouvidos atentos. Prefere-se escutar o barulho dos instrumentos musicais e dos cantos que faz o público pular, mas que não sabe fazê-lo caminhar! Dizem que os “pulos” são obras do Espírito, mas esquecem que o Espírito que agia em Cristo deu ordens para que os discípulos andassem pelo mundo afora: “Ide...” Essa porta larga é tentadora também para o clero. Não são poucos padres e até bispos que não têm escrúpulo em esquecer a dureza da vida dos pobres e excluídos de suas comunidades e se entreterem com os que fazem shows de fé. Entre os seminaristas, futuros sacerdotes, cresceu assustadoramente tal tendência. Basta observar como grande parte deles se apresenta nas celebrações onde há concentração de pessoas, e, por outro lado, a sua quase ausência total nos bairros pobres, nas lutas pela sobrevivência dos excluídos, excluídos de tudo, até dos bens espirituais.
            Diante desse quadro, que não deixa de ser preocupante, talvez seja útil perguntar o que a teologia pode fazer para recuperar a sua presença na reflexão e na ação de nossas comunidades. Sabe-se que no Brasil, na América Latina, como também pelo mundo afora, existem bons teólogos; existe muito material por eles produzido, não apenas para vender livros, mas que chama a atenção às questões atuais, propondo respostas compromissadas. Mas, será que o problema principal não está justamente nos que deveriam traduzir a teologia para uma linguagem acessível ao povo simples? Não está na ausência desses intermediários nos lugares onde deveriam levar as propostas para se tornarem interpretações ativas? A quem cabe essa tarefa? Quando o material produzido pelos teólogos permanece somente entre eles, numa pequena parcela do clero ou de algum indivíduo que se interessa pelo assunto, a teologia, como diz J. B. Libânio, torna-se incestuosa.[1] Isso é grave: seus filhos podem nascer defeituosos. O que pode significar isso para a Igreja em nossas comunidades onde já estão tantos “deficientes”?
            Está mais do que na hora de voltar para o chão em que habitamos. Deus está no céu, mas nós o cremos na terra. Aliás, é o que respondemos em nossas liturgias: “Ele está no meio de nós”, mesmo que não estamos muito convencidos disso. Não tem sentido querer uma teologia lá das alturas se o que de fato interessa é o que está ao nosso redor e, é bom lembrar que a teologia é sempre fruto de seres históricos, isso é, que são limitados, e por isso, não se faz a teologia que se quer, mas aquela que se pode. Pode-se fazer teologia daquilo que é nosso, do nosso mundo que conta com a presença de Deus em Jesus Cristo. Mas esse Jesus Cristo, que nós gostamos de chamar Jesus de Nazaré, pois, denominando-o assim, expressamos melhor a sua presença na história humana, está lá onde estão os últimos dos seres humanos. A partir dos últimos, das vítimas, ele – Jesus de Nazaré – se apresenta como o Deus para todos. Se não se parte de lá é possível encontrar um deus que faz distinção entre as pessoas – não será um “Deus para todos”. E, por fim, bom é lembrar que a teologia ensina, a partir de sua experiência na práxis cristã, que o pobre e excluído não é melhor, nem moral ou religiosamente, que os demais, mas que sempre há de ser o preferido, tanto de Deus como da Igreja, por causa de sua situação desumana em que se encontra.[2] Ao se voltar para o Crucificado, o cristão, a partir do sofrimento dos muitos crucificados desta terra compreende que Deus, em Jesus de Nazaré, se coloca entre eles. Mesmo que sejam ímpios e injustos, também para eles é oferecida a esperança da salvação,[3] assim como é oferecida para todo ser humano. O acesso para essa esperança passa necessariamente pelos últimos.
            Portanto, reflexão teológica a partir da práxis e práxis a partir da reflexão teológica são mais que atuais. Cabe aos teólogos fazer a sua parte, cabe, no entanto, mais ainda aos pastores – aqueles que estão sempre diante das multidões: presbíteros, ministros da Palavra, catequistas, líderes comunitários – traduzirem em linguagem e prática acessíveis aos simples, legado teológico. Ajudar os pobres e os excluídos a compreender melhor a sua fé e a transformá-la em vida, na busca da terra sem males, como Jesus de Nazaré a sonhou.

Referências bibliográficas
FERRARO, Benedito. A teologia como produto social e produtora da sociedade: a relevância da teologia, in: BAPTISTA, P. A. N. e SANCHEZ, W.L. Teologia e Sociedade: Relações, dimensões e valores éticos, São Paulo: Paulinas, 2011.
LIBANIO. J. B. O ser humano como ser histórico, in: BAPTISTA, P. A. N. e SANCHEZ, W.L. Teologia e Sociedade: Relações, dimensões e valores éticos, São Paulo: Paulinas, 2011.
MOLTMANN, Jürgen. El Dios Crucificado: La cruz de Cristo como base y critica de toda teología cristiana. Salamanca: Segueme, 1977.


[1] LIBANIO, J.B., O ser humano como ser histórico, p. 32.
[2] Cf. FERRARO, A teologia como produto social e produtora da sociedade, pp. 46-53.
[3] Cf. MOLTMANN, J. El Dios Crucificado, p. 3.

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