sábado, 2 de agosto de 2014

Análise da conjuntura eclesial e social

Amigos: encontrei uma análise muito interessante sobre a situação atual da Igreja e da sociedade (melhor, o amigo Agenor Brighenti ma indicou). É de um colega do Pe. Agenor da PUC SP, Pe. Manzatto. O texto é extenso, mas vale a pena lê-lo. Com certeza fará pensar, e, talvez despertará também a nós do torpor que não deixa o Espírito agir. Boa leitura: Pe. Mário Glaab



Esperanças e Impasses na vida do presbítero
 Pe. Manzatto
Introdução
Falar do papa é falar da igreja, o que é sempre complicado. Se for para defendê-la e falar do bem que ela faz, parece que se faz apologética barata, esquecendo seus pecados e defeitos. Se for para criticá-la, parece que a gente se coloca como seu adversário, coisa que não é boa de ser feita por filhos queridos. Falar da igreja é um pouco (ou muito) como falar da mãe. A gente conhece seus defeitos, mas a gente a ama e não quer que ninguém a critique.

É preciso contextualizar a reflexão no novo horizonte aberto pelo pontificado de Francisco, o que é ainda mais problemático. No decorrer do processo histórico fica difícil fazer uma análise que, sem dúvida, será mais bem conduzida no final do processo. Enquanto acontecem as coisas, é difícil ter a serenidade e o distanciamento para uma análise em profundidade. Muitas vezes o discurso pode assumir um tom de ressentimento, outras vezes de cega confiança. Guardar o espírito crítico é um desafio.

Não raro, quando o rigor da crítica exige que se diga uma palavra sobre a situação eclesial, o medo aparece, pois ameaças se desenham de todos os lados. Quase guardando certas semelhanças com o período que, lembramos bem, aqui se dizia: Brasil, ame-o ou deixe-o. Não se pode, absolutamente, pensar o mesmo sobre a igreja.

Fatos da Vida
O método ver-julgar-agir nos ensinou que é preciso, sempre, partir da vida concreta das pessoas para que as reuniões, celebrações e formações tenham relação com a vida e possam iluminá-la. Pois bem, então, façamos uma tentativa de “leitura da conjuntura eclesial”, que não quer absolutamente ser completa, olhando para a vida da gente para detectar alguns impasses e, quem sabe, algumas esperanças na vida dos presbíteros.

Memória
Conhecemos um tempo em que nossa igreja, parecia outra. Mais juvenil, talvez mais ingênua, mas cheia de promessas e esperanças. Conhecemos um tempo em que éramos levados a participar, em todos os níveis, das atividades eclesiais. Um tempo em que, se dizia, a igreja havia assumido o lugar dos pobres, havia mudado de lado e se colocava de par com os necessitados e oprimidos. Um tempo em que se dizia que a igreja era lugar de comunhão e participação e que o mais importante era formar comunidades. Participamos da vida da igreja que falava para a cidade epara o país, que estabelecia planos de pastoral com prioridades e clamores que repercutiam na vidada sociedade. Havia mesmo certo orgulho em dizer que se pertencia a uma igreja cuja característica essencial era a afirmação da unidade em torno do compromisso comunitário de construir uma sociedade de justiça e fraternidade. É difícil não se lembrar da prioridade à periferia, ao mundo do trabalho, aos direitos humanos e às comunidades de base. Tempos em que todos dividiam as responsabilidades pela vida das comunidades, dos setores e regiões, em assembleias participativas que davam a tonalidade da forma de ser igreja e afirmavam a direção a seguir. Conhecemos o tempo da pastoral engajada, da espiritualidade encarnada, da teologia comprometida e do “novo jeito de ser igreja”.

Animavam-se as lideranças, sobretudo as leigas, na busca de participação social; a igreja havia reencontrado seu povo, o Povo de Deus, lá onde ele estava: nos movimentos sociais, nos sindicatos, na militância política, onde o que se buscava era o desenho de uma sociedade fraterna e sem exclusões. Padres e bispos se faziam próximos da vida das pessoas, religiosos e religiosas encontravam sentido em uma inserção pastoral desinibida, comungavam-se ministérios, multiplicavam-se espaços de formação, a ação pastoral era vista como essencial à vida do cristão, tanto que se tornou caminho de uma reflexão teológica própria da América Latina, a teologia da libertação, cuja base era exatamente a prática dos cristãos, e que foi alimentada pelo sangue de tantos mártires da caminhada. Falava-se, então, de ortopráxis, da realidade circundante que precisava ser compreendida, do método ver-julgar-agir, da contemplação na ação e da busca de transformação social. Éramos tão conscientes da realidade latino-americana que até em espanhol nós cantávamos nas celebrações. Sim, eram tempos bons, mas também era tempo de perseguição política, do custo de vida excessivamente alto, de desemprego e de escassez de todo tipo. No interior da igreja havia problemas, também ali se percebiam perseguições, processos, condenações. Tais inquietações e problemas se transformaram em linhas políticas de atuação que foram sendo colocadas em prática e às quais assistimos meio que impotentes, meio que paralisados.

