sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Vaticano II hoje (9)

PACTO DAS CATACUMBAS (PONTO 8)

            O oitavo item do pacto das catacumbas diz: “Daremos tudo o que for necessário de nosso tempo, reflexão, coração, meios, etc., ao serviço apostólico e pastoral das pessoas e dos grupos laboriosos e economicamente fracos e subdesenvolvidos, sem que isso prejudique as outras pessoas e grupos da diocese. Ampararemos os leigos, religiosos, diáconos ou sacerdotes que o Senhor chama a evangelizarem os pobres e os operários compartilhando a vida operária e o trabalho. Cf. Lc 4,18s; Mc 6,4s; At 18,3s; 20,33-35; 1 Cor 4,12 e 9,1-27.” Os textos bíblicos citados pelos bispos dizem: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa-Nova aos pobres: enviou-me para proclamar a libertação aos presos e, aos cegos, a recuperação da vista; para dar liberdade aos oprimidos e proclamar um ano de graça da parte dos Senhor”; “Jesus, então, dizia-lhes: ‘Um profeta só não é valorizado na sua própria terra, entre os parentes e na própria casa’. E não conseguia fazer ali nenhum milagre, a não ser impor as mãos a uns poucos doentes”; “Como tinha a mesma profissão – eram fabricantes de tendas – passou a morar com eles e trabalhar ali. Todos os sábados, Paulo discutia na sinagoga, procurando convencer judeus e gregos”; “Não cobicei prata, ouro ou veste de ninguém. Vós bem sabeis que estas minhas mãos providenciaram o que era necessário para mim e para os que estavam comigo. Em tudo vos mostrei que, trabalhando desse modo, se deve ajudar aos fracos, recordando as palavras do Senhor Jesus, que disse: ‘Há mais felicidade em dar do que em receber’”; “... esgotamo-nos no trabalho manual; somos injuriados, e abençoamos; somos perseguidos, e suportamos; somos caluniados, e exortamos”; (o último texto, por ser extenso, não transcrevemos, mas sugerimos que seja consultado).
            Esta proposta frutificou e se alastrou pelo vasto continente latino-americano. Nos anos imediatamente pós-Vaticano II floresceram os movimentos populares, os grupos de famílias pobres, as CEBs, a teologia da libertação, e a Igreja se fez presente, por meio de seus líderes, tanto hierarcas quanto leigos, em muitas esferas da vida e da luta dos humanos. Nas primeiras décadas parecia que o espírito do Vaticano II renovava tudo, apesar de resistências de alguns. Aos poucos, porém, o fervor esmoreceu, e muitos dos novos hierarcas esqueceram esse item do pacto que os bispos corajosos e iluminados haviam assumido e concretizado. Trabalhar junto aos mais pobres sem poder esperar pagamentos imediatos, tornou-se menos atraente!

Daremos o tempo, a reflexão, o coração, os meios...
            Daremos tudo o que for necessário, de nosso tempo, reflexão, coração, meios, etc., aos mais fracos e subdesenvolvidos. Proposta ousada. O fraco ou o subdesenvolvido é sempre necessitado enquanto não deixa de ser fraco ou subdesenvolvido. E, os bispos dizem “tudo”. Na verdade isso os compromete totalmente. Como nos itens anteriores, é mais uma maneira de dizer que ser discípulo de Jesus é ser evangelizador durante vinte e quatro horas por dia, todos os dias. Enquanto houver um único fraco ou pobre na diocese, o bispo não pode cruzar os braços.
            O tempo exige atenção contínua. A reflexão pede estudo e meditação sobre os princípios evangélicos, mas concretamente atualizados aos sinais dos tempos onde estão os pobres. O coração destaca o motivo interior: amar como Jesus amou. Os meio são os instrumentos adequados ao trabalho, que devem ser eficientes e ao alcance das pessoas.
            Esta disposição e este comprometimento não devem prejudicar as outras pessoas e grupos da diocese, isto é claro. O bispo não pode deixar uns de lado para se ocupar com os outros, somente. Deve, no entanto, fazer tudo para igualar os pobres (trazê-los para junto de) aos demais. Estes últimos, porém, podem ser chamados a colaborar no serviço apostólico e pastoral dos bispos. Colaboração esta, que transformou inúmeras comunidades, bairros e cidades em comunidades, bairros e cidades renovados. Ainda hoje se escuta o povo cantando “Também sou teu povo, Senhor”, sem discriminação ou privilégios.

Ampararemos os que evangelizam os pobres
            A proposta fala de leigos, religiosos ou sacerdotes que o Senhor chama a evangelizarem os pobres e os operários. Transparece nestas palavras a confiança no Senhor. A iniciativa de chamar evangelizadores para os pobres é do Senhor, não dos bispos; e por isso eles os querem amparar. Há aí mudança significativa. Consciência de que o pastor deve amparar e apoiar àqueles que o Senhor providencia para que não faltem os anunciadores da Boa-Notícia aos últimos, a começar pelos leigos.
            Este aspecto mostra também que já se descobriu embrionariamente o que mais tarde se expressa como opção preferencial pelos pobres. De fato, percebe-se que não há dúvida de que os pobres são amados por Deus, sem condições, e que os bispos o sabem. Puebla, mais tarde, o explica, ao dizer: “Criados (os pobres) à imagem e semelhança de Deus, para serem seus filhos, esta imagem jaz obscurecida e também escarnecida. Por isso Deus toma sua defesa e os ama. Assim os pobres são os primeiros destinatários da missão” (1142). Dá, igualmente, importância para o potencial evangelizador desses mesmos pobres, ao afirmar que “muitos deles realizam em sua vida os valores evangélicos de solidariedade, serviço, simplicidade e disponibilidade para acolher o dom de Deus” (1147).
            Amparar pode ser entendido como algo mais do que simplesmente estar ao lado de alguém. Quem ampara toma defesa. Tomar a defesa dos pobres é uma forma de amor muito específica. Implica entrar em conflitos históricos e em arriscar bens, fama e vida. J. Sobrino, o teólogo da misericórdia da América Central, diz que “tomar sua defesa (dos pobres) implica disponibilidade consciente e ativa para sofrer o martírio. Na América Latina a história o mostra claramente. E também mostra que não se mata os que apenas amam os pobres. Matam-se, sim, os que saem em sua defesa”.

Igreja pobre
            Cada vez mais estamos vendo o paradoxo que existe quando, por um lado, a Igreja se apresenta com poder e esplendor, nos seus ritos, nos templos e nos seus ministros e hierarcas; por outro, na fragilidade, nos pecados, nos pobres de tantos rostos. Parece que a distância entre um e outro lado aumenta sempre mais. Contudo, existe nova esperança que vem de tantos “mártires ainda não canonizados” – que talvez nunca o serão – e de outros tantos que continuam seus martírios todos os dias por teimarem em ser da Igreja dos pobres. Que o desejo do Papa Francisco de que a Igreja seja uma Igreja pobre, influencie a todos nós, pobres e menos pobres. Que ninguém se iluda: sem perder tempo com os desvalidos nunca se chega ao verdadeiro Jesus de Nazaré. Pois, ele está onde estão os que não têm onde reclinar a cabeça.
Pe. Mário Fernando Glaab

WWW.marioglaab.blogspot.com.br

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