sexta-feira, 11 de julho de 2014

Reflexão: Quem é culpado do sofrimento que nos atinge?

ESTÁ DEUS ME CASTIGANDO?

            Alguém, em tom desafiador, pergunta ao padre: “Estou doente, por quê? Eu sempre rezo, vou à Igreja e não faço mal para ninguém”. Pergunta nada fácil de responder, ainda mais quando a pessoa formou uma imagem de Deus, da fé e da sua Igreja que não tem relação com o Deus revelado por Jesus Cristo. Não adianta explicar, em tais casos, que a doença e o sofrimento são próprios do ser humano limitado, e que, quando unidos ao sofrimento de Jesus e de todos os irmãos sofredores, ele se torna redentor. A pessoa não vai entender nunca. Ela acha que, pelo fato de se considerar boa, merece alívio em seu sofrimento. A sua concepção de justiça o exige: “se Deus é bom, ele precisa me ajudar!”, então “por quê?”.
            Sem dúvida, a primeira resposta do padre vem também com uma pergunta: “O senhor já foi ao médico? E o que ele disse?” Como sempre, a resposta é positiva, mas com a justificativa de que já gastou muito com remédios e não se curou. “Já fiz novenas em honra de muitos santos; até em curandeiro já fui, mas nada ajuda! Agora quero saber do padre, por que isso? E se o padre pode me dar uma bênção”.
Essas histórias são comuns no cotidiano das atividades pastorais. E quando o padre pergunta se o fiel doente tem algum vício, se é fumante ou se ingere muito álcool, quase que automaticamente a pessoa, como que questionando a pregação de Jesus e da Igreja, assustada, interroga: “Mas, será que Deus está me castigando por isso? Eu fumo, bebo um pouco, mas não faço mal para ninguém; nunca deixo faltar comida para minha mulher e para meus filhos”.

E que Deus nós acreditamos?
            Pro trás desse diálogo, tão frequente entre fiéis e padres, percebe-se fé, mas fé em um deus que não é o Deus de Jesus Cristo, o Homem de Nazaré. Fé que foi se moldando, no decorrer dos anos, em um deus mesquinho, feito à nossa imagem e semelhança. Ele deve ser assim como nós o imaginamos, conforme os conceitos de justiça, de bondade ou mesmo de vingança que nós temos. A Igreja, caso quiser ser fiel ao seu Divino Mestre, precisa constantemente anunciar Deus que é Pai, isto é, que ama a todos os seus filhos e filhas, não porque eles são bons, mas porque Ele é bom. A bondade dele os torna bons! É ele que contempla os seus filhos e filhas e se compraz neles. Porém, para tal, a Igreja necessita voltar sempre para o rico ensinamento de Jesus. Jesus ensinou que Deus é justo por saber distribuir seu amor e sua misericórdia para com todos. Ele não pode ser fechado nos moldes de nossa justiça, de nossa bondade, e muito menos, de nossas inclinações para pagar o mal com o mal.
            Um grande teólogo do século XX dizia que, a partir de Jesus, ao nos referir a Deus, é melhor não chamá-lo diretamente, mas designá-lo como o “Mistério que costumamos chamar Deus” (K. Rahner). É, portanto, o “mistério insondável”. Não no sentido filosófico, mas no do amor infinito. Isto nos faz pensar sobre o que normalmente dele falamos, ou como nos relacionamos com ele. Talvez seja conveniente admitirmos que nós crentes, e sobretudo os eclesiásticos, falamos dele como se o tivéssemos visto e conhecêssemos perfeitamente seu modo de ver as coisas, de sentir e atuar. Isso leva ao pior: fechamos Deus em nosso esquema humano, até menos humano do que nós; pois nós lhe dizemos como deve proceder! Basta observar a grande maioria de nossas preces de petição. Elas dizem a Deus o que ele deve fazer!
            Para muitos, crer em Deus é crer em alguém que está fiscalizando os homens, anotando seus pecados e seus méritos, para no final, pagar a cada um segundo suas obras. Seria Deus assim tão desumano? Tão sem coração?! Lembremos que foi justamente esta visão errada de Deus que levou os líderes religiosos e políticos a se irritar e rejeitar Jesus. Não foi pelo seu rigor ou radicalidade, mas por anunciar um Deus “escandalosamente bom” que foi perseguido e morto. Basta ver a parábola do “Dono da Vinha” (Mt 20,1-16). É doloroso afirmar, mas também hoje, depois de 2.000 anos de cristianismo, provavelmente mais de um cristão se escandalizará ao ouvir falar de um Deus a quem o direito canônico não obriga, que pode doar sua graça sem passar por nenhum dos sete sacramentos e salvar, iclusive fora da Igreja, homens e mulheres que nós consideramos perdidos. Precisamos, como nos lembra bem o Papa Francisco, nos deixar surpreender por Deus, mesmo que até possa chegar a nos “escandalizar”.
            Não é, com toda certeza, Deus quem castiga o doente que vem procurar resposta com o padre. Deus só sabe amar, ele é só-amor. A dor e o sofrimento existem, e nem Deus, em Jesus Cristo, se furtou dessa experiência. Desafiador é explicar isso ao doente concreto, àquele que não consegue aceitar que suas limitações e seus vícios têm consequências diretas sobre sua vida. Pois, é muito mais fácil jogar a culpa em Deus do que assumir os desafios da vida, dos próprios pecados e da natureza que se cobra das agressões que nós lhe fazemos.

Resolve abençoar?
            Mas se é assim, resolve abençoar? Qual o valor da fé e da Igreja? É bom abençoar, é bom incentivar a fé e se sentir inserido na Igreja. Não devemos duvidar disso. Mas, ao abençoar, como Jesus o fazia, é preciso mostrar ao fiel que Deus o ama do jeito como ele é, que Deus conta com ele e o quer responsável pela sua vida e sua história. A fé e a participação na Igreja lhe dão a segurança de que não está sozinho. Ele é membro de uma imensa comunidade de irmãos, onde o próprio Deus se faz presente no amor experimentado sensivelmente.
            O ministro da Igreja, ao abençoar alguém que está passando por dificuldades, deve sempre lhe lembrar que Deus é Pai e perdoa incondicionalmente; os irmãos e irmãs, quando ofendidos, muitas vezes perdoam – outras não! -, mas que a natureza não perdoa nunca, ela segue suas leis e, quando essas são transgredidas ela se vinga. Aí podemos entender muitos sofrimentos que vêm em função dos vícios, das ganâncias, das explorações desordenadas ao meio ambiente, do desrespeito às leis de trânsito etc.
            E para concluir quero fazer minhas as palavras do teólogo Antonio Pagola: “Deus é bom para todos, que o mereçam ou não, sejam crentes ou sejam ateus. Sua bondade misteriosa ultrapassa todos os nossos cálculos e está além da fé dos crentes e do ateísmo dos incrédulos. Diante deste Deus, o único que cabe é o júbilo agradecido e a confiança absoluta em sua bondade” (Caminho aberto por Jesus – Mateus, p. 245).
Pe. Mário Fernando Glaab

WWW.marioglaab.blogspot.com

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