As mudanças
Não se sabe exatamente quando as coisas começaram a mudar, mas sabe-se que mudaram. Algumas coisas mudaram para melhor, outras nem tanto. Não vamos fazer elenco de mudanças, mas perceber que algumas coisas que aconteceram, ajudam a compreender nossa situação eclesial atual. Todos nos lembramos do ano de 1989. Completava-se uma década da Conferência de Puebla e mudanças se anunciavam no Brasil, na igreja e no mundo. Naquele ano caiu o Muro de Berlim e iniciou-se a derrocada do regime marxista soviético que havia se imposto sobre metade da Europa. O fim do “comunismo real” significou, para alguns, a vitória do capitalismo que, então, passou a ser a única opção de modelo político e econômico existente no mundo; não havia mais sentido, diziam, em se fazer críticas ao capitalismo, como fazia a teologia da libertação, porque não havia outro regime possível, não havia opção. Falava-se de nova ordem mundial, com todos os países se orquestrando em torno dos centros econômicos liberais. Os discursos de oposição já não existiam, nem tinham direito de serem realizados. As consequências dali para cá, todos conhecemos, com o crescimento das empresas financeiras, a implantação de uma economia mundial baseada no mundo das finanças, a globalização cultural, o neoliberalismo e seus desdobramentos todos.

Em nosso ambiente eclesial, fomos sacudidos em 89 pela divisão da Arquidiocese de São Paulo. O nascimento de novas dioceses, que não precisa ser necessariamente ruim, dividiu a igreja na cidade porque terminou com a possibilidade de uma pastoral comum e impediu a expressão de uma voz eclesial para a cidade. O que caracterizava aquela igreja, sua participação e compromisso de unidade, foi se quebrando aos poucos com iniciativas diferentes, posições e atitudes de força e a organização de outras formas de configuração eclesial e organização pastoral. Pouco a pouco vimos a igreja se recentrar sobre o clero, sobre o jurídico e suas estruturas, de maneira que os espaços de participação foram desaparecendo. Assistimos, na maior parte das vezes de maneira passiva, surpresa e desorientada, como as mudanças iam sendo introduzidas e como quase não havia reação a estas mudanças. As consequências disso, de lá para cá, todos também conhecemos, como a entrada em cena dos novos movimentos eclesiais, a “cultualização” dos ministérios, a elitização da coordenação eclesial, a diminuição da participação religiosa e da presença da igreja nos meios de comunicação, com tudo que isso pode significar.
No Brasil, 89 foi o ano do “quase”. A eleição presidencial foi vencida pelos liberais depois de uma campanha eleitoral vergonhosa. Em 88 a prefeitura de São Paulo foi assumida por partidos de esquerda, e não se queria, absolutamente, que o mesmo se passasse com o país. Jogou-se violentamente naquela época para que o resultado da eleição fosse a vitória dos conservadores. E deu no que deu. O país viu-se mergulhado em tamanha crise institucional e econômica que, alguns anos depois, quase não havia mais saída. Mas depois disso o país como que deu a volta por cima e encontrou saídas diferentes das propostas pelos meios e mecanismos neoliberais e hoje se encontra melhor do que aqueles países que assumiram a receita dos conservadores. De lá pra cá não vivemos no céu, mas algo mudou. E se ainda vivemos às voltas com corrupção e violência política, por outro lado reconhece-se o desenvolvimento econômico do país e alguns ensaios de redistribuição de renda. Se deu errado no começo mas conseguimos arrumar um pouco as coisas no país, quem sabe não conseguimos o mesmo com relação à igreja e ao mundo?

Compreendendo as mudanças
- As mudanças eclesiais e eclesiásticas que mais nos afetam talvez tenham começado por cima. Nós, católicos, somos sempre dóceis aos nossos pastores. Nós, padres, dóceis aos nossos bispos. Em certo sentido, mudaram os pastores, então mudou a igreja. Muito se comentou, e ainda se comenta, em horizontes os mais diversos, sobre as opções políticas das nomeações episcopais elaboradas pelo Vaticano. Já há muitos anos o perfil contempla pessoas comprometidas com a estrutura eclesiástica estabelecida e de tendências mais conservadoras em termos, ao menos, eclesiológicos. Isso não significa que sejam más pessoas ou que não tenham valor. Também não se diz que em todos os casos tal procedimento se verifica; há também espaço para o mais ou menos e, inclusive, para conversões. Mas é uma linha política que, mais que uma tendência, se concretiza de forma decidida.

Assim, tornou-se comum vermos os bispos dos tempos da “teologia da libertação” serem substituídos por outros mais conservadores; estes, no mais das vezes, pareciam ter como preocupação, própria ou exigida, a desarticulação do trabalho do predecessor. Alguns, claramente, tiveram atitudes que iam frontalmente contra o que até então se fazia; outros decidiram apoiar iniciativas ou posições diferentes das que existiam, para ver se desapareciam no final de algum tempo. No mais das vezes, desapareceram mesmo. Desde então, a figura episcopal passou a ser mais jurídica e administrativa, inclusive pastoralmente, do que paternal e pastoral como era antes. Em alguns casos o bispo distanciou-se tanto de seu povo que este não sabe mais quem é o bispo do lugar.

