quinta-feira, 4 de setembro de 2014

JESUS, O CRISTÃO E OS POBRES

A OPÇÃO PREFERENCIAL PELOS POBRES

            Muito se tem falado sobre a opção preferencial pelos pobres. Mas, talvez ainda hoje existam pessoas, e não poucas, que ainda não estão convencidas da importância fundamental desta opção que a Igreja fez e continua fazendo. Isso provavelmente se deve pelo fato de tais pessoas jamais terem parado para levar a sério a questão. Geralmente impulsionados por preconceitos antirrenovadores e instalados em seu comodismo descartaram qualquer possibilidade reflexiva. Pobre, na sua concepção, é um vagabundo, um azarado, e pior, alguém que perturba o bom andamento das coisas, inclusive da Igreja. Quando muito, é objeto do desencargo de consciência, pois oferece oportunidade de “fazer caridade”. Essas pessoas nunca tiveram coragem para observar como a Sagrada Escritura apresenta Jesus de Nazaré, um pobre; porém, contrariamente ao modo dos evangelhos, veem Jesus como o Cristo todo poderoso que está rodeado por anjos que o servem dia e noite. Jesus, para eles, na verdade, não tem nada de haver com a realidade dura dos pobres da Palestina de então, e muito menos, com os de hoje. Ele é Deus, e está acima das misérias desses infelizes!

Para ser discípulo de Jesus é preciso optar pelos pobres
            Por que a Igreja opta preferencialmente pelos pobres? Caso a Igreja queira ser verdadeiramente cristã, isto é, ser a Igreja de Jesus Cristo, aquele anunciado pelos apóstolos e revelado nos evangelhos, não pode se furtar a ser discípula, pois ele é o Mestre. Como discípula necessita colocar-se no seguimento e isso implica fazer o que o mestre faz.
            Do começo até o fim Jesus de Nazaré se apresenta como pobre e está entre os pobres. Não porque é miserável ou infeliz, mas porque como pobre está totalmente livre para se relacionar com o Pai que cuida de todos. E, como pobre entre os pobres, pode lutar pela vida em plenitude para todos. Não tem preocupação alguma em defender o que é dele ou de algum grupo privilegiado. É livre com relação aos bens que sabe serem dons da gratuidade do Pai que criou tudo para o bem de todos. Ele defende antes de tudo as pessoas para que tenham acesso aos bens do Pai como garantia de vida. Não admite, de forma alguma, o acúmulo desses bens nas mãos de gananciosos, pois quando isso acontece, automaticamente faltam para os outros.
            Se o Mestre é assim, seu discípulo não pode ser diferente. Sendo que os bens atraem terrivelmente, são tentação constante para todos, e continuam a atrair, o seguidor de Jesus precisa renovar sempre de novo sua opção pelos pobres e pela sua própria vida pobre. A mesma coisa vale para a Igreja. A Igreja é a comunidade dos discípulos de Jesus. Se ela não renovar constantemente seu compromisso com o Mestre, também ela se prende aos bens, às honras e ao poder. Ao invés de seguir a Jesus, apontando sempre para a liberdade dele, ela se torna autorreferencial: chama a atenção sobre si mesma. E, é fácil compreender que, ao se ver sem grandes virtudes, direciona o olhar para os bens que acumula. Esconde-se atrás daquilo que deveria ser de todos, mas que não o é, pois carece aos necessitados. É, portanto, inconcebível uma Igreja que não tenha coragem de optar sempre de novo pelos pobres, uma vez que Jesus foi o pobre e optou conscientemente pelos pobres.
            Poder-se-ia levar adiante a argumentação citando a pobre Virgem de Nazaré, a preferida de Deus, muito outros personagens bíblicos e os santos da história da Igreja, os mártires de ontem e de hoje, todos eles pobres e inseridos na vida dos pobres; mas basta uma referência.

