PACTO
DAS CATACUMBAS (PONTO 12)
No décimo segundo item do Pacto das Catacumbas os bispos
assim se expressaram: “Comprometemo-nos a partilhar, na caridade pastoral,
nossa vida com nossos irmãos em Cristo, sacerdotes, religiosos e leigos, para
que nosso ministério constitua um verdadeiro serviço; assim: -
esforçar-nos-emos para ‘revisar nossa vida’ com eles; - suscitaremos
colaboradores para serem mais uns animadores segundo o espírito, do que uns
chefes segundo o mundo; - procuraremos ser o mais humanamente presentes,
acolhedores...; - mostrar-nos-emos abertos a todos, seja qual for a sua
religião. (Cf. Mc 8,34s; At 6,1-7; 1 Tm 3,8-10)”. Os textos citados pelos
bispos assinantes do pacto são os que seguem: “Chamou, então, a multidão,
juntamente com os discípulos, e disse-lhes: ‘Se alguém quer vir após mim,
renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me’! Pois quem quiser salvar sua
vida a perderá; mas quem perder sua vida por causa de mim e do Evangelho, a
salvará”; “Naqueles dias, o número dos discípulos tinha aumentado, e os fiéis
de língua grega começaram a queixar-se dos fiéis de língua hebraica. Os de
língua grega diziam que suas viúvas eram deixadas de lado no atendimento
diário. Então os Doze apóstolos reuniram a multidão dos discípulos e disseram:
‘Não está certo que nós abandonemos a pregação da palavra de Deus para
servirmos às mesas. Portanto, irmãos, escolhei entre vós sete homens de boa
reputação, cheios do Espírito e de sabedoria, para que lhes confiemos essa
tarefa. Deste modo, nós poderemos dedicar-nos inteiramente à oração e ao
serviço da Palavra’. A proposta agradou a toda a multidão. Escolheram então
Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo; e também Filipe, Nicanor,
Tímon, Pármenas e Nicolau de Antioquia, um prosélito. Eles foram apresentados
aos apóstolos, que oraram e impuseram as mãos sobre eles. Entretanto, a palavra
de Deus crescia, e o número dos discípulos se multiplicava consideravelmente em
Jerusalém. Também um grande grupo de sacerdotes judeus aderiu à fé”; “Os
diáconos, igualmente, devem ser pessoas decentes, homens de palavra, não
viciados no vinho nem afeitos a lucros torpes. Saibam guardar o mistério da fé
graças a uma consciência pura. Será preciso, primeiro, examiná-los; depois,
caso não haja nada a censurar-lhes, é que assumirão as funções de diácono”.
Os
textos neotestamentários não poderiam ser mais claros. Os pastores do povo de
Deus necessitam estar dispostos a servir, e servir sempre, assim como Jesus
soube dar a vida pela causa do Reino do Pai. O testemunho dos pastores dava
condições para que o número dos discípulos crescesse cada vez mais. O que esse
item do Pacto das Catacumbas pretende renovar na Igreja pós-conciliar?
Partilhar
a vida
Os bispos entenderam muito bem que o ministério será
verdadeiro serviço se toda a vida deles for partilha de vida; caso contrário, o
ministério será, diríamos hoje, atividade profissional. Algo feito em vista do
salário e, que se sujeita a horário determinado. Esta nunca pode ser atitude do
pastor que serve verdadeiramente como o Bom Pastor. O que caracteriza a partilha
da vida é a caridade pastoral. Alguém até pode dar a vida por alguma causa, mas
a caridade pastoral vai muito além. Ela quer que ninguém se perca e, que os
“perdidos” sejam reencontrados e recuperados – salvos -, custe o que custar. A
caridade, por sua vez, não pede nada em troca; ela é gratuita.
A partilha da vida acontece com os “irmãos em Cristo”. Em
outras palavras isso quer dizer que é com todos aqueles pelos quais Cristo
derramou o seu sangue. Não resta dúvida, a partilha há de ser sem reservas.