- Ligada a isso, coloca-se a questão da formação presbiteral. O modelo de formação mudou porque o perfil buscado no padre também mudou; quer-se um padre de outro jeito, por isso se o forma em outros padrões. Já não se trata de organizar pequenas comunidades inseridas na pastoral, mas sim grandes seminários onde os princípios formativos possam tornar-se evidentes. A própria ação pastoral dos seminaristas transformou-se, assim como mudou seu lugar na proposta formativa: de eixo estruturador da formação, passou como que a detalhe, uma vez que a espiritualidade individual, muitas vezes próxima a movimentos conservadores, tornou-se como que o eixo estruturador do processo formativo. Formam-se menos pastores e mais sacerdotes, isto é, os padres estão mais preocupados com a pureza de certa ritualidade litúrgica nas celebrações do que com uma presença pastoral mais significativa junto a suas comunidades. Além disso, o cuidado com o jurídico e com as normas passa a ser de rigor, de maneira que as vestes, os gestos e o comportamento pastoral deve seguir o que é estritamente canônico. O que não está escrito não é obrigatório, e a caridade pastoral não preside a ação do pastor. As repercussões pastorais são inevitáveis.

- A primeira delas a enfocar, talvez, seja a percepção da ausência de efetivos planos de pastoral. Tais planos, quando aparecem, tem a qualidade de apresentar propostas e linhas genéricas de ação, mas não descem ao específico de sua concretização, e por isso permanecem, no mais das vezes, como afirmações de boas intenções. As próprias Diretrizes Gerais da CNBB assumem, um pouco, esta característica de enunciados bastante genéricos para que, por um lado, recubram boa parte da ação eclesial, e por outro, não se tornem como que camisas de força para as igrejas locais. Mas com isso acabam não servindo como orientação estrutural para a ação da igreja. A falta de planejamento é como que dissimulada pelo aparecimento de anos temáticos. A cada ano afirma-se um novo tema, normalmente ligado ao intraeclesial e a sua estrutura jurídica. Ano sacerdotal, ano paulino, ano da fé, ano dos leigos, etc. A mudança de assunto a cada ano faz supor que não há nada a alterar na pastoral, as coisas funcionam e, por isso, basta um tema para “animar” a vida das comunidades. O que faz falta é a clareza de objetivos a que tende cada ação e, depois, o seu conjunto. Uma pastoral orgânica fica comprometida, a igreja local perde seu rosto e sua especificidade. O terreno da ação pastoral fica vazio e será, então, facilmente ocupado pelos diferentes novos movimentos eclesiais; a falta de identidade da igreja local dará espaço para que a igreja universal apareça como referência; e o discurso de autoridade, inclusive jurídica, tomará destaque, com não poucas manifestações de poder e mando. Se não há planos discutidos, assumidos e concretizados, a autoridade impõe, a cada momento, sua visão, e o espaço deixado vago será preenchido pelos movimentos de estrutura supradiocesana.

- Os espaços de participação serão cada vez menores, exatamente pela afirmação da força da autoridade. Vivemos numa cultura onde os espaços participativos diminuem e as pessoas, pensando decidir em liberdade, acabam abrindo mão de sua participação. Isso corresponde bem ao individualismo que vivemos, onde encontrar-se com os outros e fazer juntos parece perda de tempo. Todos perguntam “quanto vão ganhar” ao participarem, e chegamos ao absurdo de concordarmos que só deve votar quem quiser. Pois bem, assistimos igual desenvolvimento no âmbito eclesial. Os mecanismos de participação, onde ainda existem, perdem sua importância e seu papel. Os conselhos de pastoral tornam-se lugares de avisos ou onde a autoridade diz o que quer que seja feito. As assembleias tornam-se momentos de elaboração de calendário ou de escuta do discurso do chefe, pois é ele quem decide. Quando se possibilita certa participação, será proforma, uma vez que as decisões já estão tomadas. Isto traz consequências à forma de se compreender a igreja, pois ela se recentra na autoridade hierárquica ao invés de se apoiar no Povo de Deus. Com isso vemos reaparecerem comportamentos que visam estabelecer bem claramente que a hierarquia é preponderante, com sua consequente clericalização. A ideia de igreja como comunidade cede lugar à perspectiva de comunhão como obediência. Aqui, o pecado será o de ser crítico, pois o comum será aceitar a imposição do modelo que retoma comportamentos pré-conciliares. As vestes são só um exemplo disso, uma vez que vemos estes aspectos atuando mais nitidamente nos comportamentos de mando e decisão, nas referências canônicas, nas perguntas “pode ou não pode”, inclusive na liturgia, sem que se pergunte qual o seu sentido, por exemplo. A base parece ser a desvinculação da eclesiologia do Povo de Deus, e as celebrações de 50 anos do Vaticano II correm o risco de enterrá-lo.

