terça-feira, 27 de março de 2012

Morrer e Ressuscitar

MORRER E RESSUSCITAR
Pe. Mário Fernando Glaab
            Os cristãos têm como princípio fundamental de sua fé o mistério da vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo, o Homem de Nazaré. Crer em Jesus de Nazaré consiste em aceitar e assumir esse mistério. Em outras palavras: é professar que Jesus é Deus conosco – divino e humano.
            Ao refletir sobre o mistério central da fé cristã vêm-nos em mente algumas questões vitais, isto é, que iluminam a nossa vida. Conforme os escritos do Novo Testamento, Jesus, mesmo sendo divino, em sua condição humana sofreu todas as consequências de sua opção pelo projeto de Deus, que é a vida do mundo. Para que o mundo tivesse vida, Jesus, em conformidade com a vontade do Pai, colocou-se a serviço dos humanos até as últimas consequências, instaurando assim o Reino de Deus. Por isso o Reino está fundado no serviço de Jesus em prol dos homens e mulheres de todos os tempos e de todos os lugares. Para poder servir Jesus se faz servo de todos. O serviço lhe causa dor, sofrimento e rejeição. Não da parte de Deus, mas da parte dos que não querem que os pobres, doentes, deficientes e pecadores sejam servidos. Sempre existem aqueles que, como não-servos, são os poderosos e necessitam dos serviços dos outros. Ao não servirem e se fazerem servir, causam dor e sofrimento, oprimem e exploram; tolhem a liberdade e não deixam viver: são eles os adversários do Reino de Deus. É óbvio que Jesus, ao se colocar como o Servo do Reino, teve que enfrentar os poderosos do antirreino. Esses o perseguiram, o fizeram sofrer e o mataram. Para Jesus não foi fácil levar a cabo sua obra. A dor e a morte foram consequência cruel de sua doação serviçal. Mas ele foi até o fim.
            A força de Jesus consistia na confiança total no Pai que lhe deu a missão de levar vida a todos os espoliados do mundo e no amor incondicional ao ser humano que o fez abraçar a missão. Jesus, na fé e na confiança, via o Reino presente em sua ação, pois agia conforme a vontade do Pai. A perseguição dos poderosos - cruz e morte – era, no entanto, o entrave para que o Reino acontecesse em plenitude. Jesus não teve outra saída: foi até à morte, imposta a ele, não pelo Pai, mas pelos poderosos malvados de seu tempo que não aceitavam o serviço do Servo em prol dos mais humildes. Para eles, os humildes sempre haveriam de permanecer em sua condição de escravos para que assim pudessem desfrutar dos seus trabalhos. O sofrimento de Jesus foi terrível. Não pode contar com a força de ninguém. Os poderosos o pregaram na cruz e a maioria dos desvalidos fugiu! Somente algumas mulheres, o discípulo amado e dois malfeitores estavam ao seu lado nessa hora. Mas estes nada podiam fazer. Jesus deve se lançar totalmente nos braços do Pai: inclina a cabeça ou entrega o espírito. A vitória – Ressurreição – há de vir de Deus. Ele morre!
            A morte é a terrível sombra no horizonte de todo ser humano. Ela assusta a todos. No entanto, há aqueles que esperam pela morte apoiados em seus recursos, em seus bens e poderes. Os bens e os poderes os enganam com suas ciladas. Pensam que eles os podem salvar; ou ao menos, quem sabe, amenizar o impacto da morte. Mas, será que morrer entre os poderosos, com poder e com riquezas leva alguma vantagem? Na hora de “entregar o espírito” adianta ter ao lado os fortes deste mundo? Adianta ter as riquezas que foram arrancadas dos irmãos pobres e escravos? Deus estará entre os poderosos? Por outro lado, adianta servir sempre e a todos se no fim, com muito sofrimento também os servidores morrem? Que a morte de Jesus de Nazaré sirva como modelo. Ele, entre os desvalidos, os escravos, os malfeitores, na hora de sua morte não teve nenhum privilégio, contudo, pode dizer com toda a força de seu amor ao próximo “hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43). A afirmação era fruto do amor que é maior do que a morte, a certeza da presença do Pai, que deu a Jesus moribundo a força para garantir ao malfeitor o Paraíso. O amor não se perde nunca. E o amor sempre se expressa no serviço concreto aos irmãos. O acúmulo de bens, os prazeres desordenados e o poder opressor são contrários ao serviço, e consequentemente ao Reino. Impedem a confiança no Deus que ressuscitou Jesus e que ressuscita os que, como Jesus, se colocam no caminho do serviço aos humanos. Os ricos, os viciados nos prazeres mundanos e os poderosos deste mundo ao chegar o momento derradeiro, dificilmente poderão ouvir do “Desvalido” a tão esperada declaração: “ainda hoje estarás comigo no Paraíso!”.
            A morte de Jesus de Nazaré, o Servo de Deus e dos humanos que se doou até o fim, trouxe-lhe a Ressurreição como aprovação da parte do Pai. A morte dos que se doam, seguindo seu exemplo, também há de trazer ressurreição; mas a morte dos ricos, dos viciados nos prazeres mundanos e dos poderosos deste mundo está entregue aos seus bens, aos seus prazeres e aos seus poderes. O grande teólogo Pe. José Comblin, que passou a vida defendendo os pobres e os desvalidos de nossa sociedade, diz: “os poderosos são sempre suspeitos”, e explica que o poder, quando não é serviço, não ajuda, mas oprime. E a opressão não vem de Deus, mas é do antirreino.

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