ESTÁ
DEUS ME CASTIGANDO?
Alguém, em tom desafiador, pergunta ao padre: “Estou
doente, por quê? Eu sempre rezo, vou à Igreja e não faço mal para ninguém”.
Pergunta nada fácil de responder, ainda mais quando a pessoa formou uma imagem
de Deus, da fé e da sua Igreja que não tem relação com o Deus revelado por
Jesus Cristo. Não adianta explicar, em tais casos, que a doença e o sofrimento
são próprios do ser humano limitado, e que, quando unidos ao sofrimento de
Jesus e de todos os irmãos sofredores, ele se torna redentor. A pessoa não vai
entender nunca. Ela acha que, pelo fato de se considerar boa, merece alívio em
seu sofrimento. A sua concepção de justiça o exige: “se Deus é bom, ele precisa
me ajudar!”, então “por quê?”.
Sem dúvida, a primeira resposta do padre vem também com
uma pergunta: “O senhor já foi ao médico? E o que ele disse?” Como sempre, a
resposta é positiva, mas com a justificativa de que já gastou muito com
remédios e não se curou. “Já fiz novenas em honra de muitos santos; até em
curandeiro já fui, mas nada ajuda! Agora quero saber do padre, por que isso? E
se o padre pode me dar uma bênção”.
Essas
histórias são comuns no cotidiano das atividades pastorais. E quando o padre
pergunta se o fiel doente tem algum vício, se é fumante ou se ingere muito
álcool, quase que automaticamente a pessoa, como que questionando a pregação de
Jesus e da Igreja, assustada, interroga: “Mas, será que Deus está me castigando
por isso? Eu fumo, bebo um pouco, mas não faço mal para ninguém; nunca deixo
faltar comida para minha mulher e para meus filhos”.
E
que Deus nós acreditamos?
Pro trás desse diálogo, tão frequente entre fiéis e
padres, percebe-se fé, mas fé em um deus que não é o Deus de Jesus Cristo, o
Homem de Nazaré. Fé que foi se moldando, no decorrer dos anos, em um deus
mesquinho, feito à nossa imagem e semelhança. Ele deve ser assim como nós o
imaginamos, conforme os conceitos de justiça, de bondade ou mesmo de vingança
que nós temos. A Igreja, caso quiser ser fiel ao seu Divino Mestre, precisa
constantemente anunciar Deus que é Pai, isto é, que ama a todos os seus filhos
e filhas, não porque eles são bons, mas porque Ele é bom. A bondade dele os
torna bons! É ele que contempla os seus filhos e filhas e se compraz neles.
Porém, para tal, a Igreja necessita voltar sempre para o rico ensinamento de
Jesus. Jesus ensinou que Deus é justo por saber distribuir seu amor e sua
misericórdia para com todos. Ele não pode ser fechado nos moldes de nossa
justiça, de nossa bondade, e muito menos, de nossas inclinações para pagar o
mal com o mal.
Um grande teólogo do século XX dizia que, a partir de
Jesus, ao nos referir a Deus, é melhor não chamá-lo diretamente, mas designá-lo
como o “Mistério que costumamos chamar Deus” (K. Rahner). É, portanto, o
“mistério insondável”. Não no sentido filosófico, mas no do amor infinito. Isto
nos faz pensar sobre o que normalmente dele falamos, ou como nos relacionamos
com ele. Talvez seja conveniente admitirmos que nós crentes, e sobretudo os
eclesiásticos, falamos dele como se o tivéssemos visto e conhecêssemos
perfeitamente seu modo de ver as coisas, de sentir e atuar. Isso leva ao pior:
fechamos Deus em nosso esquema humano, até menos humano do que nós; pois nós
lhe dizemos como deve proceder! Basta observar a grande maioria de nossas
preces de petição. Elas dizem a Deus o que ele deve fazer!
Para muitos, crer em Deus é crer em alguém que está
fiscalizando os homens, anotando seus pecados e seus méritos, para no final,
pagar a cada um segundo suas obras. Seria Deus assim tão desumano? Tão sem
coração?! Lembremos que foi justamente esta visão errada de Deus que levou os
líderes religiosos e políticos a se irritar e rejeitar Jesus. Não foi pelo seu
rigor ou radicalidade, mas por anunciar um Deus “escandalosamente bom” que foi
perseguido e morto. Basta ver a parábola do “Dono da Vinha” (Mt 20,1-16). É
doloroso afirmar, mas também hoje, depois de 2.000 anos de cristianismo,
provavelmente mais de um cristão se escandalizará ao ouvir falar de um Deus a
quem o direito canônico não obriga, que pode doar sua graça sem passar por
nenhum dos sete sacramentos e salvar, iclusive fora da Igreja, homens e
mulheres que nós consideramos perdidos. Precisamos, como nos lembra bem o Papa
Francisco, nos deixar surpreender por Deus, mesmo que até possa chegar a nos
“escandalizar”.
Não é, com toda certeza, Deus quem castiga o doente que
vem procurar resposta com o padre. Deus só sabe amar, ele é só-amor. A dor e o
sofrimento existem, e nem Deus, em Jesus Cristo, se furtou dessa experiência. Desafiador
é explicar isso ao doente concreto, àquele que não consegue aceitar que suas
limitações e seus vícios têm consequências diretas sobre sua vida. Pois, é
muito mais fácil jogar a culpa em Deus do que assumir os desafios da vida, dos
próprios pecados e da natureza que se cobra das agressões que nós lhe fazemos.
Resolve
abençoar?
Mas se é assim, resolve abençoar? Qual o valor da fé e da
Igreja? É bom abençoar, é bom incentivar a fé e se sentir inserido na Igreja.
Não devemos duvidar disso. Mas, ao abençoar, como Jesus o fazia, é preciso mostrar
ao fiel que Deus o ama do jeito como ele é, que Deus conta com ele e o quer
responsável pela sua vida e sua história. A fé e a participação na Igreja lhe
dão a segurança de que não está sozinho. Ele é membro de uma imensa comunidade
de irmãos, onde o próprio Deus se faz presente no amor experimentado
sensivelmente.
O ministro da Igreja, ao abençoar alguém que está
passando por dificuldades, deve sempre lhe lembrar que Deus é Pai e perdoa
incondicionalmente; os irmãos e irmãs, quando ofendidos, muitas vezes perdoam –
outras não! -, mas que a natureza não perdoa nunca, ela segue suas leis e,
quando essas são transgredidas ela se vinga. Aí podemos entender muitos
sofrimentos que vêm em função dos vícios, das ganâncias, das explorações
desordenadas ao meio ambiente, do desrespeito às leis de trânsito etc.
E para concluir quero fazer minhas as palavras do teólogo
Antonio Pagola: “Deus é bom para todos, que o mereçam ou não, sejam crentes ou
sejam ateus. Sua bondade misteriosa ultrapassa todos os nossos cálculos e está
além da fé dos crentes e do ateísmo dos incrédulos. Diante deste Deus, o único
que cabe é o júbilo agradecido e a confiança absoluta em sua bondade” (Caminho
aberto por Jesus – Mateus, p. 245).
Pe. Mário
Fernando Glaab
WWW.marioglaab.blogspot.com
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