- Em termos de características da igreja latino-americana, chama à atenção a separação introduzida entre o religioso e o social. Passamos muitos anos juntando fé e vida, e agora tais realidades são separadas com a maior facilidade. Muitas comunidades já não desenvolvem serviços sociais, sejam aqueles destinados à juventude, à infância ou à solidariedade. Creches, Osens, alfabetização, assistência, são realidades que encontramos em poucos lugares. A maior parte não os inclui em suas preocupações pastorais, mais voltadas para a catequese e a liturgia. Faltam inclusive lideranças nestes trabalhos, pois, decepcionados, muitos abandonaram o barco. É comum ouvir que os padres devem celebrar a liturgia, e não se ocupar com estas questões sociais, que são obrigação governamental. Que seja obrigação do governo estamos de acordo, mas o pastor deverá ser capaz de reunir e articular seu rebanho para que seus direitos sejam respeitados, inclusive exigindo que o governo cumpra sua parte. Não basta esperar. O testemunho da caridade continua sendo a principal característica cristã, mesmo se não é seu monopólio. Interessante, neste sentido, perceber como desapareceu do horizonte de muitos católicos o costume de levar mantimentos para serem ofertados na missa; poucos se lembram disso, em poucos lugares, normalmente entre os mais pobres. O correspondente disso é a grande ausência da igreja nos movimentos populares. Que estes tenham diminuído, também é um fato, decorrência da falta de mecanismos de participação. Mas quase não há igreja nos movimentos populares e, quando há, sua presença não é institucional, mas sim devida ao heroísmo de alguns. E não é apenas decepção com a política nacional, é descaso puro e simples ou, mais grave ainda, uma opção deliberada. Separando-se a fé da existência concreta de cada dia e de suas consequências políticas, abre-se o caminho para o individualismo religioso e as buscas próprias da burguesia.

- Que nossa sociedade privilegia a aparência, também sabemos. Compramos muita coisa pela embalagem e assistimos programas de televisão “bonitos”, mesmo que o conteúdo seja sem valor. Continuamos preferindo que “por fora seja uma bela viola”, mesmo se “por dentro temos pão bolorento”. Assim também, vivemos uma religiosidade da aparência. Assumem importância as cores litúrgicas e o ritual, pois é bonito, ainda que nem sempre seja significativo. Temos mesmo excesso de ministros no altar e celebrações na televisão que são autêntico espetáculo. Até falamos em “showmissa”, e quando se convida o povo para participar de alguma festa, diz-se que tal padre ou bispo estará abrilhantando a festa; convites do tipo “venha participar, missa com padre fulano” virou rotina. Donde a atenção às vestes, gestos e ritos exteriores, muito mais que ao interior, o que permite, então, comportamentos pouco cristãos no trato com os outros. Ao lado disso, alimenta-se a busca de uma religião que dê “paz e tranquilidade”, bem ao gosto da classe média; multiplicam-se textos e encontros de autoajuda, de superação da depressão, anuncia-se a solução de problemas familiares e a conquista de bens materiais, tudo como que por encanto, de maneira mágica, sem que os desdobramentos sócio-políticos do comportamento religioso sejam afirmados. O próprio processo de evangelização parece resumir-se, na compreensão de uns tantos, na simples afirmação da fé e proclamação da Palavra, já que ela deverá fazer o restante como se nossa ação não fosse necessária ao desenvolvimento da evangelização. Preocupamo-nos com a fachada, literalmente, e esquecemo-nos da referência fundamental a Jesus e sua proclamação do Reino de Deus.

- Isto conduz a uma espiritualidade sem atenção à encarnação, vivida segundo as preferências pessoais e desenhada sem maiores referências à história ou mesmo a Jesus. Preocupam-se com o cumprimento de ritos e a obediência a normas morais, sobretudo de moral sexual; o pecado volta a ser uma questão individual apenas, e a confissão como que uma “purificação ritual” sem necessidade de conversão. Buscam-se comportamentos antigos em matéria de espiritualidade como se fossem comportamentos “de sempre”; volta-se ao latim, às relíquias, às indulgências, aos milagres, ao sobrenatural como se o contexto onde vivemos e a vida de cada dia não contassem ou não tivessem importância para a prática religiosa. A história de Jesus e de seu combate pelo Reino fica esquecida, bastando com que se cumpram virtudes. Tal comportamento religioso é valorizado pelos meios de comunicação católicos que penetram em todas as casas e acabam condicionando a prática pastoral de nossas igrejas. Os diretores de televisão, hoje, são como que coordenadores da pastoral nacional, dão o tom sobre o que se deve pensar e fazer em termos religiosos. A religiosidade popular como momento de resistência e libertação não será incentivada, mas sim práticas a ela ligadas poderão ser realizadas, mesmo se alienantes.

- No meio disso, aparecem os novos movimentos eclesiais, com suas propostas específicas de espiritualidade e suas estruturas que se colocam por sobre a igreja local. Em termos eclesiológicos, os movimentos não se constituem como igreja particular, ainda que haja ministros ordenados que dele façam parte. Sua virtude é apresentar uma proposta de espiritualidade possível para o mundo dos leigos, que não são monges. Esta seria, na verdade, uma das atribuições da igreja local, e nisso os movimentos poderiam ajudá-la. Diferentemente disto, eles se colocam como estruturas supradiocesanas, sem referência, no mais das vezes, à diocese e, por isso, devendo afirmar sua pertença à igreja universal. Isto se junta bem à vontade da autoridade de afirmar-se como referência única, com todos devendo aceita-la, promovê-la e defende-la. Entende-se porque os movimentos gozam de tanto prestígio. Sempre na igreja houve coexistência de diversas linhas de espiritualidade, e isto não é ruim. Neste sentido os movimentos podem existir atualmente; mas sempre a espiritualidade esteve ligada à igreja local e ao testemunho da caridade, coisa que os movimentos atuais não enfatizam. Disseram-nos que eles responderiam à necessidade de espiritualidade dos católicos, já que a teologia da libertação não tinha espiritualidade, pois era apenas compromisso social, e por isso os cristãos estavam abandonando a igreja. À parte o lado ideológico mesquinho de tal afirmação e o desconhecimento do testemunho martirial de tantos na América Latina, não se deve desconhecer que os cristãos continuam abandonando a igreja, ela que está entregue à hegemonia dos movimentos há muitos anos. É preciso que as coisas sejam ditas.