Cristo deu a sua vida por cada ser humano, e, espera que os bispos façam a
mesma coisa. Contudo, como não poderiam deixar de fazer, tiverem presentes as
pessoas concretas de suas dioceses, os sacerdotes, os religiosos e toda a
multidão de leigos a eles cofiada. A partilha da vida, no entanto, não pode ser
sem estratégias. Por isso a necessidade de revisar sempre de novo com o povo a
vida que não pode ficar em propósitos bons, mas confrontada com as carências e
anseios das pessoas. Sem colaboradores bem formados e escolhidos para animar os
irmãos em Cristo poucos frutos serão colhidos. Mas estes últimos não podem ter
espírito mundano que, quando mais alto na hierarquia, tanto mais honrarias quer.
A palavra “colaboradores” o expressa bem: não são chefes, mas servidores. O
desejo de estar humanamente presentes e ser acolhedores aponta para o
compromisso de caminhar juntos. Os bispos têm consciência de não serem melhores
do que ninguém, mas que com todo o povo de Deus precisam de conversão contínua,
avançar no caminho do bem e, aprender com o povo simples as virtudes que aí se
escondem. A abertura às diversas religiões expressa a disposição para o
diálogo. A ninguém é permitido fechar as portas, e todos podem enriquecer a
experiência religiosa, quando é feita com humildade.
A proposta de partilhar a vida foi ousada. Como Cristo
mostraram-se dispostos a tomar a cruz de cada dia, como os apóstolos procuraram
estar cheios do Espírito Santo, e como os diáconos, pessoas cheios de fé.
Por
50 anos na América Latina
Alguém tenta segurar a Igreja – seus pastores – nas
sacristias! E o pior, alguns bispos, padres, religiosos e agentes de pastoral
gostaram da proteção da sacristia. Ir para as ruas é muito perigoso! Lá tem
muita violência, malícia e todo tipo de maldades: “a Igreja não pode se misturar
com essas coisas! Política? nem se fala. Onde é que se viu, agora até a Igreja
quer se meter em questões políticas e econômicas!”. Surgiram os padres dos shows, das novenas, das pregações
entusiastas etc. Apareceram muitos abastados dispostos a “contribuírem” com
obras sociais, com esmolas para os pobres, e outros tantos. Boa anestesia para
a consciência! Ainda mais quando os nomes constam nos relatórios das paróquias,
entre os contribuintes; quando são lembrados nas intenções das missas ou de
outras orações feitas nas comunidades. Tudo isso sempre existiu, existe, e
existirá. Na América Latina, nos 50 anos que sucederam ao Concílio Vaticano II,
não foi diferente.
Porém, quem tem olhos para ver, ouvidos para ouvir, e os
demais sentidos afinados, mormente os da mente e do coração, sabe muito bem que
outra face da Igreja, do episcopado, do clero e do povo de Deus (fiéis leigos),
brilhou e continua a brilhar no Brasil e na América Latina nesses 50 anos
posteriores ao Pacto das Catacumbas. Ninguém em sã consciência pode negar os
imensos avanços da Igreja para junto do povo pobre e oprimido – a grande
maioria -, que a Caminhada da Libertação proporcionou com sua insistência em
apontar, como teologia, para além de todas as realizações imediatas de
prosperidade e sucesso, ao Reino de Deus e de sua justiça. Pequenos grupos se
formaram onde a Igreja se fez experiência do Reino de Deus. Bispos, padres,
religiosos e leigos, todos juntos, compartilhando as dores e as alegrias,
lutando por mais vida, e celebrando, na fé e na esperança, a presença do Senhor
Ressuscitado. A inclusão dos descartados nas comunidades de periferia perturbou
aos poderosos deste mundo. Entre os poderosos perturbados também estão lobos
vestidos com peles de carneiros: são os que ainda insistem em ver os postos
hierárquicos como honras conquistadas e defendidos a unhas e dentes.
Para quem pensa que os propósitos dos bispos das
catacumbas foi apenas fogo de palha, que agora as coisas já voltaram para o
marasmo de sempre, queremos recordar as sábias palavras do nosso ilustre e
influente teólogo da libertação, Pe. Libânio – falecido há pouco – de que se
pode imaginar o movimento teológico da libertação como uma imensa estátua de
sal diante dos olhos da sociedade. Com o passar dos anos, o medo que essa
estátua provocava foi diminuindo, e aos poucos tentaram desmanchá-la, jogando
água contra ela. De fato, ela se diluiu. Sua cabeça mal aparece por cima das
águas que se espalharam por toda a superfície. Porém, puro engano! O sal da
estátua se diluiu, mas as águas o levaram para todas as valetas; seu sabor
atingiu os mais recônditos espaços ocupados pelos seres humanos que já não
contavam mais para a sociedade. Hoje já não se pode prescindir dessa certeza de
que todos lutam por seus direitos e aí daqueles que simplesmente passam por
cima dos outros, seja de quem for!
