A
OPÇÃO PREFERENCIAL PELOS POBRES
Muito se tem falado sobre a opção preferencial pelos
pobres. Mas, talvez ainda hoje existam pessoas, e não poucas, que ainda não
estão convencidas da importância fundamental desta opção que a Igreja fez e
continua fazendo. Isso provavelmente se deve pelo fato de tais pessoas jamais
terem parado para levar a sério a questão. Geralmente impulsionados por
preconceitos antirrenovadores e instalados em seu comodismo descartaram
qualquer possibilidade reflexiva. Pobre, na sua concepção, é um vagabundo, um azarado,
e pior, alguém que perturba o bom andamento das coisas, inclusive da Igreja.
Quando muito, é objeto do desencargo de consciência, pois oferece oportunidade
de “fazer caridade”. Essas pessoas nunca tiveram coragem para observar como a
Sagrada Escritura apresenta Jesus de Nazaré, um pobre; porém, contrariamente ao
modo dos evangelhos, veem Jesus como o Cristo todo poderoso que está rodeado
por anjos que o servem dia e noite. Jesus, para eles, na verdade, não tem nada
de haver com a realidade dura dos pobres da Palestina de então, e muito menos,
com os de hoje. Ele é Deus, e está acima das misérias desses infelizes!
Para
ser discípulo de Jesus é preciso optar pelos pobres
Por que a Igreja opta preferencialmente pelos pobres?
Caso a Igreja queira ser verdadeiramente cristã, isto é, ser a Igreja de Jesus Cristo,
aquele anunciado pelos apóstolos e revelado nos evangelhos, não pode se furtar
a ser discípula, pois ele é o Mestre. Como discípula necessita colocar-se no
seguimento e isso implica fazer o que o mestre faz.
Do começo até o fim Jesus de Nazaré se apresenta como
pobre e está entre os pobres. Não porque é miserável ou infeliz, mas porque
como pobre está totalmente livre para se relacionar com o Pai que cuida de
todos. E, como pobre entre os pobres, pode lutar pela vida em plenitude para
todos. Não tem preocupação alguma em defender o que é dele ou de algum grupo
privilegiado. É livre com relação aos bens que sabe serem dons da gratuidade do
Pai que criou tudo para o bem de todos. Ele defende antes de tudo as pessoas
para que tenham acesso aos bens do Pai como garantia de vida. Não admite, de
forma alguma, o acúmulo desses bens nas mãos de gananciosos, pois quando isso
acontece, automaticamente faltam para os outros.
Se o Mestre é assim, seu discípulo não pode ser
diferente. Sendo que os bens atraem terrivelmente, são tentação constante para
todos, e continuam a atrair, o seguidor de Jesus precisa renovar sempre de novo
sua opção pelos pobres e pela sua própria vida pobre. A mesma coisa vale para a
Igreja. A Igreja é a comunidade dos discípulos de Jesus. Se ela não renovar
constantemente seu compromisso com o Mestre, também ela se prende aos bens, às
honras e ao poder. Ao invés de seguir a Jesus, apontando sempre para a
liberdade dele, ela se torna autorreferencial: chama a atenção sobre si mesma.
E, é fácil compreender que, ao se ver sem grandes virtudes, direciona o olhar
para os bens que acumula. Esconde-se atrás daquilo que deveria ser de todos,
mas que não o é, pois carece aos necessitados. É, portanto, inconcebível uma
Igreja que não tenha coragem de optar sempre de novo pelos pobres, uma vez que
Jesus foi o pobre e optou conscientemente pelos pobres.
Poder-se-ia levar adiante a argumentação citando a pobre
Virgem de Nazaré, a preferida de Deus, muito outros personagens bíblicos e os
santos da história da Igreja, os mártires de ontem e de hoje, todos eles pobres
e inseridos na vida dos pobres; mas basta uma referência.
Quem
são os pobres?
Jesus era pobre, esteve em meio aos pobres, o discípulo
dele igualmente é pobre e precisa estar entre os pobres, e a Igreja, se quiser
ser autêntica, não pode seguir por outro caminho. Pergunta-se, para esclarecer
mais, quem é afinal o pobre? O teólogo Jon Sobrino, profundo conhecedor da
pobreza em que grande parte da população latino-americana vive, assim define o
pobre: “pobre é aquele para o qual a vida é uma carga pesada, pois não pode
viver com um mínimo de dignidade”. E explica que é a pobreza é o que mais se
opõe ao plano original do Criador da vida.