- As autoridades da igreja estão, há muito tempo, preocupadas com o abandono de práticas religiosas por parte dos cristãos, especificamente dos católicos. Temos menos gente presente em nossas celebrações e na vida sacramental; na Europa, a participação em celebrações chega a ser ridícula em diversos países. A autoridade central mostra viva preocupação com isto e repete, à saciedade, que a Europa deve reencontrar sua identidade católica. Por outro lado, existe a compreensão que, talvez, o catolicismo ali não volte a ser de massas, e disto também nós não estamos livres. Surge, então, a preocupação não exatamente com o número de católicos, mas com sua qualidade. Tal tem sido a forma de se interpretar os pontificados anteriores. Os católicos, se são poucos, devem ser bons. Mas o que é ser um bom católico? A referência antiga correspondia à vivência sacramental e à prática de virtudes definida como importante pela burguesia. Daí que hoje se pensa, mais ou menos, da mesma maneira, e com isso não são todos os católicos que podem ser bons. Há uma elitização do “ser católico”, que corresponde bem à prática de uma religião de aparência, de bem-estar, distante do social, com diversos movimentos propondo caminhos e satisfazendo os desejos estéticos de grupos refinados. Tal processo de elitização relaciona-se com a aliança reestabelecida entre a igreja e a burguesia. Quando se falava da “igreja dos pobres” eles reclamavam; agora o procedimento visa afirmar os valores e a forma de vida da burguesia, as classes primeiras e influentes da sociedade, de quem, desde a oficialização do cristianismo pelo Império Romano, a igreja esteve próxima.

- Enfocamos uma espécie de projeto de neocristandade. O mundo precisa ouvir o que a igreja tem a dizer porque é ela quem conhece o que é melhor para todos. Sobretudo em termos de moral individual. Tal projeto dá à igreja ares de superioridade diante do mundo, inclusive em certa arrogância. O diálogo torna-se impossível e não se presta mais atenção aos “sinais dos tempos” e ao que a cultura atual pode trazer como avanço para a humanidade. Nem será preciso dizer que o diálogo ecumênico e inter-religioso permanecerá esquecido e será evitado em tal quadro. Como dialogar com quem tem a verdade toda inteira? A ideia é exatamente esta, de posse da verdade, da única verdade e de uma única maneira de chegar até ela. O controle do mundo e das consciências está nas mãos da igreja; só ela sabe, só ela tem as chaves, tudo e todos são como que guiados por ela, pois são infantis. Tal postura é incentivada pelos detentores do poder que acabam, em retorno, por controlar também o poder na igreja. Não é à toa que vemos, saídos das páginas da história, posturas, rituais e vestimentas próprias dos tempos da monarquia. É a aliança restabelecida com a nobreza.

Ouvir o que Deus fala
Aprendemos que para ouvir aquilo que Deus espera de nós é preciso olhar para o chão da vida. Olhando a realidade da igreja a partir de cima ficamos decepcionados. Preocupando-nos com o poder, a hierarquia, a carreira e o mando, parece que tudo anda pelo avesso. Todos os trabalhos aos quais consagramos grande parte de nossos esforços e talentos parecem perdidos. Política eclesiástica, classes dominantes, abuso da autoridade, parece que tudo fica sem sentido. E muitos pensam assim, e por isso abandonam a igreja indo procurar sentido para suas vidas e para sua ação em outros horizontes, notadamente o político. Muitas de nossas lideranças, as que não foram massacradas, estão silenciadas ou fora do ambiente eclesial. Nem sempre as novas lideranças se deram ao trabalho de buscar congregar na unidade. O desânimo toma conta de muitos, porque opor-se a isso, sobretudo ao rolo compressor da ideologia transmitida pelos meios de comunicação, também os católicos, parece com malhar em ferro frio ou, pior, lutar contra o aguilhão. Do desânimo ao abandono, ao não fazer caso, ao se calar e assistir, simplesmente, o que se passa, parece ser um pequeno passo. Aqui nossos impasses. Até porque na vida ministerial isso tem o efeito de deixar tudo à vontade e liberdade de cada um. É como que cada um fazendo o que lhe parece melhor, sem que haja necessidade de uma unidade maior.