Quem são os pobres?
            Jesus era pobre, esteve em meio aos pobres, o discípulo dele igualmente é pobre e precisa estar entre os pobres, e a Igreja, se quiser ser autêntica, não pode seguir por outro caminho. Pergunta-se, para esclarecer mais, quem é afinal o pobre? O teólogo Jon Sobrino, profundo conhecedor da pobreza em que grande parte da população latino-americana vive, assim define o pobre: “pobre é aquele para o qual a vida é uma carga pesada, pois não pode viver com um mínimo de dignidade”. E explica que é a pobreza é o que mais se opõe ao plano original do Criador da vida.
            Pobres são, então, todos aqueles que sofrem humilhações por lhes faltarem os bens necessários para o corpo ou para a alma. A vida lhes é um peso; sua dignidade é negada. Claro que existem graus de pobreza. Mas, seja qual for, ela é sempre contrária à vontade do Criador. Importante ainda é raciocinar corretamente, se a vida lhes é um peso ou se a dignidade lhes é negada, alguém coloca peso em seus ombros, alguém está negando dignidade... É a injustiça que rege o relacionamento entre as pessoas. Injustiça que possui tantos tentáculos: opressão, exploração, exclusão, discriminação, desconsideração, violência etc. A dignidade é negada quando por qualquer motivo alguém é tratado como objeto e não como sujeito. Nem é preciso ser assíduo observador para perceber que na sociedade servem os que são produtivos (para os ricos), mas quando não conseguem mais produzir, são descartáveis. Lamentavelmente isso acontece até mesmo entre grupos religiosos. Todavia, estes são os preferidos de Jesus, de seu discípulo e da Igreja.

Jesus e a religião
            Jesus, ao revelar o projeto do Pai, não estava preocupado em formar uma religião, mas em mostrar às pessoas o valor da vida. Por isso, o Reino que ele anunciou estar próximo, é o Reino da justiça, da paz, do perdão e da alegria. Nele todos haverão de possuir vida em plenitude. Esta é a vontade do Criador. Se a partir da pregação e dos gestos de Jesus, com a força do Espírito Santo, se formou a religião cristã, ela deve estar ao serviço desse Reino. Pode-se afirmar que Jesus não veio ensinar uma religião, mas uma maneira de viver; vivendo, defendendo e cultivando a vida. A religião deve religar as pessoas e as comunidades a esta nova vida.
            A Igreja, em toda a sua organização, não pode ter outra finalidade a não ser a de inserir seus membros na religião da vida. Existem muitas maneiras de fazer esta inserção, contudo, nunca uma opção pode ser considerada autêntica se deixar para trás os pobres, isto é, quando a Igreja, preocupada com sua realização na sociedade, não se envolve diretamente com aqueles que mais gritam por vida, uma vez que estão ameaçados pela não-vida.
            A religião, quando desencarnada, pode nos ensinar uma moral ou um conjunto de normas a serem observadas. Essa moral e essas normas, certamente são boas, contudo, conforme Jesus, tudo isso não corresponde ao plano salvífico de Deus. Se a religião não se enfronha diretamente na vida dos deserdados do mundo não serve para nada. Leonardo Boff diz que “as blasfêmias dos pobres são súplicas diante de Deus”. Somente consegue entender a profundidade dessa afirmação quem de fato descobriu Deus em Jesus de Nazaré. Jesus, o Pobre, o Injustiçado, o Condenado, o Crucificado, aquele que “blasfemou”: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”. Jesus, que como todo o pobre, grita, chora e morre, não deixa de suplicar diante de Deus. Deus que não se deixa vencer pelo mal que aflige seus filhos amados escuta o grito de cada um deles, como escutou o grito de Jesus.
            O que dizer das “religiões” que gritam ou ensinam a gritar, não porque são pobres, mas para defender seus bens, ou para alcançar sempre mais riquezas? Não é está uma heresia? A heresia da prosperidade - teologia largamente difundida em nossos dias?

Igreja a serviço da vida
            Ao enveredar pelo caminho do Evangelho as coisas recebem nova luz. Todo preconceito diante do pobre perde seu sentido. A boa notícia trazida e vivida por Jesus de Nazaré inverte tudo. Deus não deseja a pobreza, e o pobre não é um castigado. O pobre é criatura e filho do Pai tanto quanto todos os demais. Ele está nesta condição porque alguém, nunca Deus, o jogou aí. Ele merece justiça, pois Deus não admite que alguém sofra carências, uma vez que colocou todas as coisas ao dispor de todos. A justiça que o pobre reclama é ouvida por Deus, e por isso, Jesus opta pelo pobre e o ajuda a se levantar. Contudo, como Jesus não pode fazer o que eu, você, e cada um devemos fazer; ele conta conosco: “Ide!”.
            A igreja é a comunidade dos discípulos de Jesus que entendeu seu projeto de vida e por isso se coloca no caminho de Jesus. Ela promete salvação a todos os que se colocam a serviço da vida junto aos últimos, junto dos menores. A salvação se inicia entre eles e vai crescendo, como fermento na massa, até atingir a realização completa quando Cristo será tudo em todos. Opção preferencial pelos pobres é essencial para a Igreja. Sem essa opção ela não pode ser a Igreja de Jesus de Nazaré, e se não o fizer, também não pode levar ninguém à salvação eterna.
Pe. Mário Fernando Glaab

WWW.marioglaab.blogspot.com.br

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