Pobres são, então, todos aqueles que sofrem humilhações
por lhes faltarem os bens necessários para o corpo ou para a alma. A vida lhes
é um peso; sua dignidade é negada. Claro que existem graus de pobreza. Mas,
seja qual for, ela é sempre contrária à vontade do Criador. Importante ainda é
raciocinar corretamente, se a vida lhes é um peso ou se a dignidade lhes é
negada, alguém coloca peso em seus ombros, alguém está negando dignidade... É a
injustiça que rege o relacionamento entre as pessoas. Injustiça que possui
tantos tentáculos: opressão, exploração, exclusão, discriminação,
desconsideração, violência etc. A dignidade é negada quando por qualquer motivo
alguém é tratado como objeto e não como sujeito. Nem é preciso ser assíduo
observador para perceber que na sociedade servem os que são produtivos (para os
ricos), mas quando não conseguem mais produzir, são descartáveis.
Lamentavelmente isso acontece até mesmo entre grupos religiosos. Todavia, estes
são os preferidos de Jesus, de seu discípulo e da Igreja.
Jesus
e a religião
Jesus, ao revelar o projeto do Pai, não estava preocupado
em formar uma religião, mas em mostrar às pessoas o valor da vida. Por isso, o
Reino que ele anunciou estar próximo, é o Reino da justiça, da paz, do perdão e
da alegria. Nele todos haverão de possuir vida em plenitude. Esta é a vontade
do Criador. Se a partir da pregação e dos gestos de Jesus, com a força do
Espírito Santo, se formou a religião cristã, ela deve estar ao serviço desse
Reino. Pode-se afirmar que Jesus não veio ensinar uma religião, mas uma maneira
de viver; vivendo, defendendo e cultivando a vida. A religião deve religar as
pessoas e as comunidades a esta nova vida.
A Igreja, em toda a sua organização, não pode ter outra
finalidade a não ser a de inserir seus membros na religião da vida. Existem
muitas maneiras de fazer esta inserção, contudo, nunca uma opção pode ser considerada
autêntica se deixar para trás os pobres, isto é, quando a Igreja, preocupada
com sua realização na sociedade, não se envolve diretamente com aqueles que
mais gritam por vida, uma vez que estão ameaçados pela não-vida.
A religião, quando desencarnada, pode nos ensinar uma
moral ou um conjunto de normas a serem observadas. Essa moral e essas normas,
certamente são boas, contudo, conforme Jesus, tudo isso não corresponde ao
plano salvífico de Deus. Se a religião não se enfronha diretamente na vida dos
deserdados do mundo não serve para nada. Leonardo Boff diz que “as blasfêmias
dos pobres são súplicas diante de Deus”. Somente consegue entender a
profundidade dessa afirmação quem de fato descobriu Deus em Jesus de Nazaré.
Jesus, o Pobre, o Injustiçado, o Condenado, o Crucificado, aquele que
“blasfemou”: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”. Jesus, que como
todo o pobre, grita, chora e morre, não deixa de suplicar diante de Deus. Deus
que não se deixa vencer pelo mal que aflige seus filhos amados escuta o grito
de cada um deles, como escutou o grito de Jesus.
O que dizer das “religiões” que gritam ou ensinam a
gritar, não porque são pobres, mas para defender seus bens, ou para alcançar
sempre mais riquezas? Não é está uma heresia? A heresia da prosperidade -
teologia largamente difundida em nossos dias?
Igreja
a serviço da vida
Ao enveredar pelo caminho do Evangelho as coisas recebem
nova luz. Todo preconceito diante do pobre perde seu sentido. A boa notícia
trazida e vivida por Jesus de Nazaré inverte tudo. Deus não deseja a pobreza, e
o pobre não é um castigado. O pobre é criatura e filho do Pai tanto quanto
todos os demais. Ele está nesta condição porque alguém, nunca Deus, o jogou aí.
Ele merece justiça, pois Deus não admite que alguém sofra carências, uma vez
que colocou todas as coisas ao dispor de todos. A justiça que o pobre reclama é
ouvida por Deus, e por isso, Jesus opta pelo pobre e o ajuda a se levantar.
Contudo, como Jesus não pode fazer o que eu, você, e cada um devemos fazer; ele
conta conosco: “Ide!”.
A igreja é a comunidade dos discípulos de Jesus que
entendeu seu projeto de vida e por isso se coloca no caminho de Jesus. Ela
promete salvação a todos os que se colocam a serviço da vida junto aos últimos,
junto dos menores. A salvação se inicia entre eles e vai crescendo, como
fermento na massa, até atingir a realização completa quando Cristo será tudo em
todos. Opção preferencial pelos pobres é essencial para a Igreja. Sem essa
opção ela não pode ser a Igreja de Jesus de Nazaré, e se não o fizer, também
não pode levar ninguém à salvação eterna.
Pe. Mário
Fernando Glaab
WWW.marioglaab.blogspot.com.br
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