Acontece que não reconhecemos nesta igreja aquela que é seguidora de Jesus. Discriminação, elitização, abuso de poder, juridicismo, legalismo e ritualismo parecem ser coisas que o Evangelho não aprova. Como podem se instalar em ambiente eclesial? Como podemos viver dilacerados por concorrências e ideologias antagônicas, nós que deveríamos ser sal da terra e luz do mundo? “Entre vós não deve ser assim”, diz o evangelho. Mas tais problemas nos afligem se olhamos a igreja a partir de cima. E este é um erro do qual tentamos nos livrar faz tempo. Se a história é escrita pelos vencedores, há também movimentos de resistência, aprendemos isto. Olhar a igreja a partir do papa, dos bispos e dos padres, de sua estrutura e jurisdição, é olhá-la a partir de cima, e talvez gastemos tempo demais com isso. Aprendemos que as mudanças realmente libertadoras acontecem de baixo para cima, e é desta maneira que precisamos olhar a história e a realidade presente, de baixo para cima, porque é ali que age o Espírito daquele que se encarnou “assumindo a forma de servo”.

Olhar a igreja a partir de baixo nos dá outro alento e outra impressão. Quase que nos traz esperança. Reencontramos a vida do povo e sua fé simples sendo proclamada nos lugares os mais diversos. Respiramos outro ar, aquele que balançou as estruturas no Concílio Vaticano II, vento que sopra onde quer e renova todas as coisas. É então que vemos o Menino nascer na gruta e ser colocado na manjedoura; ele não nasceu nas igrejas ou nos palácios, nem foi colocado, recém-nascido, nos altares ou nos berços esplêndidos.

Percebemos, então, que muito se faz e muito se está fazendo. Se houve mudanças na sociedade e na política do país, muito disso se deveu ao nosso trabalho e ao esforço da teologia da libertação. Politicamente nossos países latino-americanos evoluíram por conta disso. Não foram os grandes que nos deram mudanças, fomos nós que as conseguimos. Depois de tais transformações, não é que a teologia da libertação precisou mudar, ela pôde mudar, exatamente porque o contexto é outro. Assim, a reflexão teológica de marca e característica latino-americana, a teologia da libertação, ainda existe e ainda tem significação lá onde continuam a existir práticas de libertação. Ela é uma teologia que se faz a partir da prática; onde não há práticas de libertação, ela não pode existir. Modificaram-se práticas eclesiais, portanto, antes da teologia. Mas em tantos lugares, no meio dos pobres e do povo simples, ainda continua a existir esta preocupação com a ação dos cristãos que visa a libertação e a transformação do mundo, e portanto tal teologia continua existindo e continua importante.

Se olhamos a história a partir de baixo, percebemos que os movimentos sociais continuam ativos, mesmo se a mídia não fala deles; talvez estejam mais bem organizados agora, próximos de ONGs e outras organizações e não precisem tanto da estrutura da igreja. Mas ela está lá presente na figura de leigos que assumem suas responsabilidades ministeriais, de teimosos agentes de pastoral que permanecem em seus trabalhos realizados com total dedicação. Tais movimentos não são simplesmente reivindicativos, mas sobretudo propositivos, o que configura uma mudança substancial e importante que certos setores não percebem, pois preferem olhar para o passado. O Espírito continua soprando onde quer, criando esperança e possibilidades de um mundo novo. Tais movimentos se articulam a outros em níveis mais globais, se fazendo presentes nos diversos Fóruns Sociais e Mundiais. Proclamam, fundamentalmente, a possibilidade de um novo mundo em sua organização política e econômica, que dê atenção às reais necessidades de todos os povos, sobretudo os mais necessitados, e não se prenda apenas aos desejos dos países ricos e desenvolvidos.

A consciência ecológica se faz mais e mais presente, na sociedade e na igreja. Uma nova compreensão da teologia da criação faz com que se perceba que o sistema que destrói a natureza é o mesmo que gera pobres, e que a luta pela preservação da vida passa pelos movimentos de defesa da vida dos pobres. Mais além que preocupações restritas ao aborto e eutanásia, tais movimentos proclamam e propõem uma nova forma de organizar o mundo e a sociedade, preocupam-se com a cultura, a educação, os serviços de saúde, defendendo a vida em todos os seus estágios e manifestações. A proposta de Jesus de partilha em vista do Reino não está tão distante disto!

Em termos mais propriamente eclesiais, a confirmação de uma teologia com rosto latino-americano não é sem importância; depois de tantos anos de sofrimento, mal-entendidos e perseguições, ela continua dando seus frutos. Por outro lado, em diversos lugares, cresce a insatisfação com os rumos da vivência eclesial e manifestações de discordância e protesto se fazem ouvir. Profissionais da teologia, pastores e líderes religiosos já manifestaram suas preocupações; em diversos países tais movimentos assumem proporções importantes e congregam não apenas ilustrados ou clérigos, mas todo o povo cristão. Estas manifestações mostram que a retomada de poder pelas classes dominantes não se faz sem problemas.

