sábado, 5 de outubro de 2013

Vaticano II hoje (8)

PACTO DAS CATACUMBAS (PONTO 7)

            O sétimo item do pacto das catacumbas diz: “Evitaremos incentivar ou lisonjear a vaidade de quem quer que seja, com vistas a recompensar ou a solicitar dádivas, ou por qualquer outra razão. Convidaremos nossos fiéis a considerarem as suas dádivas como uma participação normal no culto, no apostolado e na ação social. Cf. Mt 6,2-4; Lc 6,35; 2Cor 9,7.” Os textos bíblicos citados pelos bispos para este item, dizem o seguinte: “Por isso, quando deres esmola, não mandes tocar a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem elogiados pelos outros. Em verdade vos digo: já receberam sua recompensa. Tu, porém, quando deres esmola, não saiba tua mão esquerda o que faz a direita, de modo que tua esmola fique escondida. E o teu Pai, que vê no escondido, te dará a recompensa”; “amai os vossos inimigos, fazei o bem e prestai ajuda sem esperar coisa alguma em troca”; e, “que cada um dê conforme tiver decidido em seu coração, sem pesar nem constrangimento, pois ‘Deus ama quem dá com alegria’”.
            Este item do pacto das catacumbas é muito prático e pastoralmente desafiador, assim como, igualmente atual. Ainda mais, como todos sabem, a Igreja na América Latina enfrenta sérios problemas financeiros na organização de seus trabalhos pastorais e missionários. Organizar financeiramente uma paróquia ou diocese, em regiões mais humildes, nunca foi fácil. Qualquer ajuda financeira é sempre bem-vinda. E, por outro lado, os poderosos – os que possuem mais bens – olham para os fiéis que frequentam as igrejas alimentando seus interesses particulares, perguntando-se como conquistá-los pela simpatia e tê-los como suporte político. Dar uma dádiva para a comunidade, ser lisonjeado pelo padre ou pelo bispo, não é de se desprezar. Politicamente o voto de um membro pobre da comunidade que precisa construir a sua igrejinha vale tanto quanto o voto do vizinho rico e esclarecido que mora do lado e que pensa diferente.

Evitaremos incentivar ou lisonjear a vaidade
            Evitaremos incentivar ou lisonjear atitudes que favoreçam a vaidade. É compromisso corajoso, porém coerente com o Divino Mestre. Jesus de Nazaré lançou-se na sua missão sem se preocupar em fazer o “seu ninho”. Aceitou ajuda de todos, contanto que o fizessem com liberdade e sinceridade. Ele não se prendeu a ninguém, mas chamou para junto de si os mais pobres, os mais desprovidos de tudo; e não teve medo de desafiar os que eram ricos. Dizia-lhes a verdade, desmascarando a falsidade de seus corações.
            Quantas vezes, porém, bispos, padres ou líderes de comunidades, com a melhor das intenções, publicam listas de contribuições, convidam para ocuparem os primeiros lugares nas celebrações aos que doaram valiosos brindes para as festas, aqueles que são influentes... Ainda existem inúmeros templos que ostentam nos bancos ou nos vitrais os nomes dos doadores. Quem “sempre ajuda” tem “privilégios”: pode batizar seus filhos sem se sujeitar aos cursos de preparação, em outras paróquias mais centrais, não precisa participar regularmente da comunidade, etc. Privilégios que, na verdade, não o são. Poder participar de cursos na comunidade, das celebrações com os irmãos da mesma comunidade, estes são privilégios que geralmente os ricos desvalorizam. O contrário é vaidade. Vaidade para o que “paga” com sua dádiva; vaidade também para quem recebe o “pagamento”. Esse tipo de barganha nunca forma comunidade, muito menos, seguidores de Jesus de Nazaré.

As dádivas como participação normal
            Convidar os fiéis a considerar suas dádivas como participação normal no culto e demais atividades da paróquia, sem privilégios e reconhecimentos especiais, exige atitude concreta e desprendida. Jesus lembra que todos, após ter feito o que é preciso fazer, devem se considerar “simples servos” (Lc 17,10). Esse desprendimento, próprio do servo, deve ser dos que doam, mas igualmente dos que recebem em nome da comunidade, paróquia ou diocese. Não resta dúvida, os servos não podem lisonjear a quem quer que seja. Eles estão a serviço de seu senhor. O Senhor, tanto dos fiéis quanto dos ministros, é sempre Jesus Cristo e seu Reino. Tudo mais não passa de vaidade.
            Pergunta-se por que há tanta insatisfação, tanta vida sem sentido, tanta ambição? Talvez a vida de muitos mudasse se aprendessem a doar e a doar-se gratuitamente. Quer queira quer não, o ser humano é chamado a amar desinteressadamente. Existem muitos homens de mulheres entre nós que só podem receber um amor gratuito, porque não têm quase nada para poder devolver a quem delas se aproxima. Esse é justamente o caminho que a Igreja deve percorrer. Se não tiver coragem de ir ao encontro desses homens e dessas mulheres, ela não pode se gloriar de ser a Igreja de Jesus Cristo. Também não terá o direito de se apresentar como servidora do Reino de Deus. Dom Hélder Câmara lembrava, com muito acerto, que para libertar-se de si mesmo é preciso construir uma ponte para o outro lado do abismo que o egoísmo cria. É preciso ver além de si mesmo. Procurar escutar o outro e, sobretudo, procurar esforçar-se para amar os outros em vez de amar somente a si.

Ouro e prata
            Poderia, num primeiro momento, parecer que logo depois do pacto das catacumbas, quando os bispos retornaram aos seus países, no nosso caso, ao Brasil, o propósito desse item foi parar no esquecimento. Certamente aconteceu isso em muitos lugares, mas nem em todos. Ou melhor, talvez seja muito mais coerente afirmar que a Igreja pobre se tornou a Igreja dos Pobres. Pois é impossível enumerar as comunidades pobres que foram surgindo por todos os cantos de nosso vasto país. As pequenas comunidades se multiplicaram aos milhares, e, praticamente nenhum bairro, por mais periférico que seja, carece de sua igrejinha. Se nos centros das cidades surgiram templos esplendorosos, também é verdade que entre os mais pobres surgiram capelas sem nenhum esplendor, onde com toda certeza não entraram as doações daqueles que esperam louvores. Muitos bispos, presbíteros e líderes incentivaram o povo para que, somando esforços e sendo generosos, construíssem sua própria capela, sem dever nada a ninguém.
            Quando o Papa Francisco veio ao Brasil disse que não tinha nem ouro nem prata, mas que veio para trazer Jesus Cristo. Ele demonstrou isso com palavras e atos, especialmente pela simplicidade e alegria. Sentiu-se à vontade entre os mais pobres. Os pobres o receberam e o compreenderam. Da mesma forma, a falta de ouro e de prata reavivou a Igreja nas periferias das cidades e das existências. Que cada vez mais, a Igreja, seus ministros e seus fiéis possam ser testemunhas de Jesus, e que não se preocupem com o ouro e a prata dos que querem tirar proveitos para si, esperando reconhecimentos e elogios.
Pe. Mário Fernando Glaab

WWW.marioglaab.blogspot.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário