QUEM
É ESTE JESUS?!
Para nós cristãos é tão corriqueiro falar de Jesus como
aquele que é o nosso Deus, e por isso tem poder. Ele pode resolver todos os
nossos problemas, ele é a solução para tudo. Bem mais difícil é uma aproximação
de Jesus no que ele foi e continua sendo para a humanidade, uma vez que é Deus
que tem poder. Quem é este Jesus e como ele exerce o poder de Deus em nosso
favor? É ele de fato aquele que nós imaginamos com nossas elaborações lógicas,
ou ele nos surpreende quando começamos a conhecê-lo e experimentá-lo mais de
perto?
Não há como negar, fomos todos “forçados” a criar uma imagem
de Jesus. Esta imagem geralmente é fruto de devoções que nos foram transmitidas
por pessoas piedosas, mas com pouca formação religiosa e teológica; ou ainda de
nossas concepções lógicas que fomos “construindo” no dia a dia de nossa
existência. Nessa imagem, que a maioria dos fiéis tem de Jesus, reflete-se
pouco daquilo que o Novo Testamento revela sobre ele. Os ensinamentos oficiais
da Igreja também não contam muito. A catequese ficou restrita a algumas
fórmulas e atividades que ficaram no passado e que não atingiram o profundo da
fé em uma pessoa, a pessoa de Jesus de Nazaré.
Jesus
conhece e quer ser conhecido, fala e quer ser ouvido
Um primeiro aspecto que merece ser considerado é que
Jesus, como é apresentado pelos evangelhos, é alguém que conhece seus amigos, e
que espera que eles o conheçam também (cf. Jo 10,14). Este conhecimento é muito
mais do que ter alguma ideia ou imagem. É comunhão de vida.
Jesus de Nazaré é alguém que veio para estar com as
pessoas lá onde elas estão. Não excluiu ninguém desse relacionamento e,
justamente por isso, ele foi onde estavam os últimos da sociedade: os pobres,
os marginalizados, os excluídos da religião, os pecadores, os doentes.... Ele
conheceu o ser humano naquilo que lhe é próprio, seu sofrimento, sua limitação,
seu anseio, sua alegria, sua fé, sua confiança. Porém, ao conhecer o ser humano
em sua profundidade, convida-o igualmente a conhecer, por ele e nele, o próprio
Deus. Tudo o que diz e o que faz é para que as pessoas conheçam a Deus, sua
bondade, sua misericórdia, enfim, seu amor infinito. Portanto, quer se fazer
conhecido para que as pessoas consigam conhecer Deus.
Jesus é a Palavra de Deus em pessoa. Ele fala, não
somente com palavras, mas em tudo o que faz. Ele vai revelando Deus. Contudo,
sua palavra não é palavra lançada no vazio. Ela é palavra direcionada a pessoas
concretas. É início de diálogo. Exige, ou espera, resposta. Ouvir, então, a
palavra de Jesus implica em responder. O interlocutor, ao responder
positivamente à palavra de Jesus, nada pode dizer, a não ser “aqui estou”. Isto
quer dizer entrar no caminho do seguimento, tornar-se discípulo.
O discipulado, na concepção neotestamentária, consiste em
aprender fazendo. O discípulo ouve e observa o mestre e vai seguindo, imitando.
Se Jesus estava comprometido com todos, especialmente com os excluídos, também
seu seguidor – seu ouvinte – irá se comprometendo passo por passo com os
excluídos. Hoje isso será possível se o ouvinte de Jesus está perto das
inúmeras vítimas da sociedade consumista que devora seus consumidores; quando
se compromete com eles oferecendo-lhes ânimo, coragem, fé, liberdade e vida.
Comprometer-se hoje é muito mais que dar algo, é mostrar o caminho e ajudar as
pessoas a seguir por esse caminho que liberta e que dá vida plena.
Surpresa!
Uma vez cientes que a imagem que temos de Jesus pode ser
muito limitada, queremos conhecê-lo e ouvi-lo mais. À medida em que se fazemos
isso, podemos ter surpresas. Ele é bem diferente do que “deveria” ser.
Uma primeira surpresa: Ao se seguir o caminho do
“conhecer” e do “ouvir” Jesus, podemos nos encontrar com alguém que escapa das
leis ordinárias das pessoas que julgamos normais. Analisando bem, parece que
Jesus não tem memória! E, memória sempre foi vista como uma grande qualidade para
as pessoas avançarem e progredirem; é imprescindível para os espertos e
prudentes. Mas vejam: Jesus não é tão esperto pois ele, quando perdoa os
pecados, esquece dos mesmos! Ele não deveria dizer “está bem: eu lhe perdoo,
mas cuidado! Estou de olho em você!”, e se precaver para que esses que erraram
não assumissem postos-chave no seu grupo? Contudo, ele convida as pessoas sem
se importar com os pecados que cometeram no passado. Isso é falta de prudência,
não mostra esperteza, e muito menos malícia, que é tão importante em uma
sociedade que se alimenta do “quem pode mais chora mais ainda”.
Jesus de Nazaré, ao revelar o Pai para os pecadores,
mostra que Deus é diferente do que tudo o que nós podemos imaginar dele. E ele,
Jesus, retrata este Pai. Por isso também ele nos surpreende; e, como?!
Libertar-se
de falsas imagens
O primeiro passo para que sejamos surpreendidos é
libertar-se de falsas imagens de Deus e de Jesus. Isto vale também para a
Igreja no seu todo, ou para a Igreja que está presente em nossas comunidades. É
necessário renunciar a doutrinas e a conceitos que nos foram incutidos e que
assumimos sem pensar. Pior ainda, assumimos porque gostamos que assim fossem.
Quem quer conhecer Jesus de Nazaré e o Deus que ele anuncia deve renunciar a
muitas coisas que carrega e que pesam, como por exemplo suas lógicas do que é
bom e do que é mau; quem merece recompensa e quem merece castigo; quem é
abençoado e quem é amaldiçoado. Precisa deixar suas certeza, seus méritos e
seus medos para livremente e humildemente aproximar-se dele, pois tudo isso
impede conhecer e ouvir o Divino Mestre.
Evangelho – Boa notícia – consiste exatamente nisso: Deus
que nos surpreende positivamente. O evangelho de Jesus Cristo é fonte
inesgotável de vida e de compaixão para todos, é motivo de alegria e de
mudança, uma vez que oferece sugestões para impulsionar a renovação de cada um
e das comunidades cristãs, porém somente pode mudar de caminho aquele que deixa
o caminho até então percorrido. Deixemos que ele nos surpreenda. Estejamos
livres para que cada encontro seja novo.
Caso tivermos coragem de nos surpreender com Jesus de
Nazaré, talvez possamos oferecer com mais eficácia a notícia de que Deus ama a
todos, também aos que vivem sem caminhos para Deus, perdidos no labirinto de
uma vida desconcertada ou instalados num nível de existência em que é difícil
abrir-se ao mistério último da vida. Jesus poderá ser para eles a melhor
notícia, não uma ideia abstrata que já não diz mais nada para o homem e para o
mundo de hoje. Atualizemo-nos.
Pe. Mário
Fernando Glaab
(Pretendo apresentar
outras surpresas sobre Jesus de Nazaré em outras oportunidades)