Mais próximos de nós, percebemos a fidelidade de tantos e tantas que compreenderam a proposta de Jesus e continuam vivendo em sua referência. Se muitos abandonaram o barco ou mudaram de posição, outros tantos permanecem fiéis, ainda que com pouco destaque. São quase como o “pequeno resto de Israel”. Por outro lado, percebemos também, e ainda, a força de resistência e transformação latente nos comportamentos de religiosidade popular. Nem sempre se conseguiu que eles se tornassem alienantes. Muitos de tais comportamentos ainda guardam sua força de fermento de mundo novo. Ainda vemos nossas comunidades repletas de pobres em busca de solidariedade e de proximidade com Deus. Dizem alguns que a igreja optou pelos pobres e os pobres optaram pelas seitas, como se fosse necessário uma retribuição por parte deles ou, pior, como se a opção pelos pobres fosse estratégia para encher igrejas. Em muitos e tantos lugares a igreja permanece como lugar de acolhimento e de construção da unidade; há situações em que a comunidade eclesial é o lugar onde o povo se encontra e se reúne.

Muitos não abandonaram os compromissos e serviços sociais, recusando-se a ver a igreja como simples lugar de cumprimento de obrigações devocionais. Serviços comunitários continuam sendo propostos, entidades sociais permanecem ativas e muito dos recursos das comunidades é revertido em benefício do próprio povo. Isso ajuda a restabelecer certo diálogo ou, ao menos, contato ecumênico; o que não se dá nas altas esferas, acontece no meio dos simples.

Ainda há pastores, e não são poucos, preocupados com a vida das pessoas e com o compromisso suscitado pelo Evangelho de Jesus. Ainda há mecanismos de participação sendo suscitados, ainda se realizam assembleias e encontros de dinamização da vida pastoral; muito se trabalha em termos de formação, não apenas doutrinária, mas comunitária e existencial. Muito se faz para que a igreja dos pobres continue viva e atuante a seu lado. Talvez o mais importante neste sentido, é o fato deas Comunidades Eclesiais de Base permanecerem vivas, atuantes e fiéis a Jesus e às suas propostas. Se em alguns lugares ela assumiu a forma de capelanias, se em outros ela é confundida com um movimento a mais dentro da igreja, em outros ela continua sendo proposta de nova forma de vivência eclesial, na partilha de ministérios e responsabilidades, na escuta da Palavra de Deus e na busca da comunhão, na atenção aos outros e na forma comunitária de organizar a vida. Os intereclesiais continuam acontecendo e fazendo a igreja vibrar, e a realização do 13º. Intereclesial em Juazeiro do Norte testemunha este fato. A vida das Cebs e sua proposta de forma comunitária de organizar a vida eclesial se encontra, de certa forma, retratada na proposta de Aparecida de que se estabeleçam rede de comunidades em todos os lugares e situações, indo além do jurídico e do administrativo enquanto estruturação de igreja.

Fracasso do modelo
É necessário confessar que o modelo instalado fracassou em suas assertivas e pressupostos. A célebre afirmação de que os tempos da teologia da libertação foram tempos sem espiritualidade e, por isso, as igrejas se esvaziavam, caiu por terra. Depois da teologia da libertação, a Igreja latino-americana, entregue aos Movimentos, continuou a esvaziar-se e ainda mais rapidamente. Hoje somos pouco mais de 60% da população brasileira que se confessa católica.

Fracassou aquele o movimento que tentava instaurar uma nova cristandade. Fracassou a compreensão de que basta o poder central decidir e as coisas se fazem, simplesmente porque apenas Deus cria por sua palavra e também porque as pessoas são capazes de pensar. Caíram por terra os interesses, pessoais e grupais, da aristocracia que quer ver restaurados seus privilégios e poderes. A Igreja não governa a sociedade, esta existe sem ela. Não é papel da Igreja governar o mundo.Preocupados em dizer dos defeitos do mundo, agentes eclesiais deixaram a ideologia mundana entrar no ambiente eclesial. Carreirismo, estrelismo, busca desenfreada de sucesso e dinheiro, competição, conluios, espionagem, lobbys, tráfico de influência, corrupção e tudo o mais que vemos na mídia sobre as organizações políticas e empresariais de nosso tempo, tudo isso se percebeu dentro da Igreja.

O governo central, forte, percebeu, de repente, o que todos sabemos: que quem centraliza o governo faz de conta que governa tudo, e todos fazem de conta que ele governa, mas na verdade o governo centralizado não governa nada nem ninguém. A luta pelo poder que se faz mais abaixo derrotou o projeto neoconservador. Esclerosado, sem futuro, o projeto caiu.A renúncia de Bento XVI como que marca este momento. Acontece a confissão do fracasso do modelo e se percebe que há que mudá-lo. Mas forças a seu favor não desapareceram simplesmente e se apressaram a fazer-se presente no conclave, com seus candidatos. No entanto a percepção gral era de que seria preciso mudar. Ainda que para continuar o mesmo, era preciso mudar. E mudou.