É bom lembrar que quanto mais os bispos e os chefes de
comunidades tiveram a coragem de se tornar animadores, presentes no dia a dia
da vida do povo, abertos ao diálogo, tanto mais os pobres, os indefesos e os
deserdados da vida tomaram consciência de sua dignidade. Retomaram sua voz para
também ter vez. A Igreja produziu muitos mártires nesses anos. Mártires da
luta, do serviço humilde e, principalmente da persistência teimosa em sonhar
com um mundo melhor, onde todos têm vez e voz. A Igreja estava e está com eles.
Melhor ainda, eles são a verdadeira Igreja de Cristo que, como Ele, não se
cansa de anunciar e implantar o Reino de Deus, seu Pai.
Puxada
de orelhas
Tudo o que é humano é limitado. Até os propósitos mais
santos e sérios. Não há dúvida de que também o compromisso assinado pelos
bispos do pacto vai aos poucos esmorecendo. É preciso que alguém os lembre
novamente do que se propuseram, e que faça isso com muita convicção, um puxar
de orelhas!
Muito se falou e se escreveu sobre a necessidade de
recuperar o espírito renovador do Vaticano II, mas para a surpresa de toda a
Igreja, o impacto causado pelo fenômeno Papa Francisco, não é apenas um puxar
de orelhas, mas verdadeiro sopro do Espírito, executado com autoridade, que
interpela a todos, primeiramente aos bispos e responsáveis pelas igrejas e
comunidades de todos os cantos da terra. Em seus discursos, Francisco não mede
as palavras para chamar a atenção dos líderes (bispos, padres etc.) para sua
real responsabilidade pelo rebanho de Cristo. Nada de honras, mas serviço!
Falando aos responsáveis pela escolha dos futuros bispos, Francisco lhes
adverte de que devem estar certos de que os nomes por eles apresentados foram
antes pronunciados pelo Senhor. Necessitam possuir tal garantia. Por isso, os
bispos eleitos precisam ser antes eleitos pelo Espírito Santo, e requeridos
pelo Povo Santo de Deus; devem ser pastores, não ‘para si’, mas para a Igreja,
para os outros, sobretudo para aqueles que, segundo o mundo, devem ser
descartados. Bispos que fiquem em suas dioceses e não andem viajando para
participar de ‘encontros e congressos’, pelo mundo todo. Bispos que saibam
oferecer a própria vida pela Igreja, não sozinhos, mas junto com ela. Que
saibam elevar-se à altura do olhar de Deus, para de lá guiar o povo. A Igreja
não precisa de bispos dirigentes, administradores de empresa, e muito menos de
alguém que está ao nível das deficiências ou pequenas pretensões das pessoas,
mas de alguém que olhe com a amplidão do coração de Deus. Todas as qualidades
humanas, intelectuais, culturais são importantes, contudo devem ser uma
declinação do testemunho central do Ressuscitado, subordinados a este
compromisso prioritário.
Boa puxada de orelhas! Talvez para alguns seja exagerado,
mas é sempre bom aproveitar a oportunidade para se renovar. Ao achar que está
tudo bem, as pessoas e as comunidades de acomodam. O verdadeiro discípulo de
Jesus de Nazaré não pode nunca estar “tranquilo”, mas sempre atento e ouvindo
continuamente as palavras do Divino Mestre: “Vai!”.
Que bispos, padres, religiosos e leigos, louvando a Deus
pelo jubileu de ouro do Concílio Vaticano II, e pela força inovadora derramada
sobre todos com a novidade do Papa Francisco, se renovem e deixem o Espírito
agir para que Ele renove a face da Terra.
Pe. Mário
Fernando Glaab
WWW.marioglaab.blogspot.com.br