Francisco chegou com ares de mudança, como se esperava. Mas como costuma acontecer com os Franciscos, as mudanças foram maiores do que se pensava, saíram do controle, e o Papa Francisco instaurou rapidamente um modelo de Igreja que deixou boquiabertos e sem reação os defensores do modelo ultrapassado. Completamente sem reação. Francisco aproveitou-se para apressar umas tantas mudanças.Mudou colaboradores, afastou os detentores dos antigos postos de comando; mudou sua residência, soube utilizar-se dos meios de comunicação. Passou a oferecer um testemunho pessoal que não apenas dava credibilidade às suas palavras, mas cativava multidões. Humanizou o papado, insistiu na encarnação da Igreja, colocou o dedo em feridas e apresentou autêntica proposta de renovação. Fez renascer o Vaticano II.Sua simplicidade pessoal passou para a simplificação do modelo e dos comportamentos eclesiais. Sua capacidade de trabalho conjunto restaurou a esquecida colegialidade, e soube chamar à responsabilidade as conferências episcopais nacionais, por exemplo. Sua visão de que a ação eclesial é de misericórdia, de acolhimento e de inclusão, deixava claro que o modelo do controle autoritário estava ultrapassado, e que os tempos eram outros. Respirava-se novamente na Igreja, o vento recomeçou a soprar, o Espírito dava sinais de sua atuação. Parece que a primavera voltava aos ambientes eclesiais.

O que virá
Curioso como algumas palavras de Francisco tenham chocado os setores mais conservadores. Como, por exemplo, dizer que o chamado lobby gay era problema porque era lobby! E que não há mães solteiras, há mães. Que não é preciso ter medo de mudar, e que é preciso ousar nesta direção. E que a Igreja precisa ser um hospital de campanha. Que é preciso acolher, abrir-se, incluir. Sua preocupação com os pobres, com uma Igreja colegiada e participada, sua proposta missionária, faz pensar nas características essenciais da Igreja latino-americana. Nos tempos de libertação. Afinal, ele é um papa latino-americano, que foi pastor e conhece suas ovelhas e sabe onde os lobos se escondem. Por isso não hesita em atacar o modelo econômico excludente. Não é ingênuo em suas palavras, e espera que tenham repercussão.

Percebe-se porque se trata do papa que mais sofre resistência desde o século passado. Sua proposta missionária coloca em xeque a forma de governo dos bispos, pois se pode sempre perguntar a eles porque não fazem como o papa. Sua aliança é com o povo, daí que as resistências que enfrenta venham do interior da Igreja, dos setores tradicionalistas, é verdade, mas também de bispos e padres. Que silenciam sobre as propostas de Francisco. Que o chamam de papa pela metade, que o acusam de não respeitar a dignidade da função que ocupa. Que o criticam por não se comportar como papa do mundo, escondendo-se atrás do nome de Bispo de Roma. Que o criticam por ser pouco “teólogo”, e que aguardam ansiosamente sua Páscoa, já que é homem de idade. É a famosa retirada estratégica, significada pelos silêncios tácitos. Uma oposição recentemente reapareceu, como que criando coragem para expor seus pontos de vista em críticas mais ou menos velada à pessoa e à atuação do Papa. Curiosamente eram os mesmos que defendiam, até há pouco, uma fidelidade e obediência cega às palavras do Papa, que encarnava como que sozinho todo o Magistério eclesial. Agora, discordam do Papa.

Os movimentos eclesiais tem mais tendência a autoreproduzir-se do que colocar-se na linha da EvangeliiGaudium. As Conferências Episcopais, tornadas instituições burocráticas, tem dificuldade de organizar-se como colegiado. Os vícios da administração eclesial e da burocracia pastoral tem problemas diante do chamado à decisiva ação missionária. Décadas de distanciamento dos movimentos políticos e sociais, isolamento da imprensa e enclausuramento nas torres de marfim produziram uma instituição com pouca agilidade, com dificuldade para acompanhar sua época, com agentes mais preocupados consigo do que com o Povo de Deus. Conseguirá a Igreja de Francisco instalar-se e evoluir? Só o tempo dirá. O Espírito sopra onde quer.

Para o agir
Se bem lembrarmos da proposta missionária de Aparecida, aquela Assembleia que foi acompanhada pela oração de tantos pobres e de tantas comunidades, afirmaremos a missão não como cruzada ou reconquista de fiéis, muito menos como reconquista de poder ou de lugar da igreja na sociedade, mas sim como proclamação dos valores do Evangelho do Reino. Importante é que a sociedade se estruture segundo os valores do evangelho, lembra Aparecida, o que é a retomada da busca por uma sociedade justa e fraterna como sinal e anúncio do Reino definitivo.

Se o atual contexto eclesial visto a partir de cima nos decepciona, vista a partir de baixo a igreja de Jesus Cristo guarda sua força, pertinência e vitalidade. E isso nos anima, assim como a realização de encontros que põem a igreja em movimento para o futuro. Não se trata de simplesmente fazer política eclesiástica, mas de permanecer fiel à fé em Jesus, à história e às convicções. Não se pode ser um caniço agitado pelo vento. Há esperança? Sim, evidentemente. Caminhamos de esperança em esperança, pois sabemos que Deus é Amor. Há que continuar crendo e criando fraternidade, espaços de participação, projetos de ação que congreguem na unidade, fortalecendo a preocupação comunitária e o compromisso sócio-político. Por isso não devemos ficar, simplesmente, olhando para o alto, mas para o chão da história, onde a semente da Palavra gera árvores de vida.


Um comentário:

  1. Com sua benção Pe. Mário Glaab!
    Preciso falar com o senhor, pode me contatar?
    Meu e-mail é felipinhopm@gmail.com.
    Abraço, fique com Deus.

    ResponderExcluir